A data será celebrada com algumas actividades culturais realizadas por alguns grupos e mesmo pelo Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas, através da Direcção-Geral das Artes.
A data foi instituída no ano passado (2020), pelo Parlamento. Foi uma proposta de lei que foi levada ao Parlamento pelo deputado José Soares, que foi aprovado por unanimidade.
Neste sentido, todos os anos o 31 de Julho será celebrado como Dia Nacional do Batuco, data também que se assinala o Dia da Mulher Africana.
Reconhecendo a importância desse género musical como património nacional, a data pretende homenagear não só os intérpretes, mas também todos aqueles que através do Batuco ajudaram na criação de um universo cultural diversificado.
Para mostrar a importância desse género, hoje temos grupos de batuco em vários pontos do país e na diáspora, cada um com a sua forma criativa de representar essa tradição.
Nha Nácia Gomi
Falar do Batuco é falar de Nha Nácia Gomi, uma das figuras mais incontornáveis do batuco. Nascida a 18 de Julho de 1925, na localidade de Mato Dentu, Principal, freguesia de São Miguel Arcanjo, Tarrafal. Nha Nácia Gomi cantou pela primeira vez num casamento na sua localidade de origem aos 17 anos de idade.
Inácia Gomes Correia, conhecida como Nha Nácia Gomi, foi uma mulher dedicada à divulgação da cultura cabo-verdiana nos géneros de Finason e Batuco, sábia conhecedora da nossa tradição oral e mulher guerreira.
Num artigo escrito pelo Expresso em Julho de 2018, cita que a cantora era também referenciada como guardiã da tradição, fonte de sabedoria popular e mestre de improviso, pois Nha Nácia Gomi não escrevia os seus temas.
O escritor e investigador Tomé Varela da Silva escreveu um livro “Finason di nha nasia gomi”, a obra traz o relato da cantora contada pela mesma.
Nessa obra há também a biografia da cantadeira de que “a única educação formal que ela terá recebido foi a doutrina religiosa, isto é, a catequese que começou a frequentar por seguir os irmãos mais velhos. Tal como era comum na época, não frequentou a escola e jamais se alfabetizou, o que não a impediu de acumular sabedoria que depois enriqueceria a sua música, num exercício poético que denotava uma criatividade nata”.
Quanto aos temas que Nha Nácia Gomi cantava, o mesmo artigo conta que abordava desde questões do dia-a-dia a problemas sociais, e “traziam sempre recomendações, conselhos aos mais novos, mas também era pontuado por algum humor para além de transmitirem alguns pensamentos e dizeres populares que muito contribuíram para que fosse muitas vezes referida como uma biblioteca viva”.
Sendo analfabeta, Nha Nácia Gomi, nunca escreveu as suas próprias músicas. Os registos são sobretudo sonoros. Ainda antes de gravar discos – o que veio acontecer já tarde no seu percurso, Tomé Varela da Silva, na pesquisa que levou a cabo na década de 80 e que também inclui Nha Bibinha Cabral e Nha Guida Mendi, fez a gravação de músicas da santacruzense.
A música da Rainha do Finason, como era também referenciada, só viria a surgir em disco na década de noventa, altura que marca a sua consagração com presença em vários eventos internacionais. Entre a sua participação na Expo Sevilha (1992, Espanha) e no festival do Museu Smithsonian (1995, EUA), em 1994 grava em Estocolmo, Suécia, duas faixas do CD Music From Cape Verde.
A sua participação na Expo Lisboa (1998, Portugal) é lendária. Aos 74 anos, ela foi uma das protagonistas do espectáculo “Camin di Mar” concebido pelo grupo Simentera e onde se procurava contar a história da música de Cabo Verde. A investigadora Gláucia Nogueira conta no seu livro que a “Personagens do Batuque” que a matriarca esteve em vias de falhar o evento devido ao luto que cumpria pelo falecimento do marido no ano anterior.
No ano seguinte à Expo’98, viajou aos EUA para gravar com os Ferro Gaita o CD “Rei di Tabanka”. A sua participação é na faixa que traz o seu nome. Finalmente, em 2000 um disco com o seu nome: “Nha Nácia Gomi Cu Sê Mocinhos”, CD de oito faixas, aparece na internet como sendo produto da Sons d’África.
Mas o disco mais reverenciado é sem dúvida “Finkadu na Raiz”, álbum produzido pela AV Produções em 2005.
Na década de 90, altura em que se deu o pleno reconhecimento do seu valor artístico e até patrimonial, Nha Nácia Gomi recebe várias homenagens, uma delas o baptismo de um avião da TACV com o seu nome. Ela que viveu largos anos, com o marido, os filhos e netos, numa casa bastante humilde. Ainda em vida recebeu outras homenagens e foi beneficiada com um passaporte diplomático.
O falecimento da ilustre intérprete do Finason e do Batuco aconteceu no dia 3 de Fevereiro de 2011. Nácia Gomi inspirou o respeito pela preservação e divulgação da nossa memória colectiva. A quando da sua morte, o Governo decretou Luto Nacional, a Bandeira Nacional ficou em meia-hasta.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1026 de 28 de Julho de 2021.