Segunda parte da Trilogia do Mindelo, “A Cidade do Café” tem estreia marcada para esta sexta-feira, 25, no palco do Centro Cultural do Mindelo.
Com dramaturgia de Rocca Vera-Cruz, “A Cidade do Café” segue-se a “Crónicas do Mindelo”, que estreou em 2018. Mais uma vez, propõe-se uma radiografia política, social e cultural da cidade do Mindelo. Desta vez, o foco principal é a candidatura do protagonista à Câmara Municipal da ilha, usada como pretexto para expor, com o humor que se espera, alguns hábitos dos tempos de campanha.
João Branco assume a encenação e espaço cénico. Ao Expresso das Ilhas antecipou o essencial da 64ª produção do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português.
Qual é a principal novidade face às “Crónicas do Mindelo”?
Podemos dizer que “Crónicas do Mindelo” tem uma narrativa mais dispersa, onde os pontos de interesse se vão dividindo em vários polos. No caso de “A Cidade do Café” a narrativa centra-se mais numa personagem, que se torna claramente protagonista desta segunda produção, e que é Ney de Concha, o ex-emigrante que teve que forjar a própria morte em “Crónicas do Mindelo” para não pagar uma dívida avultada à prostituta mais fina da cidade. Aqui reaparece, vivo e cheio de saúde e candidato à presidência da Câmara Municipal de São Vicente. Também por aqui, este espectáculo toca num aspecto complexo e vasto, que é o lado político, o lado podre das campanhas eleitorais. Claro, tudo isto sempre com aquele toque irónico e sarcástico de quem ri da própria desgraça, tão característica dos mindelenses e da escrita do nosso dramaturgo, Rocca Vera-Cruz.
Como dizes, quando confrontado consigo próprio, com os seus vícios, tiques e manias, o público mindelense tem sempre uma grande capacidade de rir e de se achar piada.
A força motriz desta trilogia é precisamente esta capacidade de se ver ao espelho e rir dos próprios defeitos. Por vezes, até com uma arrogância, acaba transformando esses defeitos, aos olhos próprios, em virtudes, aos olhos alheios! Sem essa característica tão marcante, seria impossível avançarmos para uma trilogia que coloca muito os dedos nas mais variadas feridas.
Abre-se a porta para mais uma peça, “Revolução Leopoldina”, para fechar o ciclo. O que é que podemos revelar?
Podemos dizer que que as protagonistas serão sobretudo as mulheres. Aliás, isso mesmo já é revelado no final deste espectáculo. A Concha, mulher do novo presidente da Câmara de São Vicente, arranja uma forma do marido renunciar e assume o seu lugar no cadeirão da Pracinha da Igreja. Ora, como não existe o cargo de “Primeiro Damo”, ao Ney não lhe resta outra alternativa a não ser se isolar em Santa Luzia para escrever as suas memórias, com o apoio logístico da Biosfera. E os outros círculos do poder, como os sindicatos, a Câmara do Comércio de Barlavento, a Reitoria da Universidade do Mindelo, todos esses postos serão assumidos pelas nossas personagens femininas, alterando de forma radical a sociologia do poder na ilha.
O teatro, o riso, a crítica e a autocrítica são ainda mais urgentes nestes tempos sombrios?
A pandemia e agora a guerra na Ucrânia tornaram estes dois últimos anos particularmente difíceis e até tristes. As artes de uma forma geral, mas o teatro em particular e, aqui, a comédia são um elixir muito importante que alimenta este mistério que é esta nossa vontade férrea de nos mantermos vivos apesar de tanta tragédia que nos rodeia por todos os lados. Temos a certeza que as pessoas que saírem do auditório do Centro Cultural do Mindelo, nos dias 25, 26 e 27 de Março, sairão mais leves, mais felizes e orgulhosas da cidade a que pertencem. Apesar de todos os nossos defeitos, que não são poucos!
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“A Cidade do Café”
25, 26 e 27 de Março Centro Cultural do Mindelo
Texto Original
Rocca Vera-Cruz
Encenação e Direcção Artística
João Branco
Personagens e Interpretação
Ney (Rank Gonçalves)
Concha (Romilda Sofia Silva)
Zu (Zenaida Medina)
Xupirix (Nuno Delgado)
Flaviana (Janaina Alves)
Ailine (Fidélia Cristina Fonseca Ramos)
Marega (Kristovan Morais)
Teixeira (Nick Fortes)
Lisa Reis (cantora cabaret)
Cenografia
Fernando Morais
Coreografia e actuação de dança
Grupo Streat Breakers
Samba original “A Cidade do Café” de Djony do Cavaco / Ivan Medina / Jotacê
Participação especial da Bateria Ritmo do Norte, dirigida pelo mestre Nuno Jorge Costa Gonçalves.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1060 de 23 de Março de 2022.