Jorge Vera-Cruz Barbosa (Praia, 22.Maio.1902 – Cova da Piedade/ Almada, 6.Janeiro.1971)
INTRODUÇÃO
Enquanto o primeiro número da Claridade, já pronto há muito no original, era preparado para impressão na tipografia do Mindelo – donde só viria a sair em Março de 1936 – o Editorial Claridade apresentou ao público, em Dezembro de 1935, o livro de estreia de Jorge Vera-Cruz Barbosa, Arquipélago, que é como que o prelúdio do aparecimento daquela revista literária, e o seu autor, o pioneiro da moderna poesia cabo-verdiana.
Com este livro minúsculo, de apenas oito poemas, Jorge Barbosa entra para a história da literatura moderna cabo-verdiana como o anunciador da sua viragem para os problemas da terra, assumida pelo movimento literário ligado à revista Claridade (1936-1960). Tinha ele 33 anos de idade e 15 como funcionário das Alfândegas.
Funcionário Público
Em 1920, com dezoito anos, Jorge Barbosa começou a trabalhar na Alfândega de São Vicente vindo a aposentar-se em 1967 como director na Ilha do Sal, com 65 anos de idade e 47 de serviço.
De destacar, contudo, que Jorge Barbosa não era um burocrata que nas horas vagas se evadia escrevendo poesia, mas era um Poeta que, por dever de ofício, era funcionário público.
O jovem aspirante escriturava
o grande livro das receitas
e os números rápido somava.
……………………………….
De dia lançava e contava
cifras precisas orçamentais.
À noite no quarto media
versos contados exactos
com a ponta dos dedos
batidos compassados
no tampo da mesa
como se fossem
golpes no bordão vagamente
de algum violão distante e solitário.
Vinham-lhe às vezes em pleno serviço
repentinas fantasias.
…………………….
Naqueles tempos o poeta
era um jovem funcionário
Poeta Telúrico
Jorge Barbosa, para além de sempre ter vivido no Arquipélago, no meio do Atlântico e na intercepção de dois mundos, “desterrado da Europa e da África, sem Continente, insular no próprio domínio da cultura”, residiu durante vários anos na ilha do Sal como quadro dos serviços aduaneiros. Esta circunstância fazia-o comparar-se aos encerrados, o que se reflecte na sua poesia, com o desespero de “querer partir e ter de ficar”:
Pobre de mim que fiquei detido também
na Ilha tão desolada rodeada de Mar!...
… as grades também da minha prisão!
ou ainda:
– Ai o mar
que nos dilata sonhos e nos sufoca desejos!
– Ai a cinta do mar
que detém ímpetos
ao nosso arrebatamento
e insinua
horizontes para lá
do nosso isolamento!
A monotonia e o viver das coisas “simples” do quotidiano, chegam-lhe distantes, como “rumores”:
Rumores de romper da manhã
nos pilões […]
Rumores de faixas marítimas
dos pescadores […]
Rumores da emigração,
nos carimbos postais […]
Rumores tagarelas
nas lojas rurais […]
… e das ondas
à roda das Ilhas…
A monotonia é quebrada apenas pela chegada de algum paquete:
O paquete fundeou no porto
mas só por momentos
porque depressa partiu outra vez.
Assim sendo, resta ao Poeta o dom de fantasiar:
Cidades
terras distantes
que apenas sei existirem
por aquilo que se diz…
E, na solidão da ilha, o Poeta recorda a “mulher estrangeira” que passou no vapor:
Aquela mulher que me fixou por acaso
e que eu olhei um instante com curiosidade,
......................
Eu talvez me recorde dela
mais logo também,
à hora
de ouvir na telefonia esses rumores todos
que vêm
das terras distantes…
Fica a resignação ante o desterro do Mundo:
[…] nostalgia resignada de países distantes
que chegam até nós das estampas das ilustrações
nas fitas de cinema
e nesse ar de outros climas que trazem os passageiros
quando desembarcam para ver a pobreza da terra!
Devido a essa temática do terra-longismo, Jorge Barbosa foi incompreendido pelas gerações posteriores e acusado de evasionismo. Contudo, há que lembrar que “um poeta é um fingidor”.
Capitão dos mares
foi na imaginação que o fui…
......................
Era tudo mentira
dos meus versos
impossíveis
da minha fantasia.
A cabeça pode divagar, mas a realidade está ali:
– Ai o drama da chuva,
ai o desalento,
o tormento
da estiagem!
– Ai a voragem
da fome
levando vidas!
(… a tristeza das sementeiras perdidas…)
ou
Malditos
estes anos de seca!
......................
Há quanto tempo não rodam
as pedras dos moinhos!
Há quanto tempo não se ouve
o som monótono e madrugador
dos pilões cochindo...
Poeta Subversivo
Poemas como Meio Milénio (1959), Panfletário (1966) e Júbilo (1966), de publicação proibida na altura, mostram o carácter subversivo deste pacato cidadão e funcionário público.
5 séculos
sem História
mas com muitas
histórias pra contar.
5 séculos
de longa pertinência
vincados e sofridos
na alma
atormentada das ilhas
guardados ainda
nos recessos da memória.
ou
Era para eu
Ser panfletário.
Não o fui
e ainda me dói
o desejo de o ser…
Mas agora
………………..
é tarde demais
para a magnífica aventura…
ou ainda
Não falámos
não dissemos
não gritámos
não protestamos
por isso não fomos presos.
Por isso dancemos
e pulemos e cantemos
defronte das prisões.
Considerações Finais
A obra poética de Jorge Barbosa consiste em três livros – Arquipélago (1935), Ambiente (1941) e Caderno de um ilhéu (1956), reunidos em Jorge Barbosa, Poesias I (1989) – e poemas vários publicados esparsamente na imprensa cabo-verdiana e estrangeira, organizados em Poesia inédita e dispersa (1993).
Em 2002 a obra completa do Poeta foi reunida num único volume, Obra Poética por Jorge Barbosa, editada pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa.