Celebremos os 120 anos do Poeta Jorge Barbosa

PorExpresso das Ilhas,4 jun 2022 13:21

Comunicação do Prof. Manuel Brito-Semedo durante a tarde cultural realizada esta sexta-feira, no edifício central do ministério das Finanças, na Praia, em homenagem ao poeta Jorge Barbosa

Jorge Vera-Cruz Barbosa (Praia, 22.Maio.1902Cova da Piedade/ Almada, 6.Janeiro.1971)

INTRODUÇÃO

Enquanto o primeiro número da Claridade, já pronto há muito no original, era preparado para impressão na tipografia do Mindelo – donde só viria a sair em Março de 1936 – o Editorial Claridade apresentou ao público, em Dezembro de 1935, o livro de estreia de Jorge Vera-Cruz Barbosa, Arquipélago, que é como que o prelúdio do aparecimento daquela revista literária, e o seu autor, o pioneiro da moderna poesia cabo-verdiana.

Com este livro minúsculo, de apenas oito poemas, Jorge Barbosa entra para a história da literatura moderna cabo-verdiana como o anunciador da sua viragem para os problemas da terra, assumida pelo movimento literário ligado à revista Claridade (1936-1960). Tinha ele 33 anos de idade e 15 como funcionário das Alfândegas.

Funcionário Público

Em 1920, com dezoito anos, Jorge Barbosa começou a trabalhar na Alfândega de São Vicente vindo a aposentar-se em 1967 como director na Ilha do Sal, com 65 anos de idade e 47 de serviço.

De destacar, contudo, que Jorge Barbosa não era um burocrata que nas horas vagas se evadia escrevendo poesia, mas era um Poeta que, por dever de ofício, era funcionário público.

O jovem aspirante escriturava

o grande livro das receitas

e os números rápido somava.

……………………………….

De dia lançava e contava

cifras precisas orçamentais.

À noite no quarto media

versos contados exactos

com a ponta dos dedos

batidos compassados

no tampo da mesa

como se fossem

golpes no bordão vagamente

de algum violão distante e solitário.

Vinham-lhe às vezes em pleno serviço

repentinas fantasias.

…………………….

Naqueles tempos o poeta

era um jovem funcionário

Poeta Telúrico

Jorge Barbosa, para além de sempre ter vivido no Arquipélago, no meio do Atlântico e na intercepção de dois mundos, “desterrado da Europa e da África, sem Continente, insular no próprio domínio da cultura”, residiu durante vários anos na ilha do Sal como quadro dos serviços aduaneiros. Esta circunstância fazia-o comparar-se aos encerrados, o que se reflecte na sua poesia, com o desespero de “querer partir e ter de ficar”:

Pobre de mim que fiquei detido também

na Ilha tão desolada rodeada de Mar!...

… as grades também da minha prisão!

ou ainda:

– Ai o mar

que nos dilata sonhos e nos sufoca desejos!

– Ai a cinta do mar

que detém ímpetos

ao nosso arrebatamento

e insinua

horizontes para lá

do nosso isolamento!

A monotonia e o viver das coisas “simples” do quotidiano, chegam-lhe distantes, como “rumores”:

Rumores de romper da manhã

nos pilões […]

Rumores de faixas marítimas

dos pescadores […]

Rumores da emigração,

nos carimbos postais […]

Rumores tagarelas

nas lojas rurais […]

… e das ondas

à roda das Ilhas…

A monotonia é quebrada apenas pela chegada de algum paquete:

O paquete fundeou no porto

mas só por momentos

porque depressa partiu outra vez.

Assim sendo, resta ao Poeta o dom de fantasiar:

Cidades

terras distantes

que apenas sei existirem

por aquilo que se diz…

E, na solidão da ilha, o Poeta recorda a “mulher estrangeira” que passou no vapor:

Aquela mulher que me fixou por acaso

e que eu olhei um instante com curiosidade,

......................

Eu talvez me recorde dela

mais logo também,

à hora

de ouvir na telefonia esses rumores todos

que vêm

das terras distantes…

Fica a resignação ante o desterro do Mundo:

[…] nostalgia resignada de países distantes

que chegam até nós das estampas das ilustrações

nas fitas de cinema

e nesse ar de outros climas que trazem os passageiros

quando desembarcam para ver a pobreza da terra!

Devido a essa temática do terra-longismo, Jorge Barbosa foi incompreendido pelas gerações posteriores e acusado de evasionismo. Contudo, há que lembrar que “um poeta é um fingidor”.

Capitão dos mares

foi na imaginação que o fui…

......................

Era tudo mentira

dos meus versos

impossíveis

da minha fantasia.

A cabeça pode divagar, mas a realidade está ali:

– Ai o drama da chuva,

ai o desalento,

o tormento

da estiagem!

– Ai a voragem

da fome

levando vidas!

(… a tristeza das sementeiras perdidas…)

ou

Malditos

estes anos de seca!

......................

Há quanto tempo não rodam

as pedras dos moinhos!

Há quanto tempo não se ouve

o som monótono e madrugador

dos pilões cochindo...

Poeta Subversivo

Poemas como Meio Milénio (1959), Panfletário (1966) e Júbilo (1966), de publicação proibida na altura, mostram o carácter subversivo deste pacato cidadão e funcionário público.

5 séculos

sem História

mas com muitas

histórias pra contar.

5 séculos

de longa pertinência

vincados e sofridos

na alma

atormentada das ilhas

guardados ainda

nos recessos da memória.

ou

Era para eu

Ser panfletário.

Não o fui

e ainda me dói

o desejo de o ser…

Mas agora

………………..

é tarde demais

para a magnífica aventura…

ou ainda

Não falámos

não dissemos

não gritámos

não protestamos

por isso não fomos presos.

Por isso dancemos

e pulemos e cantemos

defronte das prisões.

Considerações Finais

A obra poética de Jorge Barbosa consiste em três livros – Arquipélago (1935), Ambiente (1941) e Caderno de um ilhéu (1956), reunidos em Jorge Barbosa, Poesias I (1989) – e poemas vários publicados esparsamente na imprensa cabo-verdiana e estrangeira, organizados em Poesia inédita e dispersa (1993).

Em 2002 a obra completa do Poeta foi reunida num único volume, Obra Poética por Jorge Barbosa, editada pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa.

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Autoria:Expresso das Ilhas,4 jun 2022 13:21

Editado porAntónio Monteiro  em  19 fev 2023 23:27

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