Ao longo de quatro dias, o espaço do Pólo do Mindelo do Centro Cultural Português recebeu uma formação para abrir portas à internacionalização das artes cénicas de Cabo Verde. A acção de capacitação decorreu no âmbito do Programa AWA, com a Compagnie Naforo-Ba, em parceria com a associação Mindelact e integrada no projecto TriPé.
Pensada para profissionais das artes do espectáculo – teatro, dança, circo e performance – a formação foi ministrada por Alejandro de los Santos, especialista em gestão cultural.
A jornada começou com um diagnóstico da actual situação e apresentação do percurso artístico de cada um dos vinte participantes. Uma das primeiras carências identificadas pelo formador passa pela falta de material de suporte audiovisual, capaz de mostrar aquilo que cada artista e grupo fazem.
“É uma questão crucial, neste momento, e que aqui falta imenso: o material para poder mostrar o que faço. Um programador não tem a capacidade de estar em todo o continente. Graças à tecnologia, conseguimos gravar, registar o que fazemos e transmiti-lo em todo mundo. É a base de tudo e já me aconteceu tentar programar coisas e não conseguir, porque faltava esse material”, comenta Alejandro.
Em contextos como o cabo-verdiano, com limitada circulação de artistas, devido à ausência de teatros, festivais ou mercado interno dinâmico, a internacionalização é uma alternativa. O interesse crescente por África é outro activo que pode ser potencializado.
“Estamos a viver um momento em que África interessa muito. Vivo na Alemanha, neste momento, e vejo as programações, as convocatórias de festivais, residências. África e o mundo árabe estão quase no centro, porque este momento da história é um questionamento sobre o que somos. Então, acho que é um muito bom momento para exportar e para levar para fora produções locais”, realça o formador, que também destaca o potencial existente dentro do próprio espaço da língua portuguesa, nomeadamente via Brasil.
O que fazer? Para quê? Para onde ir? Algumas das perguntas para as quais os formandos procuraram respostas, recebendo ferramentas para melhor reflectirem sobre as suas práticas artísticas.
Alejandro de los Santos partilhou informações sobre tendências artísticas, explicando em pormenor os critérios de selecção dos principais festivais, residências e mercados internacionais, a par de mecanismos de financiamento e apoio à mobilidade existentes.
“Cabo Verde tem a vantagem de ser um país muito conhecido, apreciado por causa da música. Não é um país qualquer, há uma marca. Mas é preciso ir além da música e começar a exportar o teatro, a dança, o circo, se houver, as artes performativas”, destaca, lembrando que aquilo que os programadores procuram é qualidade.
No último dia da capacitação, os formandos foram desafiados a participar numa reunião de negócios simulada, com tempo limitado para vender uma ideia.
Para João Branco, em representação da Associação Mindelact e do Projecto TriPé, a acção permitiu trocas de contactos e conhecimentos.
“Foi uma formação que se pode revelar fundamental, porque trouxe luzes sobre o mercado internacional e de que forma os agentes teatrais o podem encarar. O que precisam ter para apresentar o seu produto, a quem apresentá-lo, como apresentá-lo e que possibilidades de financiamento existem para o financiar. Nunca tivemos nada semelhante. Acredito que dos vinte formandos que participaram, alguns estarão nos próximos anos a viver da sua arte, viajando pelo mundo”, antecipa.
O TriPé – Três Ilhas Três Artes é um consórcio de criação, formação e promoção de residências, que resulta da parceria entre associações artísticas de São Vicente (Mindelact), Santiago (Raiz di Polon) e São Nicolau (Projecto Chiquinho).
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Bio
O formador Alejandro de los Santos é o responsável pelas relações com África para o MAPAS – Mercado de Artes Performativas do Atlântico Sul – e para outros festivais e mercados em África, América Latina e Europa. Foi professor de gestão cultural na Universidade de Brasília e deu numerosas formações no âmbito dos programas de formação da Agência Espanhola de Cooperação para o Desenvolvimento (AECID), do Instituto Camões, da União Europeia, entre outros. Trabalhou como encarregado do departamento cultural na Embaixada de Espanha em Moçambique e em outros projetos culturais na Tunísia, Mali e Níger. É fundador do portal Afribuku, especializado em cultura africana contemporânea, cofundador e tradutor da coleção literária Libros del Baobab.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1113 de 29 de Março de 2023.