Podia falar-nos em traços gerais sobre a génese do seu livro Promover o desenvolvimento de Cabo Verde através das TIC?
Entre 2010 e 2013 escrevi regularmente no jornal Expresso das Ilhas artigos de opinião sobre tecnologia e inovação, apresentando críticas construtivas, recomendações e sugestões sobre políticas públicas para o desenvolvimento das TIC em Cabo Verde. Volvidos vários anos, constacto que, não obstante o enquadramento desses artigos no contexto temporal no qual foram escritos, grande parte das análises e recomendações neles efectuadas continuam a ser de actualidade. Foi neste quadro que resolvi compilar algumas dezenas desses artigos e publicá-los em livro, tendo em conta que o sector das Tecnologias de Informação e Comunicação tem sido apontado pelos sucessivos governos de Cabo Verde como estratégico para o desenvolvimento do país.
Que temas são abordados no livro?
O livro aborda, de uma forma geral, políticas públicas sobre a inovação, as TIC e a Sociedade da Informação em Cabo Verde. Apresenta análises, críticas construtivas, recomendações e sugestões visando a promoção do desenvolvimento desses sectores em Cabo Verde. De forma mais específica, abordo temas como a cibersegurança, governação electrónica, acesso à Internet, empreendedorismo tecnológico, entre outros.
Que críticas, recomendações e sugestões apresenta o livro para promover o desenvolvimento de Cabo Verde através da inovação e das TIC.
O livro tem dezenas de artigos e cada um deles apresenta várias recomendações e sugestões. Entretanto, entre as várias recomendações, eu destacaria a necessidade de, enquanto país, sermos mais consequentes quando elaboramos os nossos planos estratégicos para o desenvolvimento da sociedade da informação ou da economia digital. Temos o hábito de fazer planos muito bons que depois ficam esquecidos na gaveta porque não os implementamos adequadamente. Não definimos um mecanismo adequado de seguimento e monitorização. Não somos rigorosos. Foi o que aconteceu com o Programa Estratégico para a Sociedade de Informação, em 2005. Apresentou-se há pouco tempo a estratégia para a economia digital de Cabo Verde. A pergunta que eu me coloco é: qual é o mecanismo de seguimento e avaliação? Temos um plano operacional? Mas olhando para o sector das TIC em Cabo Verde nos dias de hoje, eu destacaria pelo menos três pontos essenciais: primeiro, ter um quadro regulamentar e de políticas públicas para o sector que facilitem o investimento e que promovam a concorrência, a inclusão e a inovação. Sem boas políticas públicas e um quadro regulamentar adequado, não vamos muito longe. Em segundo lugar, as infraestruturas. Precisamos de mais investimentos nas infraestruturas. Esses investimentos podem ser facilitados por boas políticas públicas. Precisamos promover o desenvolvimento de empresas de base tecnológica em Cabo Verde. Isso requer igualmente uma formação mais especializada dos nossos quadros.
Como está o processo de transformação digital do país?
Se olharmos para alguns indicadores, constatamos que temos feito importantes progressos, mas há ainda um longo caminho a percorrer. Ocupamos, por exemplo, a posição 111 no ranking mundial da governação electrónica. Ao nível africano, estamos na 9ª posição. Temos uma taxa de penetração da internet acima dos 80%. Mas precisamos fazer das TIC uma verdadeira alavanca do processo de desenvolvimento de Cabo Verde. Não temos nem ouro, nem prata, mas podemos exportar serviços no sector das TIC. Temos o potencial, o que precisamos é de melhorar o nosso sentido de estratégia para lá chegarmos. Planear, implementar e monitorar. Como referi, com políticas públicas e um quadro regulamentar que estimulem investimentos e concorrência, com a promoção do empreendedorismo tecnológico e uma sólida formação especializada dos nossos técnicos. Podemos, por exemplo, ambicionar exportar produtos e serviços tecnológicos para a região Oeste Africana. O mercado existe, temos a vantagem de sermos muito respeitados na região devido às nossas práticas de governança e ao nosso percurso no sector das TIC, mas precisamos agir no quadro de uma visão estratégica.
Afirma que apesar da rápida evolução deste sector, as suas análises e recomendações feitas entre 2010 e 2013 continuam a ser de grande actualidade e pertinência. Como assim?
Porque há muitos problemas identificados na época que continuam sem ser solucionados e muitas recomendações que foram feitas para esses mesmos problemas podem ser levadas em consideração hoje. Num dos artigos, falo, por exemplo, sobre a necessidade de criarmos um observatório para a sociedade da informação em Cabo Verde. Na verdade, a criação desse observatório estava prevista no Programa Estratégico para a Sociedade da Informação (PESI), aprovado em 2005 pelo Conselho de Ministros. De acordo com esse documento estratégico, Cabo Verde deveria criar esse observatório em 2007. Entretanto, estamos em 2025 e esse observatório nunca foi criado, mas a estratégia da Economia Digital, apresentada recentemente, fala na criação de um observatório digital. Ou seja, 20 anos mais tarde, estamos a planear novamente a criação desse observatório. Ou seja, enquanto país, muitas vezes planeamos, mas não fazemos ou simplesmente não planeamos e não fazemos. Essa é uma das razões por que várias das recomendações feitas entre 2010 e 2013 continuam a ser actuais.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1209 de 29 de Janeiro de 2025.