Satisfeito ou a história de um sonho quase concretizado

PorExpresso das Ilhas,22 set 2018 9:43

​Foi há pouco mais de 4 anos que aqui escrevi, sobre o título “A desilusão ou a história de um sonho desfeito”, uma crónica onde dava conta do meu sentimento de desilusão por Cabo Verde ainda não ter a sua Federação de Xadrez e como tal não participar na Olimpíada de 2014 que se realizou em Tromsø na Noruega.

Relembro algumas passagens dessa crónica, para que muitos, que nessa altura eu nem sequer fazia ideia da sua existência, mas que hoje clamam por aquilo que julgam ser justiça, se lembrem de quem se batia e fazia planos para que Cabo Verde entrasse na alta roda do xadrez:

Com a realização, na passada sexta-feira (1 de Agosto) da cerimónia de abertura e início da competição no dia seguinte, a maior festa mundial de xadrez voltou aos tabuleiros.

Refiro-me à Olimpíada de xadrez, este ano na sua 41.ª edição, que se está a realizar em Tromsø, 8.ª maior cidade da Noruega o país do actual campeão mundial, Magnus Carlsen.

No dia em que se iniciaram estas olimpíadas senti dentro de mim uma grande tristeza e uma enorme desilusão por não estar lá também a participar. Para quem há 3/4 anos atrás, achou ser possível constituir a Federação Nacional de Xadrez de Cabo Verde de forma a poder estrear-se internacionalmente nesta olimpíada de Tromsø, o não conseguir esse objectivo é motivo para a tristeza que transporto e para a amargura que sinto. Foi um sonho que fui alimentando até me aperceber que estava a lidar com uma pura utopia.

Hoje, desiludido e sem o entusiasmo de outrora, consciente da inércia dos xadrezistas de Cabo Verde, apercebo-me que sonhei demasiado alto.

Durante estes anos, que remei contra a maré, apercebi-me que os xadrezistas crioulos esperam que lhes caia do céu uma Federação já constituída e pronta a ser alvo das línguas viperinas daqueles que nada fazem e entravam os que tentam fazer.

Sozinho, ou pouco acompanhado, não consegui que o céu produzisse tamanho milagre. E, é assim que aqui me encontro, com um sonho desfeito e imaginando o que seria se ele se tivesse tornado realidade.

Nunca o desalento, a inércia, ou o medo das línguas viperinas me vergaram e não seria naquela altura que desistiria. O sonho desfeito naquele momento, ergueu-se novamente e contra ventos e marés, com muita “ginástica” e jogo de cintura, em Abril de 2016, nasceu a almejada Federação Cabo-verdiana de Xadrez, após 8 anos de muitas horas dadas à causa em detrimento da família, dos amigos e do lazer. Se naquela altura tivesse desistido, provavelmente hoje não estaria aqui, orgulhosamente, a anunciar que o xadrez nacional irá viver nas próximas duas semanas um momento histórico e de enorme significado, não só para a modalidade, como também para todo o desporto cabo-verdiano.

Estou a falar das Olimpíadas de Xadrez que se realizarão de 23 de Setembro a 6 de Outubro em Batumi (Geórgia) e onde pela primeira vez, numa competição organizada pela FIDE (Federação Internacional de Xadrez), será hasteada a bandeira de Cabo Verde.

Esta primeira missão internacional do xadrez cabo-verdiano é o realizar de muitos sonhos que se perfilaram ao longo de todos estes anos que foram de lutas, sacrifícios e muitas desilusões. Mas é real e na próxima Quinta-feira dia 20, nas instalações do Comité Olimpico Cabo-verdiano, efectuar-se-á a concentração da 1.ª selecção Nacional de Xadrez.

Éder Pereira (campeão Nacional), Luís Barros (vice-campeão nacional), António Monteiro e Luís Fernandes (3.º e 4.º classificados, respectivamente, no campeonato nacional individual absoluto), e eu, que me deslocarei ao Congresso da FIDE que se realiza em simultâneo com a Olimpíada, somos os elementos desta primeira selecção nacional, escolhida por critérios aprovados pela direcção da FCX.

Como presidente da Federação Cabo-verdiana de Xadrez, sou por inerência o delegado ao Congresso e evidentemente o chefe desta missão.

Nestas missões a países longínquos quase sempre existe um problema de ordem financeira. Esta missão não foge á regra e para minorar custos, como eu sempre viajaria a Batumi para participar no Congresso, que este ano é também eleitoral, foi estabelecido nos critérios aprovados que eu seria inscrito como o nosso 5.º jogador (em cada encontro jogam 4) Situação que não é inédita pois, por exemplo, Zézé Rita, Presidente da Federação de S. Tomé e Príncipe também é um dos jogadores da sua selecção.

Com tantos anos de competição (desde 1976, meu primeiro ano de filiado em Portugal), e sempre a capitanear equipas, pela experiência adquirida, o mais natural era ser eu o capitão desta nossa primeira selecção. Essa pretensão esbarrou de imediato com as actuais regras da Olimpíada onde só pode ser capitão de equipa quem tiver um título de FIDE Trainer (FT). Cabo Verde, actualmente, não tem ninguém nessas condições e assim o nosso capitão iria ser nomeado pela FIDE, dentro do quadro dos seus FT. Por isso, atempadamente, foi solicitada uma autorização especial à FIDE, que me autorizou a capitanear a equipa de Cabo Verde, com a condição de frequentar um curso em Batumi. Ser o presidente da uma Federação e ser o capitão da sua equipa, não é novidade e o caso mais exemplar, em Batumi, é o de Andrey Filatov, presidente da Federação Russa e capitão da sua selecção masculina.

Portanto, se há 4 anos estava desiludido, hoje posso dizer que estou satisfeito. Satisfeito por finalmente Cabo Verde ir participar numa olimpíada e eu fazer parte dessa equipa e satisfeito pelo trabalho realizado em prol do xadrez nacional. Satisfeito ainda, por provavelmente vir a ser o primeiro cabo-verdiano titulado pela FIDE, pois o meu nome está na lista dos que serão aprovados com o título de FIDE Arbiter, o que me tornará também no primeiro árbitro cabo-verdiano a fazer parte do quadro internacional de árbitros da Federação Internacional de Xadrez.

E espero voltar de Batumi, ainda mais satisfeito!


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 877 de 19 de Setembro de 2018.

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Autoria:Expresso das Ilhas,22 set 2018 9:43

Editado porSara Almeida  em  13 jun 2019 23:22

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