Breve história da Defesa Tarrasch

PorAntónio Monteiro,31 dez 2018 8:07

O apego de Kasparov à Defesa Tarrasch saiu-lhe caro em 1984
O apego de Kasparov à Defesa Tarrasch saiu-lhe caro em 1984

O primeiro encontro entre os provavelmente dois maiores génios da história do xadrez, o polaco Akiba Rubinstein (Stawiski, 12 de Dezembro de 1882 — Antuérpia, 15 de Março de 1961) e o cubano Jose Raúl Capablanca y Graupera (Havana, 19 de Novembro de 1888 — Nova Iorque, 8 de Março de 1942), ou simplesmente Capablanca teve lugar no torneio de San Sebastian, em 1911.

Era a primeira estação europeia do ainda desconhecido Capablanca à conquista no título máximo auferido no xadrez. Logo no primeiro duelo os dois mestres produziram uma das partidas mais memoráveis dos anais do xadrez. Capablanca que Botvinnik considerava ter atingido a suprema mestria na arte de empatar com as pretas, serviu-se da Defesa Tarrasch. Podemos começar por aqui a história desta partida que tem várias histórias. A primeira, e certamente a não menos interessante, o nome da defesa. A defesa Tarrasch deve o seu sonoro e temível nome ao médico alemão Siegbert Tarrasch, nascido em Breslau, em 1862. Em 1888 inaugurou uma impressionante série de primeiros prémios nos torneios de Nuremberg (1888), Breslau (1889), Manchester (1890), Dresden (1892) e Leipzig (1894) o que lhe valeu o epíteto de “Campeão do Mundo de Torneios”, ou simplesmente o “Hércules dos Torneios”. Não nos esqueçamos que estamos no século XIX e raros eram então os certames de xadrez. À excepção de Hastings (1895), sem exagero, o maior torneio do século XIX, não se realizaram naquela época outros torneios dignos de menção. Apesar de nunca ter ostentado o título de campeão mundial, talvez por um exagerado apego às suas ideias (“se o xadrez fosse de cristal, Tarrasch seria invencível”) dirá dele seu arqui-rival Lasker. O Præceptor Germaiæ, como era também conhecido, alcançou grande renome em competições de alto nível, derrotando claramente, em encontros individuais, jogadores de primeira fila ou como sistematizador e difusor das técnicas do jogo através de duas obras clássicas que formaram várias gerações de mestres: “Dreihundert Schachpartien” (Trezentas Partidas de Xadrez) e “Die Moderne Schachpartien” (Modernas Partidas de Xadrez). Tarrasch foi, sem dúvida, o primeiro a tornar acessível ao grande público os conceitos e ideais do fundador do xadrez moderno, Wilhelm Steinitz. Mas o professor às vezes exagerava o alcance dos seus ensinamentos… para desespero dos seus colegas de profissão. Tarrasch decretou que a melhor defesa contra o peão da dama era 1.d4 d5 2.Cf3 c5, a tal da Defesa Tarrasch. O Zaratrusta alemão, como era também conhecido, acreditava, e com certa razão, que o facto de surgir um peão preto isolado logo na abertura nesta posição era compensado pela liberdade de acção das pretas. Tarrasch apregoou aos quatros cantos do mundo e não se cansou de demonstrar em todos os certames em que participou, às vezes à custa de preciosos pontos, que a sua defesa era a melhor. Faltou um Homero para cantar a insana luta do mestre em prol dos seus fundamentos que, em certos casos, raros, diga-se em abono do mestre, não passavam de dogmas, mas fiquemos por aqui e regressemos ao que nos interessa. Dissemos que na primeira partida jogada entre Akiba Rubinstein e Capablanca, o genial cubano serviu-se da Defesa Tarrasch – com resultado catastrófico como se verá. Esta seria a primeira e única vitória de Rubinstein sobre o futuro campeão do mundo. O pragmático Capablanca haveria, em futuros encontros, de se socorrer de outras armas, muitas delas por ele próprio aprimorado. O dogmático Tarrasch continuou teimosamente fiel à sua defesa.

Ps: Em abono da verdade deve-se acrescentar que Rubinstein e Capablanca haveriam de se encontrar mais quatro vezes e todas essas partidas terminaram empatadas: Rubinstein vs Capablanca, 1914, St. Petersburg; Rubinstein vs Capablanca, 1922, London; Rubinstein vs Capablanca, 1928, Berlin e Rubinstein vs Capablanca, Karlsbad. Como se disse, Capablanca despediu-se para sempre da Defesa Tarrasch, pois Rubinstein descobrira no tabuleiro a variante que leva justamente o seu nome (a Variante Rubinstein da Defesa Tarrasch. 1.d4 d5 2.Cf3 c5 3.c4 e6 4.cd ed 5.Cc3 Cc6 6.g3... ataca directamente o peão isolado preto com o bispo fianquetado. Esta variante é tão forte que a Defesa Tarrasch desapareceu dos grandes torneios até que em 1984, um rapaz de nome Garry Kasparov, desenterrou-o para surpreender e arrebatar o título ao então campeão do mundo Anatoly Karpov. O jovem Kasparov este à beira do precipício e de uma inédita blamage – de facto, na nona partida já perdia por 4-0, vantagem que Karpov alargou para 5-0 – e só se salvou porque o então presidente da FIDE Campomanes anulou o match apesar do resultado favorável de 5-3 para Karpov que apenas bastava ganhar uma única partida. É desnecessário dizer que Kasparov abandonou na segunda parte do match a Defesa Tarrasch e procurou salvação na velha e quieta Defesa Eslava.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 891 de 24 de Dezembro de 2018.

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Autoria:António Monteiro,31 dez 2018 8:07

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  31 dez 2018 10:30

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