O mestre que tinha mandíbulas de cristal

PorAntónio Monteiro,24 nov 2019 8:21

Uma das personalidades mais populares da cidade ucraniana de Odessa durante a segunda metade do século XX foi um xadrezista: “The Chess King of Odessa”, assim se intitulava numa revista holandesa um artigo dedicado à memória de Efim Geller (1925-1998), um dos aspirantes ao ceptro de Capmeão do Mundo entre os anos 50 e 70 do século passado.

Várias características da sua personalidade sustentavam esta ambição: sua incansável capacidade de trabalho (comum a todos os aspirantes), uma férrea estabilidade nos seus princípios xadrezísticos, uma confiança inquebrantável em si mesmo e nos seus esquemas bem trabalhados de aberturas. Isto dava-lhe uma grande força, por ser quase o único, graças aos seus aturados trabalhos de investigação, inume aos vaivéns da moda. Muitos sistemas, como muitas linhas da Defesa Índia do Rei, da Defesa Scheveningen, Tartakower, ou a Variante Najdorf, baseiam-se em ideias ou partidas suas. Karpov fez largo uso deles com estrondoso êxito quando Geller era seu secundante nos anos 70 e 80. Segundo seus contemporâneos, o trabalho analítico de Geller tenha uma única finalidade: encontrar a melhor jogada, não apenas uma boa jogada, mas a melhor, aquela que punha a nu a verdadeira essência da posição. 

O grande mestre americano, também de origem ucraniana, disse do seu compatriota que se existe a expressão “mergulhado nas profundezas da terra”, Geller estava ‘mergulhado nas profundezas do xadrez”. Passamos a palavra a seus colegas de então – Botvinnik : “Não compreendíamos certas posições da Defesa Índia do Rei antes da chegada de Geller”. Korchnoi, o terrível, excedeu o seu rival em termos de reverência: “Nas suas melhores partidas Geller estava muito próximo do nível de génio; era um jogador brilhante e introduziu muitos sistemas novos nas aberturas”. 

Por último oiçamos o autor do acima citado artigo, Genna Sosonko: “Em muitas partidas de Geller pode-se aprender o mais alto nível da técnica do xadrez, técnica essa, que na definição de Vladimir Horowitz, nada mais é que ter uma clara ideia do que se quer obter e o pleno potencial para alcançá-lo. A definição da técnica não é apenas aplicável à música, como também ao xadrez. Geller dominava essa técnica”. 

A enumeração de todas essas virtudes leva-nos a questionar por que Geller nunca chegou a ostentar o título de campeão do mundo. É certo, seus êxitos foram muitos, entre eles duas vezes campeão da ex-URSS (no seu tempo, o certame mais difícil do mundo) e 6 vezes candidato oficial ao campeonato do mundo. A resposta pode estar em outros factores que também influem no jogo.

O xadrez como desporto está longe de ser algo matemático; é uma luta e exige sentido pragmático. Era notório que a busca da verdade em Geller virava-se, não raro, contra ele próprio. Como se sabe o óptimo é inimigo do bom. Buscando o óptimo durante as partidas Geller pensava demasiado e o número de partidas perdida por causa do tempo era alto. Outro factor acentuado por Spassky é de foro psicológico. “Geller”, analisa o ex-campeão do mundo, “tinha mandíbula de cristal; depois de perder uma partida baixava de rendimento – exactamente a característica oposta a grandes campeões como Karpov, Korchnoi e Kasparov, em que ânsia de ganhar é maior depois de uma derrota”. Não fosse esse handicap bem outra seria a biografia que aqui traçámos. 

Problema da semana

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(As brancas jogam e dão mate em dois)

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 938 de 20 de Novembro de 2019. 

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Autoria:António Monteiro,24 nov 2019 8:21

Editado porFretson Rocha  em  24 nov 2019 8:49

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