Para além da família, da luta pela independência e da sua área de formação, Cabral tinha um outro amor: o Desporto! E logicamente como praticante de futebol em Cabo Verde e Portugal, como intelectual, deixou a sua reflexão, mostrando se douto, devoto e apologista declarando que “os Jogos Olímpicos deveriam ser uma realidade, onde atletas de todas as raças, provenientes de países, os mais distantes e diferentes, vão competir em provas as mais variadas, nas quais as obtenções de vitória não implica uma superioridade, mas unicamente uma melhor preparação atlética, sem desvirtuar as suas características fraternais.”
Amílcar foi mais longe afirmando que, “era necessário que, de uma vez para sempre, todos os homens se convencessem, conscientemente, de que uma determinada posição alcançada por este ou aquele (no Desporto), é apenas o resultado dos esforços individuais ou coletivos, posto ao serviço de um dado fim, perante um campo de oportunidades abertos a todos.”
Ele era um idealista, com reflexões concretas no Desporto muito para além do jogo, estribado num pensamento humanista, multirracial, pró-africano, de visão olímpica e amante incondicional do Desporto em serviço da humanidade.
Esta pequena e valiosa investigação, que realizei em setembro de 2018, surgiu na necessidade de haver mais espólios e escritos sobre o Desporto nacional, ciente que ainda faltam desbravar investigações científicas nesta área que é até hoje considerado o parente pobre em Cabo Verde, refletido anualmente no Orçamento do Estado, contracenando com o facto de ser o único fator de irmanação nacional, de unanimidade, através dos Tubarões Azuis, diante de uma sociedade com ideologias políticas, desportivas, religiosas e educacionais muitas vezes diferentes umas em relação às outras.
Para comemorar o 25 de maio, o dia de África, deixo aqui a transcrição do pensamento de Amílcar Cabral sobre o Desporto e os Jogos Olímpicos, retirado do livro Carta de Cartas de Amílcar Cabral a Maria Helena - A Outra Face do Homem, publicado em 2016.
“A Tapadinha esteve hoje em festa. Carlos Canuto, Futebolista da velha guarda e árbitro há mais de 20 anos, despediu-se hoje da vida desportiva. Milhares de desportistas (público e atuantes) foram hoje à tapadinha, render-lhe a justa homenagem. Houve 2 desafios de futebol entre os clubes da capital e outro, entre os “infantis”. Jogou o Belenenses contra o Estoril-Praia, vencendo os homens de Belém por 4-0. Depois do desafio entre os “miúdos” jogou o Benfica contra o Atlético, vencendo o meu clube predileto por 2-0”. “Como vês, Lena, tive uma tarde agradável, tanto mais que o acontecimento chamou á Tapadinha milhares de espectadores. Foi mais uma prova de que o Desporto é um meio eficiente na confraternização do homem.”
“Por isso mesmo se justifica a realização dos Jogos Olímpicos, onde atletas de todas as raças, provenientes de países os mais distantes e diferentes, vão competir em provas as mais variadas, nas quais a obtenção de vitória não implica uma superioridade, mas unicamente uma melhor preparação atlética, sem desvirtuar as suas características fraternais. É necessário que, de uma vez para sempre, todos os homens se convençam, conscientemente, de que uma determinada posição alcançada por este ou aquele, é apenas o resultado dos esforços individuais ou coletivos, posto ao serviço de um dado fim, perante um campo de oportunidades abertos a todos.”
“Por isso mesmo vêm se os negros a triunfarem nos Jogos Olímpicos, conquistando os mais vibrantes aplausos, cobrindo-se de glórias, a despeito das intenções mais mesquinhos, a que este ou aquele grupo não consegue fugir.”
“Sim, Lena, é necessário que os homens não temam a competição, é necessário que todos compreendam, que todo o homem tem direito de competir.”
“Envio-te, junto, um recorte, do mundo desportivo, onde se faz referência dos negros que triunfaram nos Jogos Olímpicos. Notarás com certo pesar, algumas atitudes lamentáveis dos americanos, mas alegrar-te-ás, decerto, que o público, todo o público que foi a Londres, soube fazer justiça aos rapazes negros que, esforçando-se, souberam manter a sua posição de campeões do mundo em competições atléticas.”
“Quase todos são estudantes universitários na Europa ou América, - o que demonstra que não são apenas máquinas de folgo, mas, sim, homens e, para complemento da demonstração desta verdade, há o facto de que dois dos nomes insertos no artigo, Mckinley e La Beach, não foram vencedoras da prova que entraram. Todavia, nem por isso deixaram os negros de ocupar as suas posições de Reis do atletismo. Foi tamanha a sensação causada nos milhares de espetadores em Londres que, por exemplo, o jamaicano Wint foi aclamado o “deus negro” de Wembley (o estádio em que se realizaram os Jogos).”
“Sim, Lena, é necessário que os homens não temam a competição. É necessário que todos os homens compreendam que todo o homem tem o direito de competir com plena oportunidade, seja em que campo for, no sentido de triunfar aquele que mais justamente merecer o triunfo. Quando todos os homens se aperceberem de que ninguém tem o direito de tirar aos outros a oportunidade de viver, então o mundo será feliz e a vida será um amplo estádio de Jogos Olímpicos, em que as vitórias serão a consecução, de maiores bens para a felicidade de todos, sem qualquer distinção, e eu Lena, creio que tudo isso será possível.”
“A Tapadinha esteve em festa e eu estive lá, assistindo aos desafios, encontrei dois ou três colegas. Depois dos desafios, dei uma volta na Tapada. Acredita querida, que a Tapada agrava em mim o mal das saudades, que tenho de ti. Agora por exemplo estou mal. Estou aqui na leitaria, a escrever-te, mas tudo em mim. Lena, existe mais um objetivo. Tudo em mim anseia pela realização do maior desejo do momento, desejo que se realizará brevemente: ver te.”
Amílcar