Num dia de inverno rigoroso em Portugal, acordo e deparo me com uma visita querida à porta. Era a neve! Uma visita muito Benvinda se Portugal tivesse melhores condições habitacionais para suportar o frio.
Depois de fazer todo o ritual matinal, preparo para fazer o café da manhã. O telefone toca!
Logo, entrei de novo no quarto e fui ver de quem era a chamada.
Para além da neve, esta chamada também era Benvinda. Depois de ver a autoria da chamada, era impossível deixar para outra ocasião.
Para a minha surpresa, era um tal senhor conhecido na praça, que tinha o visto pela primeira vez, no período em que andava no Sporting da Praia. Estava o seu retrato então, num dos quadros na sala de reunião do clube.
No mesmo instante perguntei ao presidente na altura, Paulo Veiga, quem era aquele homem ali na foto? Rapidamente me respondeu de quem se tratava. Foi a minha primeira impressão! Para ser sincero, não o conhecendo de qualquer parte, revelava na foto, alguma retidão, ou se quisermos dar o nome de postura. Foi a primeira impressão tida do sujeito.
Tempos mais tarde, em 2016, depois de entrar no Comité Olímpico Cabo-verdiano, tive o privilégio de conhecê-lo pessoalmente. Na sala onde ficava o ofício, com alguns colegas, assomou Mascarenhas.
Apesar da idade, para a minha perceção, estava bem tratado. Se calhar o período da prática desportiva contribuíra para que chegasse são a esta idade ou também estava aos cuidados de uma excelente esposa e filhos.
Deixando as deduções de lado, com uma postura muito equilibrada, entrou na sala. Muito educadamente começou a cumprimentar a todos. Se calhar estava à minha procura, pensei. Pois, tinha falado com um dos técnicos do Comité Olímpico que estava curioso em conhecer com maior profundidade a história do desporto nacional e logo, me indicaram o nome de Mascarenhas.
Depois de saudar a todos, se apresentou “gentilmente” a mim. Eu também educadamente, soube me introduzir e me perguntou se era eu que andava atrás da história do desporto nacional. Lhe confirmei e depois disso foi o que passo a contar.
A partir dali fiquei deveras encantado!
Como era possível, guardar tanta história já com esta idade? Muito idóneo nas suas palavras e reflexões peguei no meu telemóvel e lhe pedi a permissão para lhe gravar. Da sua parte foi gentil. Aceitou e a partir dali, com a sua ajuda, obtive várias informações sobre o desporto nacional, de várias modalidades desportivas em vários momentos da história das ilhas, desde os finais século XIX passando até os dias de hoje.
Com constantes entrevistas, desenvolvemos uma boa relação. Parecia ser amigo de longa data. O tempo passara, mas, no entanto, estávamos ainda a falar sobre o desporto nacional.
Era a confirmação de que a amizade não tem nada a ver com idade e tampouco com gerações distintas. Poderia ser tranquilamente o meu avô! Gostaria que fosse, mas não é!
A Ética em Orlando Mascarenhas.
Depois de realizarmos vários artigos em coletividade, entre as quais, a história da fundação do Sporting da Praia, A História do voleibol em Cabo Verde, que se encontram publicados no jornal Expresso das Ilhas, por exemplo, lhe propus que fizéssemos uma biografia sobre si. Não pensou muito e a resposta foi positiva!
Em julho de 2020, começámos um trabalho e ali pude me aperceber com maior inteireza e minuciosidade que Orlando Mascarenhas é a Ética em pessoa. Um tiro certeiro de Filomena Fortes para o cargo de membro da Comissão de Ética. Assim se constroem as grandes lideranças!
A sua forma de ser e estar, durante todo este período de trabalho me reeducou de certa forma para cada vez mais ser uma pessoa melhor. Falava de forma “harmoniosa” para a compreensão, caso não entendesse voltava a explicar de forma muito leve e tranquila.
Uma outra virtude é a sua capacidade de critica! Sem ofender, aborda as questões de forma superlativa. Era o antídoto para alguns complexos existentes no ser humano. Acredito que não somos perfeitos, porém temos de trabalhar para melhorar o nosso comportamento a cada dia.
Durante as entrevistas, nunca ofendeu ou falou mal de sequer uma pessoa. Para mim ele é uma pessoa desprovida de ódio. No contexto budista, poderia dizer que este era o nirvana. A paz plena.
Mas o que vem a ser isto Jota? Apenas aprenda, disse eu ao meu eu!
Ainda durante o trabalho, teve muita temperança e frieza para me corrigir com elegância. Para cada situação, tidas para além do trabalho, analisava com “empatia”, se pondo no lugar do outro. O “meio termo” era uma prática habitual durante as conversas de fórum político ou desportivo. Não é preciso maldizer para se sentir superior. As radicalidades não constavam na sua agenda. O ódio se combate com a paz e a paz é o amor!
Teve paciência nos meus momentos onde não estive de forma integral no trabalho e incrivelmente me ligava quase todos os dias. Mesmo não estando focado, várias vezes tinha a calma dos monges para gentilmente me tratar bem.
Durante a sua biografia, vi e senti que é um ser humano de valores inalienáveis, irrefutáveis, um dos grandes homens que esta terra viu nascer.
Mesmo com a minha descrença no homem e meu olhar critico, posso afirmar que pela primeira vez, conheço um homem de tamanha dimensão comportamental e educacional.
Um bem-haja a este ser especial!
Segundo pude aperceber no decurso da sua biografia, sempre nas suas lideranças, colocou a equipa em primeiro lugar, mostrando a cada elemento integrante de que fazia parte do grupo. Para além de funcionários, ali existiam homens, homens com necessidades, com carência de afeto que só um bom líder poderia ser capaz de conseguir instigar todos para o progresso do país.
Como resultado, nos anos 80, o sector comercial correspondia a maior parte do PIB do país, onde a economia era o principal motor de desenvolvimento.
Orlando Mascarenhas é de fato a Ética em pessoa. É a mais bela combinação entre o professor e a sua disciplina.
Artigo escrito a título de homenagem a Orlando Mascarenhas!