Pugilista internacional cabo-verdiana, Nancy Moreira, apela a “mais respeito” pelos atletas do boxe

Nancy Moreira representou Cabo Verde no Campeonato do Mundo de Boxe Elite Feminino 2022, na Turquia
Nancy Moreira representou Cabo Verde no Campeonato do Mundo de Boxe Elite Feminino 2022, na Turquia

Nancy Moreira pugilista internacional cabo-verdiana participou no Campeonato do Mundo de Boxe Elite-Feminino 2022, em Istambul (Turquia) que decorreu de 6 a 21 de Maio, a representar Cabo Verde, sem uma equipa. O Expresso das Ilhas foi conversar com essa atleta destemida, que mesmo sozinha, representou Cabo Verde e somou nesta competição mais duas vitórias na sua carreira.

Nancy Moreira nasceu em Cabo Verde, ilha de Santiago, na zona de Tira- Chapéu e aos oito anos foi viver com os pais em Portugal. Ela conta que o desporto sempre esteve presente na sua vida. A pugilista de 33 anos de idade começou no atletismo, depois praticou futsal, futebol, mas foi no boxe que encontrou a sua verdadeira paixão.

“Passei por algumas equipas de boxe em Portugal onde me formei como atleta. BB Team foi a equipa onde pude evoluir como atleta e como pessoa. Depois de alguns anos fui representar o Futebol Clube do Porto Boxe. Representar o país onde nasci sempre foi um sonho, apesar de também ter recebido convite para representar a selecção de Portugal. Foi quando procurei o ex-presidente da Federação Cabo-verdiana de Boxe, Flávio Furtado, que se prontificou a tratar de tudo para que eu representasse Cabo Verde. Represento a selecção nacional desde 2016 penso eu”, avalia.

Campeonato do Mundo de Boxe Elite Feminino 2022, em Istambul

A atleta conta que as dificuldades financeiras é o seu maior obstáculo para a sua participação em competições internacionais. Destemida, decidiu participar, ainda que sozinha, no Campeonato do Mundo de Boxe Elite Feminino 2022, em Istambul. Sem suporte técnico e aparentemente sem apoio da Federação Cabo-verdiana de Boxe (FCB), Nancy Moreira encontrou “refúgio” na comitiva brasileira com a qual treinou, fez amizades e sessões de fisioterapia no intervalo dos combates.

“Participar num torneio sem uma equipa foi principalmente muito triste. O Campeonato Mundial é um dos torneios mais importantes do mundo, e ver outras equipas e principalmente países de África com uma comitiva enorme e com todas as condições, até com menos potencialidades que o nosso país, foi triste porque acho que não temos necessidade disso. Quando decidi entrar naquele avião tive que conversar comigo mesma e prometer que nunca iria fraquejar, nem lamenta: iria lutar contra todas as adversidades que poderiam aparecer”.

Apoio do Brasil

A atleta menciona que dois técnicos da Confederação Brasileira de Boxe, Mateus Alves e Leonardo Macedo, que, devidamente uniformizados com a camisola de Cabo Verde, se desdobraram para dar todo o suporte nos combates. Depois de vencer os dois primeiros combates, Nancy foi superada nos quartos-de-final pela canadiana Charlie Cavanagh, ficando assim a uma luta da sonhada medalha.

“Encontrar a equipa brasileira logo no primeiro dia facilitou muito, pois a partir daí em momento algum me senti sozinha. Eles foram incríveis, são pessoas que vou levar no meu coração para o resto da vida. As maiores dificuldades que encontrei até o momento é mesmo falta de apoio. Sempre fui eu que paguei os meus estágios fora do país; em torneios internacionais nunca tive qualquer apoio de Cabo Verde”, desabafa.

Cobertura de Cabo Verde

Depois do primeiro combate no dia 12 de Maio, frente à atleta olímpica marroquina, Bel Habib, onde a pugilista internacional cabo-verdiana venceu por K.O. técnico e domingo, 15 de Maio, perante a queniana Oloo Everline Akiny, que entrou no mundialde Boxe Elite Feminino 2022, com o estatuto da melhor atleta africana da categoria, 63-66 quilogramas, os treinadores da Argentina estiveram a dar suporte nos balneários, pois o Brasil estava a jogar nesse momento e logo se prontificaram a dar suporte à representante cabo-verdiana.

A atleta considera que o apoio por parte das instituições em Cabo Verde é fraca. Nancy Moreira foi medalha de Bronze 2021 no torneio AIBA (Associação Internacional de Boxe) Turquia e Ouro no torneio AIBA, Suécia.

“Antes do Torneio Mundial que aconteceu em Março de 2021 eu participei num torneio internacional AIBA, na Turquia, em 2019, tive que pagar dois mil euros do meu bolso para participar e esse torneio estava nos planos da FCB. Nesse torneio ganhei a medalha de Bronze. E só não fui sozinha porque paguei a passagem ao meu marido para ir comigo pois ele tem a Estrela AIBA. Já não é a primeira vez que isso acontece. Eu não estou a falar contra a FCB e nem contra o Instituto cabo-verdiano de Desporto (IDJ). Quero apenas que se diga a verdade para poder receber o meu dinheiro que me faz falta. Algo está mal, e tem-se que se resolver para não voltar a acontecer”, explicou.

Segundo a pugilista, a participação nos torneios, carregando a bandeira de Cabo Verde, é apenas por amor, sem pedir nada em troca. Das dez atletas que participaram no torneio AIBA que decorreu na Turquia, em 2021, ela foi a terceira classificada, um nível altíssimo.

Nancy Moreira destaca que sempre que precisou do apoio administrativo da FCB, recebeu-o prontamente, nomeadamente, é a FCB quem a inscreveu para participar nas competições na Turquia. Nancy diz que ela procura os torneios mais importantes e solicita a FCB para fazer a inscrição.

“A federação pelo que sei não tem dinheiro. E pelo que sei quem disponibiliza o dinheiro é o IDJ. Eu sempre pedi ajuda para participar nos jogos. O ministro do Desporto sempre falou comigo e nunca se negou a ajudar. Mas existem prazos e foi nisso que houve falhas. Mas acredito que tudo vai melhorar pois tive a palavra do ministro do Desporto. Irei continuar a representar o meu país e o meu povo com muito orgulho. Nós, atletas de boxe, sofremos muito em vários aspectos. Os treinos são duros, a alimentação é muito regrada, sempre que subimos ao ringue não sabemos se vamos descer. Merecemos mais respeito. É um direito meu receber a minha compensação”.

Falha de comunicação, diz FCB

Manuel Monteiro, presidente da FCB, sublinha que a relação da FCB com os atletas é boa, e que sempre que os atletas solicitarem algum apoio, a FCB prontifica-se a ajudar sempre que possível.

O presidente da FCB lamenta o sucedido e diz que o que aconteceu foi uma falha na comunicação, mas que em momento algum a pugilista cabo-verdiana foi abandonada.

“Nancy Moreira é uma atleta altamente madura, e sabe lidar muito bem no mundo do desporto. É uma atleta com Bolsa Olímpica. Nós tínhamos conhecimento da participação da pugilista no Campeonato na Turquia, até porque quem inscreveu a pugilista foi Cabo Verde. Nancy é uma atleta cabo-verdiana com nacionalidade portuguesa, ela poderia lutar por Portugal, mas Portugal actualmente não faz parte da AIBA, então ela luta por Cabo Verde e nós damos toda a cobertura possível”, disse.

Manuel Monteiro justifica que Nancy Moreira só não levou o seu treinador para o campeonato por falta de verbas. Este responsável admite que é algo que precisa ser corrigido.

“Por diversos motivos, e por não ter uma atleta deste nível aqui no país não programamos participar do campeonato na Turquia. Aí Nancy Moreira mostrou interesse em participar, pediu que Cabo Verde para a inscrever porque sem a inscrição por parte de Cabo verde ela não poderia participar e nós prontamente atendemos. Podemos dizer que houve uma falha na comunicação naquele momento, mas o suporte por parte de Cabo Verde, ainda que suporte moral, não falhou. Isto de dizer que a pugilista foi participar no campeonato abandonada não é verdade, podemos dizer que houve falhas, mas a Nancy não esteve nunca abandonada”, destacou.

Responsabilidades do IDJ

Em declarações ao Expresso das Ilhas, o presidente do IDJ, Frederic Mbassa, explicou que é assinado anualmente um contrato-programa no qual a FCB define os seus objectivos, plano de actividades e orçamento para o Governo. O IDJ representa o Governo a nível do desporto e a partir disso negocia os valores.

“Assinamos um contrato programa com a FCB e não foi mencionada essa participação da Nancy Moreira no Campeonato do Mundo, em Istambul. Neste caso nós disponibilizamos os valores e as verbas de acordo com o contrato-programa da FCB. A gestão das verbas depende da FCB não do IDJ. O apoio à atleta é feito através da FCB. O Estado de Cabo Verde não apoia directamente nenhum atleta, é sempre por via das suas respectivas federações e estas definem os critérios, requisitos e quem está melhor classificado no ranking para participar nas competições e ser apoiado”, disse.

De acordo com este responsável, não é da responsabilidade do IDJ, ou da anterior Direcção Geral dos Desportos apoiar directamente um atleta, é da competência da federação apoiar os atletas nas competições que a federação inscrever os atletas.

“Nós temos consciência que há um valor a receber pela pugilista, pela sua participação nos Jogos Africanos de 2019, mas esse apoio está atribuído dentro de um pacote de prémios que está por regularizar. Há um pacote de prémios para um conjunto de federações em que os atletas participaram e atingiram medalhas, e as federações têm esses prémios por receber. Nós estamos a trabalhar nisso para resolver o mais rápido possível, mas é um processo anterior ao IDJ. O IDJ foi criado em 2020 e este processo é anterior a 2020; estamos a trabalhar para resolver este processo de prémios. Neste momento, devido às restrições que temos a nível orçamental e financeiro, não conseguimos ainda liquidar esses prémios. É algo que vai ser feito o quanto antes”, indicou Frederic Mbassa.

Nancy Moreira, como definiu o presidente do IDJ, é uma pugilista de alto nível. Este responsável acrescenta ainda que a FCB decide que atletas serão apoiados, e se optar pela pugilista internacional cabo-verdiana, tem que disponibilizar as condições mínimas para ela participar e alocar um treinador.

O presidente do IDJ destaca que o instituto está disponível, em diálogo com as federações, para apoiar onde for possível. Frederic Mbassa explica ainda que os prémios não são atribuídos diretamente aos atletas, e que é preciso deixar claro como está estruturado o nosso desporto legalmente e os requisitos para ter acesso a certos benefícios, prémios ou outros abonos.

Segundo Frederic Mbassa, a Lei de Base do Desporto faz a separação clara em termos de organizações públicas do desporto e organizações privadas do desporto. O responsável indica que o artigo 104 fala das organizações públicas do desporto e o artigo 107 fala das organizações privadas do desporto.

“Essa lei de Base preconiza um cofinanciamento claro por parte do Estado às federações para que estes possam desenvolver as suas actividades, mas é um cofinanciamento, não é um financiamento a 100%”, referiu.

Frederic Mbassa sublinha que Nancy Moreira é uma atleta de alto nível e que o país tem orgulho da pugilista que carrega a bandeira de Cabo Verde nas suas competições.

“Não é possível financiar a 100% todas as modalidades em Cabo Verde. Nancy Moreira pertence a um clube em Portugal, tem as suas competições em Portugal e nós temos orgulho dela por representar a nossa bandeira, mas o apoio é feito via federação, até o prémio que a Nancy Moreira tem por receber não é alocado diretamente à atleta, é um prémio que a federação tem a receber, de acordo com a Lei de Base do Desporto resolução 106/2018 de 19 de Outubro, o prémio é atribuído à federação e a mesma faz a gestão deste prémio”, informou. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1075 de 6 de Julho de 2022. 

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Autoria:Edisângela Tavares - Estragiária,10 jul 2022 13:51

Editado porSheilla Ribeiro  em  29 mar 2023 23:28

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