É possível baixar o custo da energia em 25% até ao fim da legislatura

PorJorge Montezinho,5 mai 2018 7:54

Alexandre Monteiro
Alexandre Monteiro

​Preparam-se alterações, algumas delas drásticas, no sector da energia em Cabo Verde. As peças vão sendo encaixadas e pretende-se construir um puzzle que traga mudanças, tanto na produção como no consumo. Da tarifa social da electricidade à introdução do fuel 380, da mobilidade eléctrica à operacionalização do programa SCADA, Alexandre Monteiro, ministro que tutela o sector, explica ao Expresso das Ilhas as mudanças que estão a ser planeadas e quais os efeitos que terão sobre os consumidores cabo-verdianos.

O sector da energia tem várias novidades. Começaríamos pela tarifa social de electricidade. O que se pretende? Quando vai começar? Quem será abrangido?

O Conselho de Ministros já aprovou a regulamentação da tarifa social que vai beneficiar as famílias economicamente vulneráveis. Entendemos por famílias economicamente vulneráveis as que estarão inscritas no cabaz social. Essas famílias irão beneficiar de desconto na factura energética. Estamos a falar de descontos de 30 por cento em consumos até 30 KW [Kilowatts], 20 por cento na faixa de consumo entre 30 KW a 60 KW e 10 por cento entre 61 KW e 90 KW. A tarifa social tem também o objectivo de criar acesso efectivo à electricidade a essas famílias economicamente vulneráveis, daí que para o governo é importante o contributo que essa medida vai ter porque um dos objectivos estruturantes do programa do governo é assegurar a inclusão social.

Conseguindo também a segurança energética?

Claro. Como disse, o objectivo é criar condições de acesso efectivo. Neste momento há uma cobertura territorial de mais de 95 por cento, mas queremos que a energia chegue efectivamente às famílias. Essa é a aposta do governo: queremos que todos os cabo-verdianos tenham acesso à energia.

Em Cabo Verde a pobreza anda à volta dos 35 por cento. Portanto é dessa percentagem de pessoas que estamos a falar quando refere as famílias vulneráveis?

Sim, mais ou menos isso, tendo em conta que irá abranger 31 mil famílias. Num quadro actual em que há 116 mil clientes domésticos, falamos em cerca de 34 por cento.

Outras das novidades é a introdução do fuel 380 na Praia. Numa altura em que o peso das importações de combustíveis é ainda muito grande, que vantagens esta mudança?

Neste momento, reconhecemos, que a factura energética é elevada, o preço da energia é caro em Cabo Verde. Daí que todas as nossas acções convergem no sentido de promover a redução da factura energética. Neste caso concreto, estamos a falar em promover a eficiência na produção de energia, ou seja, a utilização de combustíveis economicamente mais vantajosos. Em Santiago, onde temos maior volume de consumo, com a entrada do fuel 380 teremos impacto a nível nacional porque estamos a falar de um combustível cerca de 7$ por litro mais barato que o actualmente utilizado, o fuel 180. O programa prevê também a introdução do 380 no Sal, com a conclusão da nova central, que já foi iniciada e deve ser concluída no próximo ano.

Em números totais. Estamos a falar de uma poupança de quanto dinheiro?

Na Praia estamos a falar de um valor acima de 200 mil contos por ano. Se incluirmos, no futuro breve, o Sal, Santo Antão e Fogo, estaremos a falar de um valor superior a 400 mil contos por ano de poupança. Custos operacionais que irão ser traduzidos directamente nas tarifas.

Mas essa preocupação de redução da factura energética não se resume à introdução do fuel 380.

Vendo numa perspectiva nacional, a nossa actuação deve centrar-se na redução da dependência energética do exterior. Costumo dizer que neste momento estamos a nadar contra a corrente. A dependência energética do exterior é de 75 por cento e temos uma conjuntura externa onde o preço do petróleo tem evoluído. As variações no preço do petróleo já chegaram aos 50 por cento. Dados recolhidos recentemente mostram que entre Maio de 2016 e Abril de 2018 houve uma variação de 52 por cento. Por isso é que digo que estamos a nadar contra a corrente. Importante é fazer esse esforço de continuar a reduzir esta dependência, senão esta evolução externa dos preços cai sempre sobre os contribuintes.

E nesse sentido, qual é a aposta?

Essa redução passa pelo maior incremento das energias renováveis. Estamos a trabalhar para a criação de condições efectivas para o conseguir, quer a nível da produção, quer a nível da distribuição, quer também a nível institucional. Se quisermos usar outra metáfora, queremos sair do meio do mar para nadar junto à costa. Estou convencido que as medidas que o governo está a desenvolver neste momento vão fazer com que brevemente conseguiremos esse objectivo e um impacto significativo na redução da factura energética.

Que medidas considera mais importante no sector das renováveis?

Posso destacar a questão da promoção de investimentos em larga escala para termos produção de energias renováveis que podem ser injectadas na rede. Neste sentido já foi lançado um concurso, o processo está em curso e o prazo para apresentação das propostas é o dia 16 de Maio, para a instalação de uma central solar de 10 MW [Mega Watts] na Calheta de São Miguel. A nossa expectativa é que com a evolução tecnológica dos últimos anos na área de produção da energia solar, associado à modalidade deste concurso que se trata de um leilão competitivo entre quatro empresas que manifestaram interesse, iremos conseguir tarifas de injecção na rede significativamente inferiores às tarifas das renováveis contratualizadas actualmente. Essa é a primeira medida que terá impacto. A nível de micro produtores também estamos a dar muita atenção. Há uma tendência mundial, e temos de estar preparados para isso, que é a do consumidor produtor. Nesse sentido estamos a actuar não só na adequação da legislação, como também a preparar um quadro de mecanismos de facilitação de acesso ao crédito.

Essa é uma das questões, o preço do acesso às energias renováveis.

Sabemos que a instalação exige equipamentos e é preciso que as famílias, ou as pequenas e médias empresas, tenham condições de acesso a financiamento para esses equipamentos. Neste momento já estimamos que temos no país 2 MW de sistemas de micro produtores e no nosso plano penso que temos o potencial de crescer anualmente, no mínimo, 1 MW. E vai ser também um contributo para cada vez mais termos renováveis no sistema, mais energia limpa, reduzindo a dependência energética com exterior.

O que se assiste hoje no mundo, como referiu essa questão das mudanças, é que quem tem energias renováveis em sua casa – seja solar, seja eólica – fá-lo para consumo próprio e muitas vezes vende o excedente de produção. É isso que está a ser pensado também em Cabo Verde?

É isso, sim. No fundo, a aposta nas energias renováveis, quer a larga escala quer a nível de micro produtores, é solução para reduzir o custo da energia nas famílias e também nas empresas.

No programa do governo projecta-se uma redução desse custo em 25 por cento até ao fim da legislatura. É um número possível de alcançar?

É possível. Por isso a aposta no incremento das renováveis. Além do concurso referido há pouco, vamos lançar um outro em Novembro deste ano para outras capacidades a nível nacional, com base no plano director do sector eléctrico que está a ser feito e que deve estar concluído no final deste primeiro semestre, que irá definir a demanda a nível nacional. Esse vai ser um procedimento adoptado todos os anos no mês de Novembro e irá permitir mantermos actualizada a capacidade de produção energética face à necessidade. Este é o quadro da produção, mas também está a ser trabalhada a criação das infra-estruturas de rede que permitem garantir condições técnicas para essa alta penetração. Cabo Verde, nas condições que temos, já consegue níveis de penetração elevados – 30 por cento em algumas ilhas. Neste momento, e com a evolução tecnológica, podemos almejar chegar aos 50 por cento que estão previstos no plano. E como está no programa do governo podemos ir até onde tecnicamente for possível e economicamente viável. Com o custo da produção das renováveis a baixar, a nossa aposta é essa: criar condições para a máxima penetração possível. É essa a direcção que estamos a seguir.

Em relação às eólicas, está previsto o aumento de parques?

O plano director do sector eléctrico vai trabalhar nas necessidades e definirá orientações relativamente às tecnologias.

Uma outra questão que tem a ver com os preços tem a ver com as perdas e com o combate a essas perdas e às ineficiências.

Numa perspectiva mais global eu enquadraria essa questão na promoção da eficiência, quer a nível da produção, que já falámos, quer também da distribuição e do consumo de energia. Neste momento as perdas são elevadas e há um plano de combate para a redução das perdas, um plano a nível nacional. Estamos a falar de acções progressivas, desde a capacitação da concessionária até à introdução de tecnologias, como os contadores inteligentes para grandes clientes. Reduzir a factura vai também ter impactos nas acções fraudulentas. Haverá a intensificação de acções de fiscalização. Portanto, há todo um conjunto de medidas, tanto ao nível da concessionária como também ao nível institucional, que nos permitem acreditar que é possível passar dos 25 por cento de perdas actuais para os 16 por cento dentro de três anos. Esse é o plano que está a ser trabalhado.

Falta a parte do consumo. Ou melhor, da educação do consumidor.

Temos de pensar no consumidor eficiente. E essa é também uma preocupação nossa. Temos um projecto que está em curso e este ano, inclusive, poderemos já aprovar certas normas que irão regulamentar quer a parte de construção – e estamos a falar de edifícios eficientes do ponto de vista energético – quer a parte dos electrodomésticos que promovam a eficiência energética. Por essas vias, também se chega à redução da factura energética.

Quando fala em mexidas na construção de edifícios, essas normas serão obrigatórias, ou seja, a partir desse momento todos terão de obedecer a certas características ou não haverá ainda essa imposição?

Esses processos têm de ser introduzidos e socializados. No fundo, criar um hábito. Precisamos de uma parte pedagógica inicial, que será acompanhada por uma construção progressiva ao longo do tempo para a sua consolidação. Ao nível dos electrodomésticos, esta medida também terá de ser conjugada com outras medidas comerciais para surtir o efeito esperado na utilização de máquinas eficientes do ponto de vista do consumo energético.

No fundo, é preciso mostrar ao consumidor as vantagens de comprarem um determinado frigorífico ou um certo fogão.

Vantagens em termos de menor consumo de energia que, por consequência, lhes permite pagar menos. É o caso das lâmpadas de baixo consumo, por exemplo, que foram introduzidas há anos e que hoje já são comuns. É um investimento inicial maior, mas que compensa a prazo e a lógica dos electrodomésticos é a mesma.

É dentro desse plano que se insere também a nova tarifa bi-horária a ser introduzida?

Estamos a estudar essa possibilidade. Seria uma nova política tarifária com consequência numa nova estrutura tarifária e cria a possibilidade de haver tarifas nocturnas, ou de fim-de-semana. Isso traria vantagens ao nível de melhor distribuição de cargas de consumo, com impacto no custo global de produção e distribuição de energia, mas também pode permitir às famílias e às empresas gerirem o consumo de modo a reduzir as suas facturas.

Mas quando se irá avançar com a ideia?

Neste momento há um estudo em curso, que deve ficar concluído ainda no final deste semestre que irá apoiar o governo no que diz respeito à política tarifária a ser adoptada e também orientar as instituições, neste caso de regulação, em termos de estruturação das tarifas.

Se tudo correr bem haverá a possibilidade de ainda este ano introduzir essa tarifa bi-horária?

A sua implementação irá depender de condições tecnológicas. Neste momento, como já disse, temos já clientes no sistema com contadores inteligentes, que permitem já tecnicamente essa tarifa. Portanto, é uma questão progressiva. Interessa é dar essa opção aos clientes – famílias e empresas – para poderem contratualizar essa tarifa e teremos condições, ainda este ano, para isso.

A poupança parte também do próprio sector público, como a prevista substituição de iluminação pública na Praia e no Sal por candeeiros com iluminação LED.

Estamos sempre a falar na perspectiva de promoção da eficiência energética. Queremos mais e melhor iluminação pública sem que isso implique aumento do consumo. Neste caso, a aposta é a substituição, a nível nacional, dos sistemas de iluminação pública actualmente existentes para sistemas LED. É um projecto progressivo, vai iniciar-se na Praia e no Sal e depois seguirá para as outras cidades. Para já está a acompanhar a estratégia de implementação da Cidade Segura, mas será estendido a todos os concelhos. O concurso lançado actualmente prevê 9.325 pontos de luminárias LED na Praia – entre substituições e reforço – e 742 em Santa Maria. Essa medida vai permitir que tenhamos mais e melhor iluminação pública, sem agravar os custos. Porque não podemos continuar com o mesmo paradigma de expandir a iluminação pública e aumentar a taxa de iluminação. Queremos expandir sim, mas sem aumentar a taxa. E a única solução seria apostar em tecnologias mais eficientes. Quase todo o seu financiamento, cerca de 80 por cento, será assegurado pela economia da energia durante um período de cinco anos, o que também é importante.

Outras das novidades é a mobilidade eléctrica, que por exemplo poderá permitir a introdução de carros eléctricos em Cabo Verde. Mas qual é a visão por trás desta medida? E pergunto isto porque a poluição ainda não é um problema grave em Cabo Verde, ou seja, o objectivo é apostar no médio/longo prazo?

Estamos a falar de carros eléctricos num país que queremos que tenha um perfil energético centrado nas energias renováveis. É uma perspectiva global, por isso queremos levar as energias renováveis também às viaturas. Já lançámos um concurso para a elaboração de um plano de acção que irá orientar a introdução de viaturas eléctricas em Cabo Verde e que definirá tudo o que é necessário fazer, desde a logística até às normas. O nosso interesse é não só a componente ambiental, que referiu, mas também do ponto de vista energético é conseguir mais energias renováveis no sistema nacional.

Também planeada está a operacionalização do Programa SCADA [Supervisory Control and Data Acquisition System, um sistema de controlo industrial, usado em vários sectores como o da energia, da água, das telecomunicações, que permite a monitorização em tempo real]. O que se pretende?

É um investimento público estratégico que está a ser feito para melhorar a eficiência na distribuição e para permitir uma melhor articulação entre a produção e a distribuição [o investimento é de cerca de 8 milhões de euros]. Estamos a falar de um sistema moderno, de gestão de rede inteligente, tudo feito através de um software apropriado. No fundo, vai trazer mais eficiência. Estamos também convencidos que esse investimento irá contribuir para termos mais penetração de renováveis. Por outro lado, vamos ganhar qualidade de serviço. Primeiro, em termos de sistema de informação permite uma melhor manutenção preventiva. Segundo, em situações de interrupção de serviço reduz significativamente o tempo dessa suspensão, porque detecta logo, por exemplo, onde está o problema. Em resumo, além das outras vantagens, vai permitir diminuir a frequência das interrupções e reduzir da própria duração das interrupções.

Por falar em novos paradigmas, qual espera que seja o impacto do novo Centro Nacional de Despacho?

Estamos a falar de toda uma nova gestão de rede. O Centro Nacional de Despacho vai passar a fazer a articulação entre produção e distribuição, no fundo, definir a produção dos diversos centros nacionais – renovável, térmica, etc. – e estabelecer a sua programação de acordo com critérios de máxima eficiência e com ganhos em termos económicos. A primeira fase estará concluída entre Agosto e Outubro, a integração da produção no sistema, que é a segunda fase, estará operacional no próximo ano. Vai ser uma reforma estruturante no sistema de produção, transporte e distribuição de energia no país, com vantagens na qualidade do serviço, mais eficiência e mais penetração de energias renováveis. É uma revolução no sistema. Claro que tudo isto está a ser acompanhado com uma forte aposta na formação, porque são necessárias novas valências. Aliás, o projecto tem já essa componente de formação e assistência técnica e neste momento vários quadros estão em formação para a partir de Agosto começarmos a ter capacidades em termos de recursos humanos para gerirmos esse sistema. Ficaremos com condições efectivas para darmos um salto qualitativo em termos da qualidade de serviço, eficiência energética e na competitividade do país em termos de ambiente de negócios.

Um dos compromissos para a década é que Cabo Verde seja um dos dez países insulares mais eficientes no acesso à água e à energia. Acredita mesmo que se pode alcançar este objectivo?

É possível, sim. Em termos de energia, o nosso plano é chegarmos a 2021 com taxa de cobertura 100 por cento. Neste momento estamos próximos dos 90 por cento, mas com as medidas que estão a ser desenvolvidas, quer na perspectiva de expansão das redes, quer também com o objectivo de baixar os preços, permitem-nos considerar que é possível. Se formos ver, os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável apontam para o horizonte temporal de 2030, mas acreditamos que em Cabo Verde poderemos consegui-lo uma década antes. Para conseguir a sustentabilidade tem de se actuar em várias esferas. Porque interessa ter acesso, mas a um preço justo.

Quando é que esse preço justo se vai sentir no bolso das pessoas?

Como disse, estamos a nadar contra a corrente. No imediato, estamos preocupados com as famílias vulneráveis, que são o primeiro alvo, digamos, do governo. O diploma já está aprovado e regulamentado e no início do segundo semestre será efectivado. Portanto, respondendo, nos próximos meses já se começa com esse segmento da população. Com as medidas anunciadas, com os investimentos que serão concretizados nas renováveis, com a instalação do SCADA, com os programas de promoção de eficiência energética quer no consumo quer na produção da energia, com o fuel 380, e respondendo concretamente, já este ano se vai sentir esse efeito, mas queremos que se sinta ainda mais nos anos seguintes até atingirmos, ou mesmos ultrapassarmos, os 25 por cento de redução previstos.

Só agora é que estiveram reunidas as condições para adoptar todas estas estratégias, ou estas opções políticas poderiam ter sido tomadas pelo governo anterior?

Eu acho que devia ter sido tomada antes. Por exemplo, a tarifa social deveria ter acompanhado a medida de extensão da rede de electricidade. Porque a ideia não é só fazer chegar electricidade ao território, mas sim fazê-la chegar às casas das pessoas. Em relação Às energias renováveis penso que algumas medidas que estamos a avançar agora poderiam já ter sido tomadas, principalmente a promoção de concursos quando se queria obter mais capacidade. Reconhecemos que se fez alguma coisa, mas podia ter-se feito mais.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 857 de 02 de Maio de 2018.

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Autoria:Jorge Montezinho,5 mai 2018 7:54

Editado porAndre Amaral  em  7 mai 2018 6:54

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