Preços elevados que prejudicam a mobilidade interna, as dificuldades dos produtores em escoarem os seus produtos tanto para o mercado nacional como internacional e o fim das ligações directas da TACV entre São Vicente e o estrangeiro colocam em causa a unificação do mercado cabo-verdiano e a sua ligação com o exterior.
Os valores das tarifas praticados pela Binter, desde que ficou a operar em exclusividade no mercado nacional, têm sido criticados pelos passageiros que se vêem obrigados a recorrer aos seus serviços.
São Vicente e Sal são, por esta altura, destinos cujos valores são quase proibitivos tendo em conta o valor do salário médio em Cabo Verde.
Numa pesquisa feita no site da empresa uma viagem de ida e volta entre a Praia e o Sal, com escala em São Vicente custa 23.950$00. Já uma ligação, sem escalas, a São Vicente, tem um custo de 22.700$00.
Outro problema é a evacuação de doentes urgentes. Nos últimos dias foram vários os casos de pessoas a necessitar de cuidados médicos que, vendo a sua evacuação por aviação ser negada, tiveram de ser transportados a bordo de embarcações de pesca sem quaisquer condições.
Preços são estabelecidos pela reguladora
Ontem, à saída de um encontro com a Administração da CVTelecom o vice-primeiro-ministro, Olavo Correia, remeteu as responsabilidades do estabelecimento dos preços para a entidade que regula o sector da aviação civil, a AAC (Agência de Aviação Civil).
“O mais importante é termos um bom serviço e a bom preço. Temos uma boa entidade reguladora que regula os preços e garante a qualidade de serviço”, frisou Olavo Correia em declarações à comunicação social.
Questionado sobre o acordo estabelecido para a entrada do Estado no capital social da empresa e com o prazo dado pelo ministro da Economia para a conclusão das negociações da entrada do Estado no capital da Binter quase a terminar – José Gonçalves tinha afirmado em Novembro do ano passado que a operação devia estar concluída até ao final de Junho – Olavo Correia garantiu que o Estado não tem interesse em fazer parte do capital social da companhia aérea.
O vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças garantiu igualmente que os 30% que o Estado receberá do capital da empresa são uma compensação pela cedência das rotas que anteriormente eram exploradas pela TACV. “Os 30% que vamos ter na Binter são para ser vendidos futuramente, porque nós queremos que a empresa funcione bem enquanto empresa privada. Não queremos ser accionistas da empresa, nem ter lá administradores”, acrescentou.
“O Estado não quer ser gestor dessa empresa, o Estado quer que essa empresa preste um bom serviço aos cabo-verdianos”, esclareceu reiterando que em cima da mesa não está a possibilidade de participar no Conselho de Administração da empresa.
“Não há indicação para a Binter operar em exclusivo”
Estas declarações de Olavo Correia surgem na sequência da entrevista colectiva que o Primeiro-ministro deu recentemente a vários órgãos de comunicação social privados e públicos.
Nessa entrevista, Ulisses Correia e Silva garantiu que o mercado aéreo nacional, em particular o mercado interno, está aberto a qualquer operador. “Não há nenhuma exclusividade da Binter nos transportes aéreos inter-ilhas. Não há nenhuma medida legislativa, política do governo a fechar o mercado”, começou por afirmar Ulisses Correia e Silva. “Qualquer operador que queira trabalhar no mercado aéreo nacional pode fazê-lo desde que cumpra as condições de regulação que são estabelecidas pela AAC”, reforçou.
Quanto à entrada do Estado no capital social da empresa, algo que foi anunciado há já um ano mas ainda não foi concretizado, o Primeiro-ministro referiu que existe “um processo que vai permitir a participação do Estado, mesmo que transitoriamente, no capital da empresa”.
No entanto, à semelhança do que fez Olavo Correia, o chefe do Executivo recusou, durante a entrevista, revelar quando estará concluído o processo de entrada do Estado no capital social da Binter, que, por enquanto, se mantém como uma empresa cabo-verdiana de capital estrangeiro. “O timing será devidamente definido. Temos de concluir o processo. Não há falta de transparência relativamente a esse processo. Temos timings a definir, temos timings a percorrer. O que eu posso dizer é que quando for feita essa participação todo o mundo saberá”, concluiu.
As dificuldades de São Vicente
Os problemas de escoamento de produtos, quer para exportação quer para abastecimento do mercado interno, começaram com a saída da TACV do mercado de São Vicente.
As dificuldades são muitas. As Farmácias de São Vicente têm dificuldades de abastecimento porque a EMPROFAC não consegue enviar medicamentos para aquela ilha e até algo tão simples como uma pequena encomenda encontra obstáculos inesperados a partir do momento que chega à Praia.
Para João Santos, administrador da SOCIAVE, a saída da TACV do mercado, em São Vicente, foi um golpe nos negócios da empresa.
“A saída dos TACV de São Vicente deixou-nos descalços em relação à carga aérea. A Binter tem funcionado bem com o transporte de pessoas mas em relação à carga aérea, São Vicente ficou descalço”, afirma.
A explicação é simples, com o fim das ligações directas da TACV à ilha do Monte Cara resta apenas uma alternativa para que empresários como João Santos consigam importar ou exportar os seus produtos.
“Eu, com a TACV, trazia 1200 kg de ovos férteis regularmente. Agora com a TAP é mais difícil porque os aparelhos deles não têm capacidade para trazer essa carga. Às vezes trazem mas de forma parcelada, 600 kg de uma vez e outros 600 de outra e como são cargas perecíveis às vezes a gente acaba por perder”, explica. Às dificuldades de transporte acresce ainda a questão do preço uma vez que “a TAP faz um preço muito mais caro”.
Mas as dificuldades criadas pelo fim das ligações TACV a São Vicente não acabam quando o destino ou origem dos produtos é o mercado internacional. Também a nível interno a situação não melhorou. “É sempre muito difícil transportar porque não há relações com a secção de carga. Com os TACV tínhamos a CVHandling que prestava esse serviço, com a Binter é preciso fazer reservas prévias, pagamentos antecipados e não é no aeroporto, é numa empresa espanhola na Praia. É sempre muito mais problemático”, diz.
A falta de uma ligação aérea regular a nível internacional obrigou algumas das empresas presentes em São Vicente a recorrer ao transporte marítimo de mercadorias o que acaba por prejudicar a cadeia de produção, não só a nível nacional como internacional, uma vez que as empresas francas que fazem componentes naquela ilha têm depois de enviar os produtos por via marítima e “isso demora muito tempo e as fabricas mãe em Portugal têm de ficar à espera”, conta João Santos.
Voltando ao seu caso particular, o administrador da Sociave aponta que a com a ausência de uma ligação aérea regular com São Vicente, a “produção de pintos diminuiu, porque a eclosão diminuiu, a nível de custos são cerca de 800 contos por mês”. Já a nível das outras empresas, refere, “presumo que a nível das empresas francas também haja problemas”.
“Condições para a privatização dos TACV não podem ser trazidas para a praça pública”
Na entrevista colectiva que deu recentemente, o primeiro-ministro, questionado pela Rádio Morabeza, abordou a questão da privatização da TACV.
Ulisses Correia e Silva explicou que a lei que define as condições de privatização já foi aprovada e que as condições negociais não podem ser trazidas para a praça pública.
“Nós iremos fazer o negócio através da privatização e a privatização está definida com regras e com critérios que estão na lei. A empresa está a funcionar e tem um contracto de gestão com a Icelandair”, começou por apontar o primeiro-ministro que garantiu que o prazo para fechar o processo de privatização está definido.
Cronologia de um sector que tarda em levantar voo
Ainda durante a campanha para as eleições legislativas, o MpD, liderado por Ulisses Correia e Silva, garantia que a solução para os TACV estava encontrada. Depois da vitória, em 2016, o novo governo anunciou a privatização da empresa.
12 de Novembro de 2016
Binter Cabo Verde inaugura os voos interilhas. O voo inaugural é feito entre Praia e Mindelo. Seguem-se, posteriormente, as rotas para o Sal, Boa Vista, Fogo, Maio e São Nicolau.
17 de Novembro de 2016
Governo anuncia intenção de privatizar o sector internacional da TACV. Em conferência de imprensa, o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, esclarecia que em nenhum momento tinha admitido a possibilidade de fecho da companhia
23 de Maio de 2017
Governo anuncia para 1 de Agosto desse ano o fim da operação interilhas da TACV. A empresa “outrora um orgulho do nosso povo e símbolo da nossa independência e integração nacional, transformou-se infelizmente, num poço de dívidas e de inoperância”, apontava, nesse dia, o ministro da Economia, José Gonçalves.
10 de Agosto de 2017
Governo e Icelandair assinam acordo de gestão dos TACV. Após a assinatura do acordo, o ministro da Economia e Emprego, José Gonçalves, disse que o Governo foi procurar um parceiro internacionalmente “reconhecido” pelo seu “know how” e pela experiência comprovada no negócio do “hub” aéreo, tendo considerado esta decisão uma “medida fundamental” para o sucesso da reestruturação da TACV e “peça essencial” na criação do negócio hub aéreo em Cabo Verde.
31 de Agosto de 2017
O fim das ligações interilhas e a entrega dos ATR que estavam ao serviço da TACV significam o abandono, também, das ligações aéreas para Dakar. O serviço passa a ser assegurado por uma companhia aérea senegalesa.
21 de Setembro de 2017
O decreto-lei que estabelece o regime jurídico da privatização da companhia de bandeira de Cabo Verde é publicado no Boletim Oficial. A privatização será feita através de venda directa, por negociação particular, a um parceiro estratégico, que poderá comprar até 51% do capital, e a investidores institucionais (empresas e instituições financeiras), públicos ou privados, que terão à disposição 39% das acções. Prevista está também a alienação, em partes iguais, de 10% do capital para emigrantes e trabalhadores da empresa.
Janeiro de 2018
TACV retoma voos para Boston. A rota tinha sido operada pela empresa durante mais de três décadas mas tinha sido suspensa em 2015 quando a TACV começou a voar para o aeroporto de Logan em Rhode Island.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 861 de 30 de Maio de 2018.