Oportunidade vs. Necessidade

PorJorge Montezinho,9 dez 2018 10:16

​Muitas vezes, o discurso do empreendedorismo é feito só na perspectiva de auto emprego e de combate à pobreza, chama a atenção a UNCTAD no seu último relatório sobre a importância do empreendedorismo na transformação estrutural dos países menos desenvolvidos.

Ou seja, a acção do Estado, e de outras entidades, fica-se pela promoção do empreendedorismo de necessidade e não dá a devida importância ao empreendedorismo de oportunidade, o que pode operar transformações estruturais que garantem sustentabilidade futura ao desenvolvimento do país. No relatório insiste-se nas políticas industriais para fazer crescer o sector privado nacional em áreas chaves e estratégicas na perspectiva de exportação, ou de criar aglomerados de empresas. E diz, claramente, que o Estado não deve ficar pelo financiamento. Deve ir mais além e apoiar o empreendedor nas várias fases do seu negócio.

Um importante ponto de partida para políticas de promoção da transformação estrutural por meio do empreendedorismo é compreender as principais barreiras internas e externas ao crescimento das empresas. Há um crescente reconhecimento de que as barreiras internas mais significativas são factores psicológicos, como o comprometimento dos empreendedores com o crescimento. Outros factores amplamente citados incluem a capacidade de gestão, os níveis de financiamento, falta capacidade de vendas e/ou marketing e a qualidade dos produtos e /ou serviços oferecidos. Já as barreiras externas incluem o clima empresarial, que pode originar custos de produção directos, indirectos e ocultos para as empresas, inibir a adopção de novas tecnologias, dissuadir investimentos, enfraquecer a competitividade e reduzir o tamanho do mercado.

Entre 2015 e 2017, começar um negócio nos países menos desenvolvidos custou cerca de 40% da renda per capita, em comparação com uma média mundial de 26%. O acesso ao financiamento é um dos principais obstáculos ao empreendedorismo nos países menos desenvolvidos. As empresas informais, em particular, têm acesso limitado ao financiamento de credores formais. Os fundos internos são, de longe, a fonte predominante de financiamento para operações quotidianas, geralmente seguidos por créditos de fornecedores e empréstimos de familiares e amigos. Actores financeiros, sejam eles formais, como bancos e instituições de microfinanças, ou informais, como prestamistas, desempenham consistentemente um papel limitado, e as instituições de microfinanças só têm algum significado em poucos países.

Por outro lado, sem energia moderna, acessível, confiável e eficiente, as empresas dos países menos desenvolvidos não podem competir nos mercados globais nem sobreviver e expandir-se nos mercados nacionais Três em cada quatro empresas de países menos desenvolvidos são afectadas por interrupções eléctricas recorrentes. Na África Subsaariana, as interrupções representam a perda de cerca de 6% do facturamento, e cerca de metade das empresas formais usam geradores, o que gera custos adicionais. O aumento do acesso e a utilização efectiva da tecnologia podem apoiar tanto o empreendedorismo como a transformação estrutural nos países menos desenvolvidos. No entanto, os países menos desenvolvidos continuam muito atrás de outros países no que diz respeito a infra-estruturas TIC, como o acesso à Internet. Apenas 17,5% da população dos países menos desenvolvidos teve acesso a Internet em 2017, em comparação com 41,3% nos países em desenvolvimento e 81% nos países desenvolvidos.

Relativamente poucas estratégias nacionais identificam explicitamente a transformação económica estrutural como um pilar e as acções políticas específicas para promover o empreendedorismo, ou aumentar a cultura empreendedora, são geralmente limitadas e muitas vezes vagas. As lacunas principais? A falta de elaboração de políticas sobre agrupamento de empresas e a inexistência de discussões sobre a interface entre políticas para a indústria, comércio, investimento, integração regional e empreendedorismo.

O aproveitamento do empreendedorismo para a transformação estrutural exige políticas para apoiar e sustentar as empresas dinâmicas e inovadoras, que são centrais para a transformação estrutural, em vez de promover a criação de empresas simplesmente por si mesmas. Isso requer políticas efectivas de desenvolvimento empresarial, instituições e estruturas de recompensa para influenciar a trajectória das empresas ao longo do tempo, apoiar a sua sustentabilidade e maximizar a contribuição para a transformação estrutural e o desenvolvimento sustentável.

Há também a necessidade de uma clara diferenciação entre tipos de empresas, por tamanho, natureza e motivação, para adequar os incentivos políticos de acordo com seus respectivos papéis na transformação estrutural, priorizando o apoio a empresas mais dinâmicas e inovadoras, orientadas para a oportunidade. As ligações entre microempresas, pequenas e médias empresas e grandes empresas também devem ser promovidas. O apoio às empresas deve ser adaptado às suas necessidades específicas e reflectir os diferentes estágios de seu ciclo de vida típico, seja iniciando, sustentando e ampliando negócios ou gerindo falhas.

Outro factor importante é a aprender com os erros. Em vez de negar a possibilidade de fracasso, os programas de desenvolvimento de empreendedorismo devem incluir uma estratégia de saída para as empresas que falham, para minimizar os custos e maximizar os benefícios. As empresas estatais também desempenham um papel na promoção do empreendedorismo, aumentando o acesso a serviços públicos como o fornecimento de energia e água, serviços de TIC e transportes, no sustento dos sectores prioritários, no lançamento de novas indústrias, etc. O papel das empresas estatais é particularmente importante quando o sector privado nacional é fraco. A importância da inovação para o processo de transformação estrutural exige um Estado empreendedor na abordagem e marcado pela ambição, disposição e capacidade de liderar o processo de desenvolvimento.

Zonas económicas especiais e parques industriais podem aliviar as restrições à produtividade das empresas. Essas ferramentas podem produzir efeitos positivos, principalmente em países com grandes lacunas de infra-estrutura. As capacidades tecnológicas que as empresas precisam para sobreviver e prosperar podem ser promovidas através de incentivos fiscais e outros para inovação ao nível da empresa, políticas de compras governamentais, formação, centros de pesquisa públicos para apoiar a inovação em sectores específicos e prémios de inovação pública. Programas de aceleração, incubadoras de empresas, parques científicos e centros de pesquisa de tecnologia são amplamente utilizados para impulsionar o empreendedorismo de alto crescimento. Coerência e coordenação entre políticas para ciência, tecnologia e inovação são também fundamentais, defende a UNCTAD.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 888 de 05 de Dezembro de 2018.

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Autoria:Jorge Montezinho,9 dez 2018 10:16

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  10 dez 2018 8:49

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