“Neste orçamento trata-se da vida de todos nós, como a administração pública vai funcionar e esperamos que desta vez funcione, que deixemos de ter os problemas, as confusões, a falta de resposta e atenção que é dada aos empresários e que a nossa administração pública vá melhorando pouco a pouco”, disse Jorge Spencer Lima, presidente da Câmara de Comércio do Sotavento, na abertura do encontro com o ministro das Finanças. “Sabemos que neste momento temos uma secretaria de Estado da modernização da administração pública, esperamos que seja uma modernização para a frente e não para trás”.
Actualmente, segundo o representante do sector privado, há muitas coisas que não funcionam. Por exemplo? A gestão das licenças de importação, que passaram para as câmaras do comércio. “A lei diz que um dos aspectos dessa licença é uma declaração do Ministério das Finanças, vai-se ao Ministério das Finanças e é um calvário para ter essa declaração. Escrevem-se cartas, marcam-se encontros e não há meio de tirar essa declaração, porque sem ela não conseguimos passar uma licença de importação”.
Mas os empresários querem também mais rigor do Estado no papel da legislação e que as regras e as leis sejam cumpridas. “Ultimamente, temos tido uma avalanche de reclamações de empresas de uma competição ilegal, cada um abre o que quer, onde quer e como quer e ninguém manda fechar. Ninguém controla, ninguém inspecciona, ninguém impõe sansões. As regras foram feitas para ser cumpridas, se isso não acontece entramos num sistema de salve-se quem puder e aí vai ser uma confusão total. Há essa necessidade premente de estarmos a conviver num ambiente de negócios claro, definido, com regras claras para toda a gente. Nós temos de cumprir, mas o governo não tem só de as fazer, tem obrigação de inspeccionar para que o sistema funcione”, sublinhou Spencer Lima.
Nem tudo é mau. Apesar no retrocesso no ranking Doing Business, o presidente da Câmara de Comércio admite que há avanços e acredita que o OE2019 vai trazer um maior impulso na questão da melhoria do ambiente de negócios. Até porque, recordou, sem os empresários o governo não vai atingir a meta do emprego estipulada. “Para isso precisamos de um clima de negócios onde nos deixem trabalhar, onde não haja empecilhos e onde as coisas sejam feitas a tempo para que este país possa avançar. A melhoria do clima vai servir a toda a gente, um clima agreste, de confusão, de greves, não serve a ninguém, queremos que as coisas funcionem. Os sindicatos falam sempre na exploração do trabalhador, não é verdade. Não quero que o meu trabalhador se sinta explorado, quero que se sinta contente, porque melhora a produtividade. Agora, não podemos ir tratar questões claras, que estão na lei, e que vem alguém e bloqueia, vem outro e interpreta à sua maneira, e ninguém sabe como se apresenta um processo porque cada um decide à sua maneira e como quer. Isto tem de acabar. Não podemos continuar a apresentar processos em que cada chefe muda as regras, o meu problema atrasa-se, eu perco dinheiro”.
Parceiros do governo, sim, reiterou Spencer Lima, desde que as rodas da administração pública estejam oleadas. “Não é um a puxar para a direita, outro para a esquerda e um no meio a trancar para lado nenhum. Quem não conseguir acompanhar, que desça. Diga-nos qual é o rumo do barco para que possamos também soprar a vela e avançar, rapidamente, para águas mais calmas”.
Combater a burocracia com liderança
Do outro lado da mesa, o ministro das Finanças concordava com as críticas. “O maior problema que temos em Cabo Verde é a burocracia, mas ela deve ser combatida com liderança”, disse Olavo Correia.
O governante assumiu que o país tem, de facto, desafios sérios, o principal é criar um ecossistema que garanta que os negócios possam ser feitos da forma melhor e mais fácil possível. Como? Com a alteração do quadro legal, a criação de instrumentos, a mudança de atitude, mas também passa por mudança no seio do sector privado: “Temos de mudar a gestão, ser capazes de estabelecer parcerias, mais competitivos, poder aproveitar as oportunidades, é um desafio colectivo do lado público e privado”.
Olavo Correia reiterou a máxima que o Estado não tem dinheiro para dar a ninguém. Os projectos é que terão de ser bem montados, bem geridos e bancáveis, para que possam ter acesso ao financiamento. “Há só uma regra, o governo não investe, o governo ajuda a fazer as coisas acontecer. Quem investe é o sector privado”.
E depois o recado para a administração pública. “Temos de ter toda uma administração pública voltada para esse objectivo, porque quando dificultamos a vida a uma empresa não dificultamos a vida ao dono, estamos a dificultar a vida a quem trabalha na empresa e aqueles que poderiam estar empregados e não estão. Cada acto de omissão é uma questão que pode ser de vida ou de morte para alguém”.
Tempo depois para as novidades. A primeira, a criação de um sistema em que todos os contractos e serviços comprados junto das empresas vão estar numa base de dados, permitindo que o Estado pague num prazo máximo de 45 dias “e quem não o fizer na administração pública será responsabilizado”. Ainda com esse sistema, se o Estado não cumprir o prazo, os bancos vão poder adiantar esse pagamento. O sistema deve estrar em funcionamento ainda este ano.
A segunda novidade é que já está tudo pronto para a criação de um fundo de garantia soberano, de 90 milhões de euros. “Vai ser aprovado brevemente em Conselho de Ministros e no Parlamento, para nos próximos anos poder alavancar projectos de grande monta em Cabo Verde. Projectos empresariais que possam ser estruturantes para o desenvolvimento da economia nacional. E vai ser um fundo apenas para projectos privados, não pode financiar projectos públicos”, garantiu Olavo Correia.
Os empresários ouviram e garantiram que vão cobrar todas as promessas feitas para este ano.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 895 de 23 de Janeiro de 2019.