Quais são os planos do Grupo Sousa para o sector da Economia Marítima em Cabo Verde?
Para lhe responder a essa questão, tenho de começar por apresentar o nosso Grupo, pois só assim se compreenderá as mais-valias que podemos trazer para Cabo Verde. O Grupo Sousa é um grupo empresarial português fundado em 1985, com sede na ilha da Madeira, que tem como principais áreas de actividade os Transportes Marítimos, as Operações Portuárias, a Logística, a Energia e o Turismo.
Nos transportes marítimos, somos o maior e único armador português na lista dos 100 maiores armadores do mundo da Alphaliner, ocupando actualmente a 85ª posição. Em 2018, transportámos 145.000 contentores para as várias linhas onde operamos, garantindo o abastecimento regular às Regiões Autónomas da Madeira, dos Açores, a Cabo Verde e à Guiné-Bissau. Só para lhe dar uma ideia da importância do Grupo Sousa, neste sector, hoje, em cada 5 contentores movimentados no porto de Lisboa, 1 é movimentado nos navios do Grupo Sousa. Nas operações portuárias, somos o único operador licenciado para realizar operações portuárias na Madeira, temos uma parceria (50%) na sociedade que gere o Terminal de Santa Apolónia (TSA), que é um terminal de contentores em Lisboa, e somos o único grupo empresarial português que integra o consórcio internacional que ganhou a concessão do terminal de passageiros de Lisboa (Lisbon Cruise Ports) e que inclui grandes players mundiais na área da gestão de terminais de cruzeiros, como também de companhias de cruzeiro, como é o caso da Royal Caribbean. Na área da Logística, para além de sermos grandes players de mercado como é o caso da MARMOD/AGEMAR e da LOGISLINK, efectuámos importantes e significativos investimentos na construção e dinamização de terminais logísticos que, eu diria, introduziram factores de competitividade muito importantes e de serviço ao cliente, com ofertas de operações de logísticas ímpares no espaço das regiões insulares. É disso exemplo o investimento de 10 milhões de euros que fizemos em 2011 no terminal logístico da Logislink na Madeira, com uma área coberta de 6 mil metros quadrados e que se revelou uma verdadeira disrupção na logística da ilha e relativamente ao qual tivemos de aumentar em 4.000 m2 no ano passado, investindo adicionalmente 3 milhões de euros. Ainda nesta área, e tendo em consideração o sucesso deste Terminal Logístico da Madeira, em Janeiro/Fevereiro de 2020 vamos também dar início à construção de um Terminal Logístico nos Açores, na ilha de São Miguel, com 8.500m2 de área coberta e 30.000m2 de área de terreno. Na área da Energia, mas ainda ligada à Logística e aos Transportes marítimos, implementámos em 2014 um projecto pioneiro e inovador, considerado um verdadeiro case study a nível mundial, que se traduz numa operação logística de fornecimento de gás natural a uma ilha, sem que tenha sido necessário um investimento elevadíssimo na construção de um terminal dedicado. Trata-se de um “gasoduto virtual” de transporte de Gás Natural Liquefeito (GNL) entre o Terminal da GNL, em Sines, e a cidade do Funchal. Esta solução logística beneficia de um amplo conjunto de capacidades instaladas no Grupo Sousa, conferido pela integração das nossas valências nas várias áreas de negócio que referi, e que tem vindo a funcionar com muito sucesso ao longo dos últimos 5 anos, com mais de 8.000 operações realizadas, utilizando a nossa frota de porta-contentores que assegura o regular abastecimento da ilha, e contentores especiais, os quais permitem transportar o GNL a uma temperatura criogénica (-160 ºC). Graças a esta solução, 19% da energia eléctrica produzida na Madeira tem origem no Gás Natural, muito mais vantajoso do ponto de vista ambiental quando comparado com o Fuel Oil que é ainda o combustível utilizado em duas das três centrais termoeléctricas em operação na Madeira. Finalmente, na área do Turismo, temos 3 unidades hoteleiras na ilha do Porto Santo, que, embora não sendo o nosso core business, considerámos serem críticas para alavancar o transporte de passageiros por via marítima entre as ilhas da Madeira e do Porto Santo, uma concessão que o Grupo Sousa ganhou em 1995, numa operação que não tem qualquer subsídio público. O investimento efectuado pelo Grupo Sousa na aquisição destas 3 unidades hoteleiras revelou-se fundamental para que triplicássemos a oferta da linha marítima de passageiros e carga entre as duas ilhas, dado que, quando iniciámos a operação, ela estava estabilizada nos 100 mil passageiros/ano e presentemente estamos a transportar cerca de 360 mil passageiros/ano. Este investimento hoteleiro revelou-se também fundamental para ajudar a quebrar a forte sazonalidade de que padece a ilha do Porto Santo.Como se pode constatar, toda a actividade do Grupo Sousa foca-se na Economia Marítima, pelo que é nesta área que podemos criar valor na economia de Cabo Verde, ao replicar soluções consolidadas e bem-sucedidas noutros arquipélagos, acautelando as especificidades de Cabo Verde.
Qual o volume de investimentos que o Grupo Sousa está a planear fazer em Cabo Verde e quantos postos de trabalho pode vir a criar?
O Grupo Sousa já concretizou importantes investimentos em Cabo Verde, desde logo quando comprámos a Portline Containers International (PCI) em 2015. Como é do conhecimento geral, a PCI, que agora se denomina GS LINES, é um importante armador que garante o abastecimento regular de Cabo Verde. Apesar de grande parte da população de Cabo Verde não ter essa consciência, dois terços de toda a carga internacional que chega a Cabo Verde é transportada em navios do Grupo Sousa, através do nosso armador GS LINES que, como foi amplamente noticiado, absorveu, por fusão, a PCI no passado dia 15 deste mês. Prevemos que a nossa quota de mercado aumente no decurso do próximo ano. Isto só é possível pelo facto de 4 dos 8 porta-contentores que o Grupo Sousa opera estarem exclusivamente afectos às linhas que servem Cabo Verde, o que, comparando com os 2 navios que temos afectos à linha da Madeira e outros 2 à linha dos Açores mostra bem a robustez e séria aposta que fazemos na prestação de um serviço de qualidade à população de Cabo Verde. Apesar de 50% dos navios porta-contentores operados pelo Grupo Sousa estarem afectos ao mercado de Cabo Verde, em termos de capacidade de oferta e tendo em consideração a dimensão destes navios, a grande maioria da nossa frota está ao serviço de Cabo Verde uma vez que cerca de 2/3 da nossa capacidade de carga (4.471 dos 7.101 TEU disponíveis) estão afectos a este país. A nossa prioridade com a melhoria do serviço a Cabo Verde traduz-se também no facto de este ano termos passado a ligar o país ao exterior 4 vezes por mês e a proporcionar o transporte mais rápido de todo o mercado entre Lisboa e a cidade da Praia, em apenas 5 dias. Depois de termos investido na compra da PCI, decidimos também apetrechá-la dos meios necessários para satisfazer de forma segura e regular o mercado de Cabo Verde. Foi nessa sequência que fizemos um importante e significativo investimento, no ano passado, na compra de um navio que é o maior navio porta-contentores detido por armadores Portugueses e Cabo-verdianos: O “Raquel S” que está ao serviço de Cabo Verde. Para agenciar as nossas linhas e também as de outros operadores, criámos de raiz uma agência de navegação cabo-verdiana a PMAR Cabo Verde. A PMAR CV tem tido também um papel fundamental na interacção com a população de Cabo Verde, assumindo um importante papel de facilitador no despacho e entrega aos nossos clientes das mercadorias que transportamos. Finalmente, destacaria ainda o investimento que fizemos na aquisição daquele que é um dos principais transitários que serve Cabo Verde e que é bem conhecido junto da sua população que é a MARMOD/AGEMAR. No entanto, deixe-me frisar, fizemos este investimento sem nunca pôr em causa a excelente relação de parceria estratégica que temos com outros transitários de renome em Cabo Verde e que escolhem os nossos navios para o transporte das mercadorias dos seus clientes. Esta excelente relação que temos com os diferentes transitários que servem os mercados onde operamos é, para nós, um ponto de honra, tendo-se revelado uma aposta certa ao longo dos anos, com evidentes benefícios para todos, incluindo para os destinatários finais, neste caso, todos os cabo-verdianos. Assim estamos disponíveis para continuar a concretizar investimentos em Cabo Verde onde entendermos existir, por um lado, oportunidades onde sabemos que podemos introduzir mais- valias decorrentes da nossa experiência e, por outro, desde que seja do interesse de Cabo Verde receber este nosso investimento e know-how. A forte capacidade de decisão e investimento do Grupo Sousa resulta fundamentalmente da atitude empresarial que o fundador, Presidente e CEO do Grupo Sousa, e seu maior accionista, Luís Miguel Sousa, tem nos negócios em que aposta, optando por reinvestir no negócio os resultados das nossas empresas, proporcionando desta forma ao Grupo Sousa uma confortável e invejável capacidade de investimento, traduzida, entre outros indicadores, numa expressiva autonomia financeira que ultrapassa 80%. Havendo interesse, estamos empenhados em trazer investimento e colocar o know-how que dispomos ao serviço de Cabo Verde, sobretudo nas áreas dos transportes marítimos, dos portos, da logística e também da energia. Quanto aos postos de trabalho criados, o Grupo Sousa cresceu muito ao longo dos últimos 10 anos e hoje temos 882 colaboradores. Em Cabo Verde, de momento, somos 27, um número que crescerá em função das oportunidades e investimentos que venham a concretizar-se neste mercado, de modo a garantirmos a indispensável qualidade de serviço aos nossos clientes.
Sendo Cabo Verde um país insular, com todas as condicionantes que isso traz, qual a melhor forma de implementar um negócio como o vosso?
Acho que primeiro do que tudo é preciso perceber muito bem os constrangimentos que a realidade insular acarreta. O facto de o Grupo Sousa ter “nascido” e manter o seu centro de decisão numa ilha, na Madeira, constitui um marcador genético e evolução singulares, já que nos permite compreender muito bem e acompanhar realidades semelhantes, como é o caso de Cabo Verde. Com efeito, ninguém consegue entender tão bem as dificuldades que os ilhéus enfrentam, como os próprios ilhéus. E só entendendo bem os desafios é que se encontram as soluções mais adequadas. Poderia dar vários exemplos de soluções bem-sucedidas que introduzimos para ultrapassar as dificuldades logísticas nas ilhas onde operamos, mas deixo apenas um desses exemplos, o de maior sucesso internacional: o gasoduto virtual de Gás Natural para a Madeira. A solução que encontrámos para transportar Gás Natural para a Madeira, sem que tal exigisse um investimento incomportável, é um verdadeiro “ovo de colombo”, solução que, diria eu, só consegue ser encontrada por quem conhece de muito perto as limitações inerentes a uma região insular e ultraperiférica, tal como Cabo Verde, também na Macaronésia. Como referi, para além deste exemplo, o mais internacional e porventura mais mediatizado, temos muitos outros casos de sucesso, como o Terminal Logístico da Madeira que será replicado nos Açores (um investimento de 7 milhões de euros que já está a ser concretizado) e o significativo crescimento que imprimimos na ligação de passageiros e carga inter-ilhas entre a Madeira e o Porto Santo. Não temos dúvida que, pelo facto de sermos ilhéus, o nosso “saber-fazer” de décadas, com provas dadas, confere-nos uma capacidade acrescida para perceber a importância de dispor de serviços de transporte e logística de qualidade, regular e fiável, para um arquipélago como Cabo Verde.
De que forma é que o Grupo Sousa se pode integrar e o que vai trazer de novo ao mercado nacional?
Nós já estamos integrados, desde logo pelos significativos investimentos que temos vindo a concretizar desde 2015, sendo os serviços regulares de transportes marítimos, agenciamento de navios e transitário a melhor prova desse empenho. O facto de sermos ilhéus, identificamo-nos com uma realidade que também é a nossa, e que por isso partilhamos, o que facilita essa integração. Quanto aos projectos que pretendemos trazer de novo para Cabo Verde, sem dúvida que serão aqueles já implementados com sucesso noutras ilhas, alguns dos quais já referi.
O governo de Cabo Verde tem anunciado, por diversas vezes, a aposta na economia marítima. Quais as vantagens que a vossa empresa pode trazer para Cabo Verde?
A principal vantagem é a experiência comprovada nos projectos bem-sucedidos implementados noutras ilhas, sendo alguns uma referência a nível nacional e internacional, especialmente por termos viabilizado soluções fiáveis e sustentáveis no quadro das limitações próprias das realidades insulares. Tendo ainda em consideração que somos um grupo marítimo-portuário, de logística e ligado também ao sector energético, o nosso foco está, e estará, sempre ligado à economia marítima. Assim, tendo o mercado de Cabo Verde necessidade destes serviços, estou firmemente convicto que estamos em excelentes condições para os prestar e, assim, acrescentar valor à economia.
A Zona Económica Especial de São Vicente é um factor de interesse para vocês?
Naturalmente que, sendo uma Zona Económica Especial para a Economia Marítima, terá toda a nossa atenção e estamos obviamente interessados em estudar as mais-valias que dela poderão advir. No entanto, teremos de esperar pela aprovação da legislação que, tanto quanto sabemos, será submetida ao Parlamento para aprovação ainda este ano. Só após a Lei ser aprovada é que poderemos analisar em que áreas a nossa participação fará sentido.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 940 de 04 de Dezembro de 2019.