Acordo de facilitação permite poupanças até 15% do PIB

PorAndre Amaral,15 fev 2020 8:55

O governo anunciou no final da semana passada a conclusão do processo de ratificação do Acordo de Facilitação do Comércio junto da Organização Mundial de Comércio. O processo já decorria desde 2018 e vai permitir a Cabo Verde acelerar os processos de comércio externo e alargar a sua carteira de clientes.

Estudos internacionais apontam que menos custos com o comércio externo podem originar poupanças de até 15% no PIB.

A evolução do comércio internacional ao longo dos últimos anos levou a que este assumisse um papel cada vez mais preponderante quer para o desenvolvimento dos países quer para a implementação de políticas públicas por parte dos diferentes governos.

“Com a complexificação das relações entre fronteiras introduziram-se muitas regras de segurança, de controlo alimentar, de terrorismo, de tráfico de armas, de uma série de riscos que estão associados às operações de comércio externo. Tudo isto tornou o comércio entre fronteiras em algo extremamente com­plicado”, começa por explicar Amílcar Monteiro ao Expresso das Ilhas.

Dessa forma, durante cerca de duas décadas, a Organização Mundial de Comércio (OMC) e os seus membros negociaram um conjunto de medidas para facilitar as operações de comércio externo mantendo os níveis de segurança elevados mas, simplificando, modernizando e harmonizando a documentação e tornando os processos mais simples.

No fundo, “criando um conjunto de mecanismos que se traduziram no chamado Acordo de Facilitação do Comércio que são 12 disposições que os países podem/devem adoptar para modernizar o comércio e torná-lo num instrumento de desenvolvimento”, acrescenta o consultor ouvido pelo Expresso das Ilhas. “Ficou provado que o custo do comércio, quando é elevado, são os mais pobres, os mais vulneráveis que sofrem. Ou seja, quanto maior é o custo nas operações portuárias, maiores são os custos que são transferidos para os consumidores mais vulneráveis”, acrescenta, dizendo ainda que vários estudos internacionais explicam que diminuindo o custo e o tempo das operações geram-se impactos em termos de competitividade e em termos de política pública de desenvolvimento, de diminuição da pobreza que acabam por ter impacto, também, no crescimento do país.

“Cabo Verde já é membro da OMC. E os membros da OMC tinham 2017 como meta para completarem dois terços dos membros que fariam o acordo entrar em vigor em pleno. Cabo Verde aderiu em Novembro de 2018 e depois decorreu um processo de ratificação junto da OMC que foi agora concluído”, refere Amílcar Monteiro.

O que muda em Cabo Verde

Cabo Verde para ratificar este acordo teve de criar um comité nacional de facilitação de comércio e daqui resulta um conjunto de compromissos para o Estado implementar até 2025.

“Mas esse conjunto de compromissos vai tornar o Estado mais moderno”, assegura.

“O governo tem agora essa proposta de transformar o país numa plataforma e de desenvolver a Zona Económica Especial da Economia Marítima. É uma plataforma essencialmente de comércio que terá de estar dotada de instrumentos modernos e de sistemas de informação como a Janela Única, sistemas de logística que permitem o rápido desalfandegamento da mercadoria. Ou seja, cria todo um framework, cria toda uma estrutura de trabalho”.

Em termos práticos, a implementação do acordo implica que o governo comece a “trabalhar na diminuição do custo de tempo das operações de comércio externo e isso é benéfico tanto para as pessoas individualmente como para os operadores económicos e para o próprio governo”.

Aumentar a  carteira de clientes de Cabo Verde

Um processo de relações comerciais externas mais simplificadas permitirá a um país como Cabo Verde alargar a sua carteira de potenciais clientes. “Certamente”, diz Amílcar Monteiro. “Os países que adoptam as medidas de facilitação do comércio, ou que têm um elevado grau de alinhamento interno com as práticas internacionais, acabam por ser mais atractivos para a realização do investimento”.

Mas os impactos positivos não se ficam por aqui. Também a performance do país no que respeita aos indicadores internacionais pode conhecer melhorias significativas.

“Se se for ver ao Doing Business, Cabo Verde está, actualmente, na posição 109 a nível do Comércio Externo. Portanto, se o governo quer estar a nível do 50º lugar no resultado global esse item do comércio externo também terá de ter um melhor desempenho”, refere Amílcar Monteiro.

No entanto, alerta, “estamos a falar essencialmente de medidas de reforma que vêm sendo implementadas mas a uma velocidade muito lenta. Com o acordo de facilitação do comércio, o governo estabelece um conjunto de compromissos para implementar um conjunto de medidas que vão acelerar as reformas e permitir que o país possa ter operações mais transparentes, que a informação esteja disponível, que os operadores tenham instrumentos para reclamar e fazer consulta da legislação antes de ela ser publicada”.

Ou seja, a implementação das medidas de facilitação do comércio envolvem um conjunto de operações práticas, que acontecem a nível portuário e também a nível das fronteiras aéreas que vão ter impacto directo no ambiente de negócios “especialmente no pilar do comércio externo”.

Quem fica de fora

Este acordo visa simplificar e clarificar os procedimentos internacionais de importação e de exportação, as formali­dades aduaneiras e os requi­sitos de trânsito. Torna as formalidades administrativas relacionadas com o comércio mais fáceis e menos onerosas, contribuindo, assim, para um estímulo ao crescimento económico global.

O Acordo de Facilitação do Comércio já foi ratificado por 149 dos 164 países que fazem parte da Organização Mundial do Comércio.

“Poucos países vão ficar de fora”, acredita Amílcar Monteiro.

Para o acordo entrar em vigor era preciso que dois terços dos membros o ratificassem. Em 2017 foi concluído esse número. Cabo Verde entrou agora fazendo parte do último terço.

“Mas os países mais avançados já estão alinhados com as medidas de facilitação do comércio há muito tempo, devem haver poucas medidas que estejam no acordo e que eles ainda não tenham implementado”, explica.

No entanto, em Cabo Verde são ainda necessárias alterações profundas no dia-a-dia das empresas que trabalham na área do comércio externo. Uma uniformização de processos, defende Amílcar Monteiro.

“Temos o sistema Sydonia que é uma plataforma avançada para fazer o processamento do comércio externo mas, depois, há um conjunto de instituições que trabalha em diferentes níveis. Há umas que têm sistema, outras trabalham manualmente. Ainda não há uma integração dos diferentes actores que actuam no mesmo patamar e isso cria todo um conjunto de constrangimentos”, comenta.

Com as operações a realizarem-se de forma fragmentada, o que obriga à necessidade de se “bater em muitas portas para fazer um despacho aduaneiro”, é necessário algo mais que vontade política para que as vantagens deste acordo se traduzam em benefícios práticos para o país. “Na prática há barreiras estruturais e há entidades que simplesmente não têm um sistema informático ligado às alfândegas que permita receber informação instantaneamente e responder da mesma forma. Depende da deslocação física, da consulta de documentos”, lamenta Amílcar Monteiro que assegura que Cabo Verde tem todas as condições para implementar com sucesso a medidas previstas no acordo agora ratificado junto da OMC.

“Estamos a falar de um país que tem todas as condições para estar a operar ao mais alto nível em termos de operações de comércio externo mas as instituições ainda não estão todas trabalhar ao mesmo nível. E é isso que o acordo vem trazer. Instrumentos e dispositivos que vão alinhar as necessidades de cada instituição para que, daqui a uns anos, essas instituições estejam todas a operar no mesmo nível permitindo que os custos relacionados com as operações de comércio externo caiam. Estudos internacionais indicam que a diminuição de custos do comércio externo gera poupanças de até 15% do PIB. São estudos internacionais, não é necessariamente o caso de Cabo Verde, mas já dá uma ideia do impacto da implementação do acordo a nível mundial”, conclui.

Zona de Comércio Livre Continental Africana no Parlamento

Na primeira sessão parlamentar do mês de Fevereiro, o Parlamento aprovou o Projecto de Resolução que  aprova, para ratificação o acordo que cria a Zona de Comércio livre Continental Africana.  A entrada de Cabo Verde nesta zona comercial dá acesso,numa primeira fase, a um mercado livre de 55 países, com 1,2 mil milhões de potenciais consumidores e que tem um PIB combinado de 2,5 biliões de dólares.  No entanto, um documento do FMI alerta para o facto de os acordos ratificados com alguns instrumentos fundamentais ainda têm de ser finalizados. Acordos que prevêem as reduções tarifárias em 90% de bens  transaccionáveis, a liberalização do comércio de serviços, regrasclaras sobre a origem e a identificação de barreiras não tarifárias.  Em fases posteriores estão previstas a livre circulação de mão-de-obra e capital  e, por último, a criação de uma união monetária. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 950 de 12 de Fevereiro de 2020. 

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Autoria:Andre Amaral,15 fev 2020 8:55

Editado porFretson Rocha  em  16 fev 2020 8:51

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