A empresa, liderada (51%) pela Transinsular, do grupo português ETE, é concessionária desde 15 de 2019 do serviço público de transporte marítimo no arquipélago e em Março último, antes da crise sanitária e económica desencadeada pela covid-19, previa apresentar até Junho passado uma solução global para renovação da frota.
“A renovação da frota é uma das prioridades para o futuro. O ‘Chiquinho’ [primeiro novo navio, entrou ao serviço em Fevereiro] foi o primeiro passo (…) O plano de renovação da frota vai ter de ser repensado face a esta nova conjuntura, sobretudo tendo em atenção quais são os custos operacionais e a idade dos navios que vamos adquirir para a operação”, afirmou, em entrevista à Lusa, Paulo Lopes, administrador-executivo da CV Interilhas.
Além do novo “Chiquinho BL”, construído em 2019 num estaleiro da Coreia do Sul, a empresa está a operar com quatro navios de armadores cabo-verdianos, que até Agosto de 2019 asseguravam as ligações marítimas interilhas e que agora integram (49% do capital social) a nova empresa, que recebeu a concessão do serviço público de transporte marítimo de passageiros e carga por 20 anos, após concurso público internacional.
No âmbito desse concurso, a empresa terá de substituir progressivamente os quatro navios, mais antigos e alguns que “não cumprem os requisitos”, mantendo sempre cinco em operação. Um plano que será agora para implementar “gradualmente no tempo”, no qual o “modelo de aquisição e características dos navios estão a ser repensadas”.
“Está a ser repensado, mas é para avançar”, garantiu Paulo Lopes, sobre este plano.
Apesar dos impactos da covid-19, que deverá provocar uma quebra superior a 35% nas receitas da concessionária em 2020, devido à suspensão do transporte de passageiros em Abril e Maio e à redução da lotação dos navios em 50%, o administrador afirma que a CV Interilhas “tem prestado um bom serviço” ao país, dando como exemplo o período crítico da pandemia, após a declaração do estado de emergência no final de Março.
“Garantimos o funcionamento da economia”, afirmou, explicando que o transporte de carga entre ilhas nunca deixou de ser feito, o que levou a um aumento do movimento deste tipo no último ano, apesar da quebra de 7% nos passageiros transportados.
Nas seis semanas de quase total confinamento no arquipélago, até meados de Maio, a empresa transportou 9.200 toneladas de carga, incluindo 1.500 viaturas, e 705 passageiros com autorizações especiais do Ministério da Administração Interna, além de 58 pessoas entre evacuações e serviços prestados à protecção civil.
“Nem tudo é perfeito (…) fazemos o melhor que podemos nas condições que temos”, reconheceu Paulo Lopes, que faz um balanço “muito gratificante” do primeiro ano de concessão.
Ainda assim, destaca a “boa notícia” que representou a aposta, também, nas ligações às ilhas do Sal, São Nicolau e Boa Vista, que eram “mal servidas” no modelo de transporte marítimo anterior e que “apesar da crise” subiram 80%, no total de passageiros transportados, em relação ao ano anterior.
“Transportámos mais 14.000 passageiros só nesta três ilhas e apesar desta problemática da covid-19”, acrescentou.
Pandemia provoca perdas de 4,5 M de euros à CV Interilhas
A administração da CV Interilhas prevê perdas de 4,5 milhões de euros devido à covid-19, necessitando de uma compensação financeira do Estado.
A posição foi assumida nesta entrevista à Lusa por Paulo Lopes para o balanço do primeiro ano de actividades.
“Um ano, apesar de todo este desafio inesperado da covid-19, em que o balanço é positivo, mas em que temos muita coisa para fazer e muito para melhorar”, afirmou, admitindo que a pandemia teve “um grande impacto” na actividade da empresa, desde logo pela suspensão, durante um mês e meio, de todas as ligações interilhas de transporte de passageiros.
No início da crise sanitária, que levou Cabo Verde a entrar em estado de emergência no final de março, a CV Interilhas chegou a ter uma “redução de 80% da atividade”, mantendo apenas o transporte de carga e evacuações médicas, o que levou a parar três dos cinco navios da frota, colocando em regime de 'lay-off' 27 dos 155 trabalhadores que foram contratados.
“Temos vindo gradualmente a recuperar, estamos neste momento em 50% de níveis pré-covid. Estamos a projectar que o impacto nas nossas receitas seja, no acumulado do ano, cerca de 35%. E isso pode representar um impacto de cerca de 500 mil contos [500 milhões de escudos, 4,5 milhões de euros], inferior em relação aquilo que tínhamos inicialmente projetado”, acrescentou Paulo Lopes.
No primeiro ano de atividade (até Agosto de 2020) a CV Interilhas transportou 423.000 passageiros entre as ilhas, em 4.060 viagens, além de 39.000 viaturas e 41.000 toneladas de carga geral.
A empresa fechou 2019 com um aumento de 25% nos passageiros transportados face ao modelo anterior à concessão – assegurado individualmente por vários armadores, que agora têm 49% do capital social da CV Interilhas e fornecem os navios à empresa – e o crescimento acumulado em Março último apontava para uma subida de 17%.
Contudo, com a quebra da actividade desde Abril, o acumulado do primeiro ano de actividade – em 12 meses de operações, cinco são afectados pela pandemia – o total de passageiros transportados caiu 7%, em termos homólogos.
Em termos operacionais, e “apesar de inferiores ao projectado” devido à pandemia, Paulo Lopes admite que os números são “bastante animadores”.
Além do período de Abril a Maio sem transporte de passageiros e a retoma gradual das ligações entretanto iniciada, o administrador da CV Interilhas recorda que a empresa está agora obrigada a reduzir a lotação dos navios a 50%, como medida de prevenção da doença.
“Sendo a concessão [do serviço público de transporte marítimo de passageiros e carga] deficitária, passa a ser mais deficitária. Obviamente que isso não tem um impacto directo, porque há uma redução também de custos, nós implementamos um conjunto de medidas, nomeadamente chegamos a parar navios para reduzir os custos de operação”, disse o administrador, admitindo, contudo, que a subvenção do Estado, prevista no contrato de concessão, não será suficiente em 2020.
Essa compensação, que este ano deveria subir para 368 milhões de escudos (3,3 milhões de euros) é financiada através de receitas consignadas ao Fundo Autónomo do Desenvolvimento e Segurança dos Transportes Marítimos, que já antecipou uma parte do valor previsto em 2020.
“Vai haver com certeza uma necessidade adicional, ou está a haver, resultante da quebra de facturação, de receitas. Há de ser uma equação que tem a ver com a redução de receitas e alguma redução também de custos operacionais. É este equilíbrio que vai necessitar de ter um reforço nas compensações”, acrescentou Paulo Lopes, escusando-se a avançar números para “evitar especulações”.
“Prevemos recuperar gradualmente, mas admitimos que não vamos conseguir os números inicialmente projectados até ao fim do ano, porque ainda há muita incerteza sobre o tempo que esta crise irá durar”, explicou, sublinhando a expectativa de voltar a cumprir os objectivos inicialmente traçados para a actividade da CV Interilhas no início de 2021.
Sobre o primeiro ano de operação, garante que a CV Interilhas introduziu sobretudo segurança e previsibilidade no transporte marítimo em Cabo Verde.
“É um balanço bastante positivo dentro deste quadro e acho que prestamos um bom serviço. Para além disso, acho que conseguimos mudar aquilo que é o paradigma do transporte, habitualmente vinha atrasado, não era certo. Ouve-se dizer que antes era notícia haver navio, hoje é notícia não haver navio”, concluiu, recordando que nos navios da frota nasceram no último ano quatro bebés.
A CV Interilhas iniciou operação em 15 de Agosto de 2019, tem sido visada por fortes críticas da oposição cabo-verdiana à alegada falta de transparência na atribuição da concessão e por sistemáticas queixas, sobretudo nas redes sociais, de passageiros descontentes com o serviço, apesar do elevado crescimento do número de passageiros e carga transportados e da inclusão de novas linhas.
“Temos muito para fazer, temos de ter a humildade de perceber onde é que erramos, saber filtrar muitas das críticas, acho que temos feito um bom percurso”, assumiu ainda Paulo Lopes.
Segundo o administrador, a CV Interilhas está disponível para assumir um “papel mais activo” no turismo interno e também prevê apostar em centros logísticos para distribuição de carga no arquipélago.