Microprodução de renováveis é aposta com “benefícios enormes”

PorNuno Andrade Ferreira,7 mar 2021 9:14

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Ter um painel solar no telhado ou terraço é cada vez mais frequente em Cabo Verde.

Num país com forte dependência energética, que importa todos os recursos petrolíferos que consome, e perante um cenário de crise ambiental, a aposta em formas alternativas de geração de energia é uma necessidade. Além dos investimentos feitos pelo Estado ou empresas, em parques eólicos ou fotovoltaicos, o mercado abre-se, cada vez mais, aos particulares que vêem nas energias renováveis uma forma de cortar na conta da electricidade.

No caso dos pequenos investidores domésticos, o foco tem sido a energia solar, como explica o professor universitário José Pedro Duarte Fonseca.

“A energia solar é aquela que mais se adapta ao edifício, aquela que se adapta perfeitamente aos terraços e telhados das casas e tem cada vez mais viabilidade económica”, comenta o docente da Universidade Técnica do Atlântico.

A tendência é confirmada pelo presidente do Centro de Energias Renováveis e Manutenção Industrial (CERMI), Luís Teixeira.

“Estamos a falar, sobretudo de sistemas para autoconsumo. O eólico é mais para os projectos em grande escala. A nível da microgeração, é sobretudo a energia solar, fotovoltaica. Estamos a falar de painéis colocados em edifícios, sejam residências familiares, empresas ou instituições públicas”, elucida.

Só no ano passado, o CERMI formou 40 inspectores de microgeração, que têm a responsabilidade de vistoriar as instalações feitas, garantindo a segurança e conformidade com os requisitos legais.

Os preços estão em queda. É cada vez mais barato investir em energias de fonte renovável, conquistando algum grau de autonomia face à rede pública. Dados da Agência Internacional de Energia Renovável (AIER) confirmam essa tendência, o que ajudará a explicar o aumento do interesse dos consumidores domésticos.

“As energias renováveis estão na agenda de Cabo Verde desde a independência. Eu comecei a trabalhar, nos anos 80, na Praia, no bairro de Ponta d’Água. Os preços tombaram imensamente há 20, 10 anos e, recentemente, com a China a entrar no negócio, desceram muitíssimo”, explica José Pedro Duarte Fonseca.

Mesmo a nível industrial, e conforme a AIER, investir em energia renovável já é mais barato do que a instalação da mesma capacidade em energia baseada em combustíveis fósseis.

Em Cabo Verde, onde a exposição solar é permanente, a rentabilidade de uma unidade fotovoltaica é elevada. Moisés Rocha, que trabalha na instalação de painéis, fala com conhecimento de causa e acredita que o arquipélago tem condições para atingir a auto-suficiência energética, através de energias limpas.

Os benefícios são enormes. Pagava 13 a 14 mil escudos de electricidade por mês e também usava um carro com combustível fóssil. Neste momento, estou a gerar a minha própria electricidade e o meu carro é eléctrico. Entre a manutenção do carro e a conta de electricidade, estou a poupar, em média, 30 mil escudos por mês. É um investimento que vale a pena”, contabiliza.

Para quem procura uma alternativa à Electra, mesmo que parcial, o investimento inicial depende da quantidade de energia que se pretenda produzir. Em São Vicente, André Ramos investiu perto de 500 contos e diz que já está a colher os frutos da aposta, feita há cerca de três anos.

“Se a pessoa tem possibilidade de fazer o investimento, é recomendável. Fazes o investimento inicial, que exige algum esforço, e depois vêm os benefícios. Enquanto era emigrante tive essa percepção sobre as renováveis. Em Cabo Verde, temos sol suficiente, é uma forma de ajudar o meio ambiente, é uma energia limpa. Está a valer a pena”, declara.

O presidente do CERMI concorda.

“São sistemas vantajosos, em que vale a pena insistir. Não é ‘teoricamente vou ter uma redução’. Instalas o sistema hoje, começa a funcionar e começas logo a reduzir a factura. No final do mês, vais notar a redução de 30%”, calcula.

A geração de energia renovável para autoconsumo tornou-se uma forte tendência a nível global. As chamadas UPAC (Unidade de Produção para Autoconsumo) são constituídas pelos módulos fotovoltaicos, inversores e equipamentos de protecção. A instalação de baterias é opcional.

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A microgeração também oferece a possibilidade de venda de excedente à rede eléctrica, com a instalação de um contador bidireccional. Nesses casos, sempre que a quantidade de energia gerada for superior às necessidades de consumo, o excesso é injectado na rede, fazendo-se depois o acerto na factura mensal.

Por cá, a solução, apesar de prevista na lei, continua à espera de operacionalização alargada.

“Temos que trabalhar a injecção na rede, para que o consumidor tenha a possibilidade de fazer encontro de contas com a Electra. O governo já legislou, já há um preço que a concessionária paga ao consumidor/produtor - estamos a falar de 8,6 escudos por cada kW/h”, defende Luís Teixeira.

José Pedro Duarte Fonseca recorda que, mais do que concorrência, a microgeração oferece novas oportunidades de negócio à empresa concessionária.

“Na Europa e nos Estados Unidos, as grandes produtoras de energia já enveredarem [por esse mercado]. Elas próprias entraram com alguma firmeza porque, tendo o efeito escala e mais capital, poderão fazer chegar as instalações já prontas ao consumidor”, observa.

Quem decidir apostar em renováveis poderá beneficiar de um conjunto de medidas públicas, da isenção aduaneira na importação de equipamentos à bonificação de juros bancários. No país, já existem várias empresas especializadas, capazes de projectar e implementar sistemas de microprodução.

A instalação é fácil, já que são aproveitadas as estruturas existentes nas residências.

Neste momento, estão instalados cerca de 4 MW de potência em unidades de microgeração. O presidente do CERMI acredita ser possível, até 2030, multiplicar esse valor por três, atingindo os 12 MW.

“A começar pelos instrumentos legais e incentivos disponibilizados, desde a redução da taxa de juro, o termos técnicos capazes, tudo isto está a fazer com que o mercado comece a crescer. Claro que ainda há burocracias, mas se compararmos o antes e o depois, notamos que houve uma evolução”, destaca Luís Texeira.

Também José Pedro Duarte Fonseca confia que, a médio prazo, e confirmando-se as tendências actuais, Cabo Verde estará em condições de massificar as UPAC, com ganhos a todos os níveis.

“Isto é um fenómeno de boca a boca. O vizinho ouve e sabe que o outro colocou e deu resultados e as pessoas vão vencendo o receio e apostando. Os benefícios são muitos”.

O especialista considera que Cabo Verde pode dar um sinal ao mundo, afirmando-se como um exemplo no aproveitamento sustentável dos recursos. “Isto tudo está a começar”, conclui.

A meta do governo é atingir os 30% de penetração de energias renováveis, até 2025, elevando a fasquia para os 50%, em 2030, e atingido os 100%, em 2040. Em 2019, conforme dados disponibilizados pelo Ministério da Indústria, Comércio e Energia, o valor fixou-se nos 18,4%.

*com Lourdes Fortes

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1005 de 3 de Março de 2021.

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,7 mar 2021 9:14

Editado porDulcina Mendes  em  12 mar 2021 8:20

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