Agências de viagens apostam no turismo interno para driblar a crise

PorSheilla Ribeiro,16 mai 2021 8:20

O ano de 2020 ficou marcado pela crise provocada pela pandemia da COVID-19 e o turismo foi um dos sectores mais afectados. Para não ficarem paradas, algumas agências de viagens da capital mudaram o foco para o turismo entre as ilhas e dentro da própria ilha de Santiago. O lucro pode não ser igual, mas é o que tem mantido as empresas activas.

Há 30 anos a agência de viagens PraiaTur vende produtos e serviços relacionados com viagens internacionais. Entretanto, desde a chegada da pandemia no país a empresa está, pela primeira vez, mais focada no turismo interno.

Em declarações ao Expresso das Ilhas. a general manager da PraiaTur, Marvela Rodrigues, revela que desde sempre a agência teve o pacote “Konxe bu terra”. Contudo, a adesão das pessoas, que antes era fraca, aumentou depois da COVID-19.

“O «Konxe bu Terra» surgiu porque muitos cabo-verdianos não conhecem tanto as nossas ilhas. Há pessoas de uma ilha que dificilmente conhecem uma outra ilha e não tinham grandes possibilidades porque a tarifa é alta. Tanto a tarifa marítima como a tarifa aérea, além do acesso aos hotéis, é caro”, começa por dizer.

Assim, conforme Marvela Rodrigues, a PraiaTur fez um acordo com as companhias aéreas, marítimas e com hotéis de modo a desenvolver uma tarifa voltada para os nacionais. Todavia, a empresa decidiu fazer mais investimentos na publicidade do “Konxe bu Terra” e produtos nacionais depois do turismo internacional ser condicionado pela pandemia.

A agência Rural Tours foi criada há três anos com o objectivo de promover o turismo rural na ilha de Santiago. Mas, segundo o gerente Aldino Pereira, apesar desse objectivo, antes da pandemia a empresa trabalhava mais com clientes internacionais do que com nacionais.

Depois da pandemia a agência mudou o foco para os nacionais na tentativa de manter o mínimo, o fluxo da caixa.

“A rentabilidade nessa mudança de foco não se compara ao internacional, mas temos trabalhado e muito bem. Temos tido um grande fluxo de pessoas nacionais. Um número que consideramos muito alto para as expectativas que tínhamos. Porque o cabo-verdiano não tem aproveitado para fazer algo interno e se o faz é de qualquer forma. Apostamos fortemente no marketing e conseguimos”, narra.

As excursões

De acordo com a general manager da PraiaTur, o maior foco da agência, e que tem mais procura, é o interior de Santiago onde há muitos lugares “bonitos e pouco conhecidos”.

“Levamos muita gente para Águas Belas, por exemplo, que é um local muito bonito e que muita gente não conhecia. Lá, fazemos entretenimento como passeios de bote, grelhada na praia e temos resultados positivos até este momento”, declara.

Além de Águas Belas ainda fazem parte do roteiro desta agência saídas para a Baía do Inferno, Tarrafal, Mangue das Sete Ribeiras e Lemba Lemba. “Estamos à procura de sítios bonitos e pouco conhecidos. Neste momento temos uma pessoa à descoberta da ilha de Santiago para depois possamos levar mais pessoas a conhecer”, indica Marvela Rodrigues, acrescentando que cada excursão pode ter um máximo de 16 pessoas e o mínimo de seis.

À semelhança da PraiaTur, as saídas da Rural Tours são feitas em grupos com um limite de 14 pessoas.

“As pessoas têm mostrado bastante interesse. Não esperávamos tanta adesão. O número de pessoas sempre ultrapassa o limite máximo de 14 pessoas. Temos pacotes familiares e individuais, mas ainda não há muita adesão para os pacotes familiares embora já tenhamos feito algumas vezes”, diz Aldino Pereira.

Segundo este gerente, a principal finalidade é fazer com que as pessoas conheçam lugares impactantes, como por exemplo Águas Belas, Achada Leite e Bongom.

“Constactamos que os nacionais sempre questionam onde ficam os lugares depois que publicamos uma foto. 100% Dos lugares que fomos até agora, as pessoas que se aventuram connosco nunca tinham ido. Como por exemplo, Bongom, um lugar pouco explorado onde nem sequer há estradas”, refere.

As saídas da Rural Tours podem ser feitas a qualquer momento e, neste caso, prepara-se um pacote sob medida. Já as saídas de grupos grandes têm sido feitas periodicamente aos finais ou início do mês.

Tanto a PraiaTur como a Rural Tours saem da cidade da Praia de manhã e regressam, ao final do dia.

Ajustes e desafios

Marvela Rodrigues conta que para as excursões na ilha de Santiago, a PraiaTur fez um acordo com uma pessoa que detém um bote e restaurantes locais para acertar um preço mais acessível quando se trata de turistas nacionais.

Entretanto, o pacote da ilha de Santiago inclui lanche tendo em conta que muitas vezes as pessoas não incluem restaurantes nos seus passeios, já que nem sempre passam o dia todo fora.

“As outras ilhas são mais procuradas quando o plano é passar os finais de semana fora. Por exemplo, há muita procura para a ilha do Maio, mas não há barcos nem voos diários. Acredito que se tivéssemos mais meios de transportes, com certeza teríamos mais adesão”, pondera.

Esse tipo de turismo, conforme a gerente da PraiaTur, tem mantido a agência activa, embora o lucro não seja tanto como antes.

“Digamos que em termos financeiros não ganhamos tanto, porque temos de nos adaptar à realidade do país. Ajustamos a tarifa para que todos tivessem a possibilidade de conhecer as ilhas e a ilha onde vivem. Tivemos muito dinamismo, muita procura e dá um certo ânimo enquanto aguardamos dias melhores”, salienta.

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Deste modo, quase todos os finais de semana a agência realiza excursões para o interior de Santiago. Todavia, para as outras ilhas, devido ao transporte, as saídas são menos.

“Mesmo que quiséssemos não teríamos como responder à demanda porque não há barcos nem aviões para ajustar aos pedidos”, narra Marvela Rodrigues.

O facto de geralmente haver um voo semanal e alguns barcos serem cancelados dificulta a adesão das pessoas que não querem arriscar pagar o hotel durante uma semana, quando o plano era apenas três dias, conforme a gerente da PraiaTur.

“Acredito que se tivéssemos preços mais acessíveis teríamos mais procura. Temos sítios muito bonitos, mas se calhar é preciso maior acessibilidade”, julga.

Como exemplo, Marvela cita Águas Belas, um lugar que se podia visitar de carro ao invés de bote caso houvesse uma estrada melhor.

“As câmaras municipais podiam preocupar-se com a questão de maior acessibilidade e assim desenvolveríamos o turismo interno para os cabo-verdianos e os visitantes que vêm conhecer as nossas ilhas”, sugere.

Por sua vez, Aldino Pereira diz que ao pensar em tirar as pessoas das suas casas para conhecerem os recantos da ilha de Santiago cogitaram em oferecer algo fora do comum. Por esta razão, tanto o pequeno-almoço como o almoço são feitos em casa de famílias das diferentes localidades por onde passam.

“Uma forma de fazer desenvolver a economia. Temos identificado pessoas nas comunidades para causar maior impacto em quem visita e movimentar a economia local. Identificamos famílias que pagamos para oferecer pequeno-almoço que é a base de uma boa cachupa feito a lenha, filhós, cuscuz com leite de vaca, algo que as pessoas não comem no dia-a-dia. No almoço também são pratos típicos da ilha de Santiago. O nosso objectivo neste momento não é tanto o lucro, é manter a agência activa e fazer a economia circular”, realça.

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“O turismo interno é fundamental neste momento para garantir a sobrevivência das agências de viagens” – AAVT

O presidente da Associação das Agências de Viagens e Turismo (AAVT) de Cabo Verde, Mário Sanches, afirma que o turismo interno, mais do que uma ferramenta para combater a sazonalidade é, neste momento, fundamental para garantir a sobrevivência das agências de viagens.

Segundo Mário Sanches, depois que os países fecharam as suas fronteiras devido à pandemia, era expectável as agências optarem pelo turismo interno. Por isso, frisa, a AAVT conjuntamente com o governo e outros parceiros, levou a cabo várias acções neste sentido que “ainda não surtiram o efeito desejado”.

“Não obstante a urgência da sua efectivação, ainda não há nenhuma mudança significativa nesta matéria“, declara.

Para o presidente da AAVT o turismo interno, mais do que uma ferramenta para combater a sazonalidade, é neste momento fundamental para garantir a sobrevivência das agências de viagens.

Todavia, indica, para além do actual desafio da COVID-19, ainda persistem várias insuficiências que é preciso endereçar” conforme declarou ao Expresso das Ilhas.

Como exemplo de desafios, o presidente da AAVT aponta a necessidade de melhor organização assim como a diversificação da oferta turística, da criação e consolidação de rotas turísticas que tenham em conta as várias vertentes paisagísticas e culturais (música, culinária, história).

Mário Sanches afirma que os operadores devem inovar na forma como apresentam o seu produto, contudo, aponta que nada disso terá valor sem endereçar a questão de fundo que é a necessidade de melhoria efectiva de todo o sistema de transportes marítimos e aéreos.

“Falamos de assiduidade e regularidade, bem como na competitividade e atractividade dos preços, que têm de se adaptar aos bolsos dos cabo-verdianos. Já apresentamos em tempos e voltamos a falar disso, uma proposta de subsidiação das tarifas aéreas para nacionais e estrangeiros residentes, à semelhança daquilo que se faz nos Açores e outras paragens”, profere.

Nessa linha, a AAVT espera e augura que o governo, “com o oxigénio da sua recente reeleição”, venha a avançar com algumas medidas concretas, estando a Associação disponível para dar o seu contributo nesta busca de soluções para alavancar o turismo interno.

Ao mesmo tempo, prossegue, constituir uma rede interna para a diversificação da oferta aos turistas que vêm de fora e que queiram conhecer toda a riqueza e diversidade das Ilhas. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1015 de 12 de Maio de 2021.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,16 mai 2021 8:20

Editado porAntónio Monteiro  em  24 fev 2022 23:20

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