A PwC é a única grande consultora global com escritório em Cabo Verde. Porquê esta opção?
Porque é um compromisso de longo prazo. Somos a única grande consultora presente em Cabo Verde há mais de 25 anos e o nosso compromisso com o país é de médio/longo prazo. Porque acreditamos no país, porque acreditamos nas relações e nos posicionamentos que o país tem, quer na sub-região, quer com a União Europeia. Porque acreditamos na reputação que o país tem, seja a reputação junto das instâncias internacionais – Banco Mundial, BAD, etc. – seja o papel de Cabo Verde enquanto exemplo de estabilidade, de alternância democrática e de normalidade. Tudo isto faz com que a PwC tenha uma presença de longo prazo, sustentada em quadros cabo-verdianos permanentes, com o apoio técnico de diversas áreas – uma firma como a PwC, presente em 156 países, com cerca de 300 mil pessoas, funciona em rede e a nossa vantagem é esta rede que permite ir resolvendo os problemas das sociedades, dos governos e das empresas.
Vamos para as questões económicas. Qual será o grande desafio, ou os grandes desafios, de Cabo Verde no médio prazo?
É preciso ver que hoje o mundo vive tempos de incerteza. Se nós pudéssemos voltar a 2019 e se alguém dissesse que ia haver uma pandemia e uma guerra na Europa, ninguém ia acreditar nessas previsões. Estes tempos de incerteza tornam mais complexa a gestão dos governos, das empresas, dos caminhos e das estratégias a seguir. Cabo Verde tem de conseguir navegar da melhor forma possível nestes tempos de incerteza e o navegar da melhor forma possível é acelerar o que de bom já está no terreno. Cabo Verde e a população, dentro das dificuldades e dos 13% em pobreza extrema, tem de olhar para o copo meio cheio e acelerar o enchimento desse copo. É preciso agarrar nos bons exemplos que já estão a acontecer na economia digital e acelerar essa transição, aproveitando o maior activo que Cabo Verde tem que são as pessoas, a população jovem, com 55% abaixo dos 30 anos. Portanto, temos de agarrar neste potencial, acelerando o que tem sido feito. Não podemos esquecer o sector âncora do país: o turismo. Mas temos de ver como queremos posicionar-nos para os fluxos do futuro. Têm sido dado passos interessantes, como a concessão dos aeroportos, que pode trazer um novo conjunto de oportunidades. O mundo mudou e a resposta dos agentes e do governo não pode ser a mesma. Nem os mercados emissores serão os mesmos. Face a essa diferente perspectiva, temos de ver como vamos qualificar os recursos humanos, que resposta têm de ter e que resposta têm de dar as infra-estruturas. Cabo Verde está a recuperar. Apesar de ainda longe dos níveis pré-Covid. Mas os indicadores são positivos. Um outro desafio, que não é só de Cabo Verde, tem a ver com a resposta articulada e a boa ligação entre as entidades formadoras – a nível superior e técnico profissional – e o mercado de trabalho. Cabo Verde está a focar-se na questão do turismo, do digital, das energias, do mar, é por isso importante não perder energia noutros sectores e sim conseguir articular agentes e conseguir utilizar os recursos que o país já tem à sua disposição para acelerar. Ainda há pouco tempo houve o Cabo Verde Investment Forum, no Sal. Foram anunciados projectos de quatro mil milhões de dólares. É preciso acelerar a execução desses projectos. Ainda há pouco tempo foi assinada a legislação para a Zona Económica Especial do Maio. É preciso acelerar e acarinhar estes investidores que acreditam no país.
Cabo Verde está a enfrentar crises sucessivas desde 2016: climática, pandémica e a actual geopolítica. Os empresários e as famílias estão cautelosos. Como é que se consegue restaurar a confiança de quem não sabe o que vai acontecer no futuro?
Temos de acreditar na estabilidade que o país tem para oferecer. Se olharmos para os vários choques dos últimos anos percebemos a dificuldade do desafio para os líderes de hoje e com isso a confiança dos cidadãos tem de ser cuidada, com exemplos, com esperança, com capacidade de fazer acontecer, sem utopias, explicando que o caminho é estreito, mas há caminho, há prioridades.
Ou seja, tem de haver uma comunicação constante e sem esconder as dificuldades.
Sim. Sem dúvida alguma. Porque à medida que vamos escondendo, só podemos esconder até certa altura. A verdade acabará por vir ao de cima. Quanto mais não seja, pelas dificuldades que as pessoas enfrentam no dia-a-dia. Temos os instrumentos adequados ao nosso dispor. Temos é de acelerar. Poucos países se podem gabar, tendo em atenção a dimensão de Cabo Verde, de ter os financiadores internacionais a olhar para o país de forma positiva, acreditando no desenvolvimento de Cabo Verde. A prioridade do mar, do turismo, do digital, têm estado na agenda pública e também das políticas e das intervenções. O TechPark, o EllaLink, o terminal de cruzeiros, que pode ter um impacto muito significativo em São Vicente, como aconteceu em Lisboa também com o terminal de cruzeiros. Há caminhos a fazer? Claro. Por exemplo, nas pescas. Hoje, as estatísticas apontam para que as pescas representem 1% do PIB, mas se alargarmos num âmbito mais vasto representa 8% do PIB. Fala-se muito da economia do mar, mas Cabo Verde não sabe hoje quanto representa a economia do mar no PIB. Para decidirmos, monitorizarmos, acelerarmos, temos de saber quanto representa o sector e hoje não sabemos.
A PwC publicava um barómetro sobre a economia do mar, o LEME, e essa era uma das questões referidas, a falta de informação sobre a economia marítima. Ao mesmo tempo foram identificados uma série de desafios (nos portos, em relação à pesca, à aquacultura, ao desporto, ao turismo, etc.) que – e o último LEME é de 2020 – continuam presentes.
Sim. Mas também porque neste período de pandemia muitos destes temas – mesmo não saindo da agenda – tiveram de passar para segundo plano, como é normal. Por isso, disse que há questões que têm de ser aceleradas. Não podemos continuar a falar de projectos daqui a um ano ou dois. Têm de ser dados passos concretos. Temos de voltar ao armário, ir buscar esses temas, colocá-los na agenda e fazer as entidades públicas e privadas voltar a acarinhar estes temas.
As directrizes do Orçamento de Estado para o próximo ano têm como prioridade algumas das questões que temos referido ao longo desta conversa: saúde e segurança, transição energética, acção climática, turismo, transformação digital e economia azul. E por falar em transição digital, a PwC quer ter a funcionar um hub tecnológico em Cabo Verde – se tudo correr bem, serão criados 150 postos de trabalho dentro de dois anos. Porquê em Cabo Verde?
Vários motivos. A PwC está organizada por territórios. O nosso foi Portugal e Cabo Verde até 2014, entretanto nesse ano juntámos Angola e, em 2023, já está definido, vamos ter também Moçambique. A PwC a nível global definiu duas áreas significativas de crescimento: o digital e a sustentabilidade. O mundo vai precisar de respostas na área da sustentabilidade e do digital. E dentro da resposta global da PwC, Portugal, Cabo Verde, Angola e Moçambique, quer posicionar-se para dar essas soluções. Hoje temos uma necessidade significativa de talento. O nosso negócio não é formar pessoas, é integrar pessoas dentro da rede da PwC a programar e a desenvolver soluções tecnológicas para o mundo. Há uma escassez de talento, que é pública, que afecta também Portugal. Nós temos a base destas áreas mais tecnológicas em Lisboa e no Porto e tínhamos várias opções: ou diversificar para outros pontos do território continental português, ou procurar outros mercados. E Cabo Verde aparece como mercado natural por tudo o que temos falado. É estável, tem uma população jovem e há uma aposta do governo no digital. Lá está, a importância das políticas públicas para o investimento. Se não houvesse este foco nas tecnologias e no digital, se calhar não tínhamos olhado para Cabo Verde como oportunidade para desenvolver o hub tecnológico. Não estamos a fazer o hub em Cabo Verde para responder aos clientes cabo-verdianos, mas sim para responder aos clientes globais da PwC. A PwC tem dois activos: as pessoas e a marca e temos de cuidar dos dois. Se não tivermos as melhores pessoas, vamos afectar a marca e se afectarmos a marca não conseguiremos atrair as melhores pessoas.
Uma transformação digital implica também uma transformação social.
Sem dúvida. Cabo Verde tem um nível de acessibilidade elevado, mas é preciso ver a utilidade que damos a essa acessibilidade. Ou seja, como é que os agentes económicos, as empresas, o cidadão comum, olha para a internet como a possibilidade de criar um negócio, de ter formação, de desenvolver ferramentas, e isso tem de ser feito.
Como pode um país destacar-se no mundo digital actual? O que faz a diferença?
Dou-lhe um exemplo, os nómadas digitais. Houve um território insular, não um país mas uma região autónoma, que aproveitou de forma formidável a oportunidade oferecida pela pandemia: a Madeira. Há cerca de um mês estive lá e os nómadas digitais estão a transformar a Madeira enquanto destino turístico, de conhecimento, que consegue funcionar o ano inteiro. O que é relevante para os nómadas digitais? Acessibilidade, segurança, conforto. Os nómadas não vêm por questões fiscais, mas podem vir por estímulos extra fiscais.
Ao mesmo tempo, a própria PwC, dada a sua marca global, enquanto parceiro e criador do futuro hub tecnológico, tem a noção que também pode ajudar a alavancar a transformação digital de Cabo Verde.
Sem dúvida. E cá estamos para contribuir para isso. Os desafios são muitos e, focando na questão do governo, há um conjunto de áreas que têm de ser trabalhadas e estruturadas em que é preciso um conhecimento técnico e haveremos de estar disponíveis para fazer esse caminho em conjunto. A PwC trabalha no mundo inteiro, com diversos governos, a fazer este caminho da transformação. O digital vai ter de acontecer de forma rápida e há um conjunto de aceleradores que temos de ter. Isto é um caminho de parceria. O facto da PwC – e isto há rankings para tudo, mas somos a 8ª marca mais reconhecida a nível mundial – abrir um hub tecnológico em Cabo Verde, acho que é também um activo para o país.
A questão das incertezas esteve sempre presente na nossa conversa. Para terminar, na sua análise, que mundo aí vem? O que aprendemos com as crises dos últimos dois anos?
Aprendemos muita coisa, mas acho que aprendemos que precisamos muito uns dos outros. Vivemos mesmo num mundo global e temos de acreditar que o mundo tem mes.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1084 de 7 de Setembro de 2022.