“As cadeias de valor regionais africanas contribuem com menos de 3% (2,7%) nas cadeias de valor globais, muito abaixo do que acontece em outras regiões, como a América Latina e Caraíbas (26,4%) ou Ásia (42,9%)”, sublinhou Ayumi Yuasa, directora-adjunta do Centro de Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
“O reforço das redes de produção regionais pode ajudar os países africanos a diversificarem a sua base económica e construírem as suas capacidades produtivas”, acrescentou a responsável da versão portuguesa da edição deste ano do relatório “Dinâmicas do Desenvolvimento em África – Cadeias de valor regionais para uma recuperação sustentável”.
O texto oferece aos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) “dados estatísticos, pistas, recomendações para novas políticas públicas que lhes permite ultrapassar” as crises conjugadas da pandemia de covid-19, da guerra na Ucrânia e crise climática decorrente das alterações climáticas, sublinhou o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (SENEC), Francisco André.
O governante chamou a atenção para o facto de menos de 5% das exportações dos PALOP terem como destino o continente africano, dado que contrasta com 25% no que diz respeito às importações, de acordo com o texto da OCDE.
“Isto demonstra que dinamização da zona de comércio livre continental africana, aliada à inovação digital para o desenvolvimento de novas cadeias de valor, tem aquilo que todos ansiamos, que é muitas oportunidades para todos os países africanos de língua portuguesa para que possam capitalizar [os respectivos potenciais de desenvolvimento], especialmente no sector da agricultura, num momento tão sensível em termos de segurança alimentar”, sublinhou Francisco André.
A digitalização dessas mesmas cadeias de valor pode permitir o acesso dos agentes económicos africanos a novos mercados e “a União Europeia e a CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] têm um papel bastante relevante a desempenhar, desde logo, através da Agenda Digital para a CPLP”, acrescentou o governante.
Em declarações no início da apresentação do texto na sede da CPLP em Lisboa, o secretário-executivo da organização, Zacarias da Costa sublinhou que os Estados-membros que a integram precisam de “mais cooperação e apoio internacional para mitigar a crise” em que vivem.
“A CPLP apela a que as respostas colectivas da comunidade internacional a curto, médio e longo prazo sejam guiadas pelo respeito dos direitos humanos, incluindo o direito ao desenvolvimento. Trata-se de um compromisso e de uma responsabilidade que temos com os nossos povos”, afirmou o diplomata timorense.
O texto da OCDE olha, em particular, para o efeito da guerra na Ucrânia no desempenho da economia no continente e para o seu recuo a níveis de pobreza de que tinha saído no início do milénio.
Segundo a previsão da OCDE, a economia africana atingirá um crescimento 3,9% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, um ponto percentual abaixo da taxa de crescimento para o resto do mundo, que se situa em 4,9%.
Em 2022, espera-se que o PIB de África em percentagem do PIB mundial caia para 4,7%, o nível mais baixo desde 2002, “o que poderá inverter o processo de convergência que estava em curso”, assinalou Ayumi Yuasa.
“Se o conflito na Ucrânia continuar, o crescimento da economia do continente será muito provavelmente abaixo dos 4% em 2023”, acrescentou.
No caso dos PALOP, a recuperação das crises da guerra na Ucrânia e da pandemia de covid-19 continua muito lenta, com a previsão de crescimento e ficar pelos 3,2% em 2022.
Cinco de seis PALOP, com a excepção de São Tomé e Príncipe, entraram em recessão em 2022. Isto ocorreu essencialmente devido à falta de diversificação económica, com o peso da economia associada ao petróleo a representar cerca de 74% das exportações dos PALOP. Daí a vulnerabilidade ao choque do aumento dos preços das “commodities”, sublinha o texto.
“Quando olhamos para o impacto da guerra na Ucrânia em África, a importância do aumento dos preços das ‘commodities’ foi a mais significativa, entre 6 e 10 mil milhões de dólares, em necessidades anuais de financiamento”, sublinhou Ayumi Yuasa.
Nas actuais condições, África irá precisar de mais de uma década para recuperar as taxas de pobreza prévias à pandemia de covid-19 e à guerra na Ucrânia, aponta o estudo.
“A crise teve efeitos diferentes nos vários PALOP. Os preços dos alimentos aumentaram 25% em Angola, mas 17% em Moçambique e 16% em Cabo Verde”, assinalou a responsável da organização.
“As exportações de petróleo de Angola ou da Guiné Equatorial podem esconder o impacto dos preços, atendendo ao aumento dos preços da energia”, acrescentou Ayumi.