Actualmente, a praticidade dos produtos industrializados e congelados atrai vários consumidores, principalmente na correria do dia-a-dia. Mas surge o questionamento: Até que ponto podemos consumir produtos congelados seguros?
Em entrevista ao Expresso das ilhas, o inspector-geral da IGAE, Paulo Monteiro, explica que em relação aos produtos congelados, os consumidores devem ter especial atenção. A velocidade de cristalização é muito importante, devido à formação de cristais de gelo. Se o congelamento é lento, esses cristais são grandes e podem afectar fisicamente as células do alimento, causando alteração na textura, sabor e qualidade do produto.
“É uma situação de alerta, porque os cristais de gelo que se formam nos alimentos congelados podem oferecer riscos ao consumidor.Deixar o alimento em ambiente com temperatura inadequada, propicia o desenvolvimento de micro-organismos que resultam em um produto sem qualidade e que pode causar problemas à saúde”.
Os produtos congelados, como explicou o inspector-geral da IGAE, devem ser conservados de forma adequada, levando em consideração que cada produto tem as suas características distintas e a sua temperatura adequada. O descongelamento também deve ser feito de forma apropriada.
“Para a conservação dos produtos congelados, a IGAE recomenda sempre que seja de forma adequada a cada tipo de produto e o descongelamento também implica cuidados. Em algum momento, já nos deparamos com pessoas a separar as coxas de frango, no meio da rua, batendo a caixa contra o chão. É uma prática totalmente incorrecta. Os produtos devem ser descongelados até certa temperatura e posteriormente separados conforme necessidade, isso vai garantir um produto mais íntegro ao consumidor final”, explanou.
Consumidores
Alguns consumidores recorrem às redes sociais para denunciarem e relatarem alguns constrangimentos na aquisição de produtos. Recentemente, a página do Facebook “Provedor da Praia” alertou para a questão do congelamento e descongelamento dos produtos nos estabelecimentos comerciais. Uma das denúncias relatadas conta o caso de aquisição de uma caixa de perna de frango. Posteriormente (em casa) foi constatado mau cheiro e aspecto duvidoso. Na sequência, foi instaurado um grande debate, trazendo outras situações, de alerta ao consumidor, para a pauta do dia.
“Alguns estabelecimentos desligam as arcas de refrigeração dos produtos à noite para poupar energia e quem paga este preço é a saúde dos consumidores. Quando desligam a arca de refrigeração à noite e voltam a ligar só no dia seguinte, é claro que vai haver propagação de microrganismos que acabam estragando o produto”, escreveu um internauta.
“Isso já é prática nos mercados na Cidade da Praia. Além dos congelados, os chouriços, as frutas, leites, água, etc. São vários os produtos alimentícios e de primeira necessidade que são comercializados em má qualidade. Entretanto, a fiscalização, muitas vezes, restringe-se à qualidade da aguardente”, escreveu um outro perfil do Facebook.
Ainda na sequência das denúncias, houve quem tenha sugerido uma actuação mais aguda das autoridades. A sugestão aponta para uma fiscalização ainda nos contentores de importação dos produtos congelados e uma outra nos estabelecimentos comerciais, a fim de garantir uma boa conservação dos congelados até chegarem ao consumidor final.
“Na Alfândega, como peça de despacho, deverá ser exigido o certificado de origem e qualidade de toda a carne importada. Muitas vezes, exportadores com poucos escrúpulos, tendo nos túneis de congelamento carne de frangos com mais de 6 meses de armazenamento, baixam o preço e exportam para importadores também sem escrúpulos. A IGAE deverá abrir uma linha grátis para receber denúncias e, a partir daí, fazer a investigação se o produto na origem tinha excesso de armazenagem ou se é o comerciante que desliga o congelador à noite. Tratando-se de aves, basta abrir uma perna, sobre coxa, asa ou peito de frango para concluir e agir. Os ossos e a carne ao descongelar tem uma cor mais escura”, sugeriu um internauta.
IGAE
O inspector-geral, Paulo Monteiro, indica que a IGAE segue duas ordens de trabalho, uma ordem sobre matérias alimentares e outra sobre matérias não alimentares. Este responsável sublinha que as acções de fiscalização são realizadas durante todo ano e conforme as necessidades. O inspector-geral assegura que todas as denúncias são averiguadas, mas adverte o consumidor a procurar directamente a IGAE para fazer as denúncias, o que facilita na identificação, comprovação do acto da denúncia e acção dos agentes de inspecção. Este responsável relata que durante a acção de inspecção a IGAE procura sempre verificar o odor ao entrar nos estabelecimentos.
“Qualquer pessoa ao entrar em um estabelecimento, minimercado, supermercado, pequenos comércios e verificar um forte odor de carne ou qualquer cheiro desagradável é sinal que este estabelecimento desliga os reservados de refrigeração dos produtos. Como consumidor é seu dever estar atento ao produto que vai comprar, prestar atenção ao cheiro, aspecto, data de validade e tudo o mais que pode servir de alerta. Agora, se levar o produto para casa e constatar anomalias, pode contactar o IGAE, através do e-mail ou qualquer linha de comunicação e seguir os procedimentos. Muitas vezes as pessoas procuram as redes sociais para fazerem as suas denúncias, mas o que acontece é que a IGAE é uma instituição que fiscaliza as actividades económicas, ou seja, não temos um foco específico, a fiscalização engloba inúmeras actividades como turismo, indústria, serviços, entre outras. O que as pessoas têm de levar em conta é que se a denúncia for feita directamente à IGAE, tomamos conhecimento e tudo aquilo que é reportado é avaliado e verificado”.
A nível de 2022, a IGAE realizou 725 inspecções na área alimentar, abrangendo todo Cabo Verde. Nessas inspecções foram constatadas em muitos estabelecimentos, “produtos como frango na mesma arca de refrigeração que fiambres, queijo, ou estes produtos no mesmo recinto que as bebidas. Ainda há a situação de coxas de frango no mesmo lugar que as asas de frango, misturas congeladas juntamente com queijo ou fiambre, o que não pode acontecer”.
Cada produto tem que ter o seu lugar devido e separado. O que se pode fazer, segundo Paulo Monteiro, é a separação destes produtos ainda que dentro da mesma arca de refrigeração. Das 725 inspecções, 35% foram encontradas em inconformidade.
“A IGAE tem duas formas de actuação, a preventiva e a repreensiva. Na preventiva, aconselhamos como é que as coisas devem ser feitas, o que não deve ser feito, qual a melhor maneira de conservar o produto. O operador sabe disso porque nós disponibilizamos essas informações. A actuação repreensiva é quando o estabelecimento já é notificado e insiste em alguma incoerência, isso implica sanções previstas na lei”, acrescentou.
ADECO
Em declarações ao Jornal Expresso das Ilhas, a Associação para defesa do Consumidor (ADECO) indicou que tem constatado violações relativamente à conservação de produtos congelados, com especial incidência na Ilha da Boa Vista. A ADECO chama atenção para a disposição dos produtos, o modo como os clientes manuseiam alguns alimentos e apela à consciência do consumidor que, muitas vezes, depois de escolher o seu produto, acaba por deixar as arcas de refrigeração abertas, sujeitando à contaminação o resto do produto.
“Na ilha da Boa Vista encontramos vários produtos congelados sem qualquer etiqueta, sem prazo de validade, abertos, sem fechar correctamente e até sem nenhuma protecção junto de outros produtos. Repara-se também que os recipientes onde estão colocados nem sempre têm uma boa higiene e não são utilizados utensílios adequados para o consumidor apanhar os produtos com protecção e acabam por mexer nos produtos com as mãos para escolher, tornando-se assim um perigo para a saúde pública”.
Referente ao desligamento das arcas de refrigeração, a ADECO apontou que são práticas violadoras dos princípios de conservação de alimentos frescos e congelados que, para além de violarem o princípio de acesso a bens de consumo próprios e de qualidade, perigam a saúde dos consumidores.
“Se é verdade que o consumidor deve imediatamente alertar as autoridades, inclusive a IGAE da violação, não é menos verdade que o ónus não deve ser repassado aos consumidores. Temos alertado várias vezes a IGAE, sobre algumas violações ocorridas na ilha da Boa Vista, mas o mesmo afirma não ter inspectores na ilha. A ADECO considera esta insuficiência de inspectores e falta de capacidade de acção inaceitável”, apontou a presidente da ADECO, Eva Marques.
Essa responsável apontou, igualmente, a inexistência de Livro de Reclamações e deficiente processamento deste documento, o que, segundo a presidente da ADECO, é “um grande contributo para a prevaricação dos operadores e o desempoderamento dos consumidores, levando a situações graves tal como a da venda de produtos potencialmente estragados, impróprios ao consumo, e que são perigo para a saúde pública. Urge que a IGAE se capacite e concretize com eficácia os seus poderes de fiscalização e sanção. Urge repor o livro de reclamações em toda a sua plena potencialidade, urge sancionar com mão pesada este tipo de infracções”, explanou.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1110 de 8 de Março de 2023.