A história da APP começa nos anos 90, quando a expansão turística na ilha do Sal exigia garantias no fornecimento de serviços essenciais, como água, energia e saneamento.
“O projecto APP começou pela necessidade que tinha um promotor turístico de garantir os serviços de energia, água e saneamento, infraestruturas para receber grandes resorts e que precisavam de garantia dos serviços básicos”, recorda Damià Pujol. O promotor em questão, a empresa Cabocan, procurou então parceiros tecnológicos e financeiros na Catalunha, Espanha, nomeadamente a Companhia d’Águas de Sabadell e a HidroWatt.
Foi com essa parceria que nasceu a Águas de Ponta Preta, hoje uma empresa de direito cabo-verdiano de serviços básicos que opera com um modelo de gestão integrada inspirado nas boas práticas europeias. “A missão sempre foi clara: garantir serviços com continuidade, qualidade e visão de longo prazo”, explica Damià Pujol.
Modelo sustentável
Um dos maiores feitos da APP ao longo destes 25 anos foi a criação de um sistema de abastecimento de água potável a partir de um único recurso hídrico disponível: a água do mar.
“Conseguimos, a partir de um único recurso hídrico, que era a água do mar, garantir água potável e depois reutilizá-la para irrigação de jardins, como se pode ver em qualquer hotel de Santa Maria”, explica Pujol.
O processo não termina na dessalinização.
A água usada nos hotéis e residências passa por um tratamento complexo em estações de tratamento de águas residuais (ETARs), sendo posteriormente reutilizada para irrigação e, mais recentemente, também para a agricultura.
“É água residual tratada através de nove processos hidráulicos e reutilizada. Tem todas as características para ser utilizada na irrigação”, garante.
Desde 2018, Cabo Verde conta com uma regulamentação própria sobre a qualidade da água reutilizada, o que permitiu à APP ir mais longe, produzindo inclusive água com qualidade quase potável para culturas hortícolas e frutíferas, já em uso na ilha do Sal.
Expansão progressiva e serviços públicos complementares
Apesar de ter nascido ao serviço da indústria hoteleira, a APP estendeu depois os seus serviços a outros segmentos da sociedade, em parceria com a Electra. Esta colaboração tem sido essencial para colmatar falhas na cobertura de água em zonas urbanas em rápida expansão.
“A ilha do Sal cresce muito rapidamente e também é impossível manter o ritmo de crescimento das áreas urbanas, então nós chegamos lá, em complemento com a Electra, com camiões autotanque”, refere Damià Pujol.
Além disso, a subsidiária APP Ambiente tem um papel central no tratamento e reaproveitamento das águas residuais. A empresa actua também nas localidades da Palmeira, Pedra de Lume, Espargos e Santa Maria, procurando antecipar-se ao crescimento urbano e garantir cobertura total em zonas em desenvolvimento.
Mais do que água: energia renovável e mobilidade eléctrica
A necessidade de electricidade para alimentar os processos de tratamento de água levou a APP a investir no sector energético.
“Aprofundámos ou reforçámos os investimentos em energias renováveis, mas não só, também na eficiência energética, na geração distribuída e na mobilidade eléctrica”, explica o director-geral da empresa.
A mobilidade eléctrica, apesar de ainda ter pouco relevo em Cabo Verde, é também uma das apostas que o grupo tem vindo a fazer ao longo dos últimos anos.
Damià Pujol explica que a visão é clara: promover viaturas eléctricas abastecidas com energia proveniente de fontes renováveis, alinhando-se com os objectivos nacionais de independência energética.
“Já temos casos de localidades no meio rural, como Santo Antão e São Nicolau, que são 100% renováveis”, destaca.
Desafios permanentes: insularidade, tecnologia e burocracia
Questionado sobre as principais dificuldades enfrentadas pela empresa, Damià Pujol aponta a insularidade como o maior entrave.
“A logística é a de um país pequeno, os transportes são caríssimos, porque a dimensão é reduzida, não há grandes portos, não há grandes porta-contentores que venham aqui e consigam reduzir o preço [dos produtos importados]”, lamenta.
Outro desafio constante é a manutenção de infraestruturas tecnológicas em locais isolados.
“Sempre falha alguma coisa, por muita manutenção preventiva que nós façamos”, diz. Exemplo disso foi um problema recente em Porto Novo, onde todos os camiões da empresa avariaram ao mesmo tempo, comprometendo temporariamente o abastecimento de água numa zona sem rede fixa.
Além disso, a burocracia é outro obstáculo, “embora não exclusivo de Cabo Verde. A burocracia está em todo o lado”, comenta.
Presença nacional e expansão
Para além do Sal, a APP tem vindo, ao longo dos anos, a alargar as suas operações para outras ilhas.
Em Santiago, a empresa gere a ETAR do Aeroporto Internacional Nelson Mandela.
Em Santo Antão, está envolvida na produção e gestão de água e saneamento numa parceria público-privada com as câmaras municipais da ilha.
Há também planos para expandir a sua actuação para as ilhas do Maio, São Nicolau e Boa Vista. “Estamos a trabalhar neste cenário”, revela Pujol, adiantando que a empresa quer acompanhar o crescimento do país com investimentos estruturais.
Investimentos em curso e visão de futuro
O futuro da APP passa por continuar a investir fortemente em infraestruturas hidráulicas e energéticas.
A empresa, explica o seu director-geral, está já a projectar uma nova expansão da ETAR de Santa Maria – a quarta fase – prevista para 2026, devido à construção de novos grandes hotéis. “Nesta área, é preciso trabalhar em antecipação, antes do tempo”, diz.
O sector energético também está em expansão.
Em Setembro de 2024, foi inaugurada uma central fotovoltaica no Sal. Para Junho de 2025 está prevista a inauguração de outra em São Vicente, com 5 megawatts.
No entanto, o projecto mais ambicioso será em Santiago, com a construção da maior central solar do país, com 10 megawatts, prevista para arrancar em Julho deste ano.
Esses investimentos são feitos “com recurso a project finance, com garantias que decorrem das próprias concessões e da robustez do quadro legal cabo-verdiano. Neste aspecto, Cabo Verde está muito adiantado em matéria de segurança jurídica”, sublinha.
Volume de negócios
Em 2024, o grupo APP registou um volume de negócios de cerca de 17 milhões de euros, o equivalente a 1.800 a 1.900 milhões de escudos cabo-verdianos. O grupo é composto por 10 empresas e emprega 260 pessoas.
Damià Pujol acredita que a APP já está consolidada no tecido empresarial nacional. “Acho que sempre nos comportámos bem, pagamos os impostos, criámos emprego, e os accionistas estão confortáveis no país”, conclui.
Apesar do crescimento e da diversificação dos negócios, a missão da APP mantém-se inalterada, garante Pujol nesta entrevista ao Expresso das Ilhas.
“Prestar serviços essenciais com qualidade. Primeiro é atender o serviço, depois vem a parte do lucro”, conclui o o director-geral da empresa, enfatizando a responsabilidade social que acompanha uma actividade tão fundamental para a qualidade de vida das populações e para o desenvolvimento sustentável de Cabo Verde.
DESTAQUES
“Conseguimos, a partir de um único recurso hídrico, que era a água do mar, garantir água potável e depois reutilizar para irrigação de jardins, como se pode ver em qualquer hotel de Santa Maria” – Damià Pujol, Director-geral da APP
“A logística é a de um país pequeno, os transportes são caríssimos, porque a dimensão é pouca, não há grandes portos, não há grandes porta-contentores que venham aqui e consigam reduzir o preço [dos produtos importados]” – Damià Pujol, Director-geral da APP
Em 2024, o grupo APP registou um volume de negócios de cerca de 1.900 milhões de escudos