Luís Vasconcelos Lopes, PCE do BCN: “Não se chega a esta indústria e se cresce de forma desmesurada, cresce-se de forma sustentada”

PorJorge Montezinho,15 jun 2025 8:18

O Banco Cabo-verdiano de Negócios foi recentemente considerado pela International Banker o melhor banco comercial em Cabo Verde. Na semana em que foram apresentados os resultados financeiros e operacionais, o Expresso das Ilhas falou com Luís Vasconcelos Lopes, Presidente da Comissão Executiva do BCN.

O BCN foi o escolhido pela International Banker, uma publicação de referência no sector, como o melhor banco comercial do ano em Cabo Verde. O que é que isto significa para vocês?

Antes de falar do prémio, acho que devemos falar da jornada, porque o prémio, no fundo, é um reflexo da jornada que temos feito. O prémio é um reconhecimento internacional feito por quem percebe da banca e quem percebe dos balanços da banca. Acho que isto é extremamente relevante, porque é também a afirmação de que o crescimento do BCN está a ter impacto não só a nível nacional, mas também na cena internacional. Isto tem uma importância muito grande. Porquê? Porque como um banco sem ligação directa de capital a qualquer banco estrangeiro, a nossa relação internacional é fundamental. Um prémio como este aumenta a nossa reputação e dá a quem connosco trabalha um conforto de que trabalha com gente séria e com um cumprimento rigoroso dos princípios. O BCN é parceiro da IFC [Corporação Financeira Internacional, organização internacional que faz parte do Grupo Banco Mundial, com o objetivo de incentivar o desenvolvimento do sector privado em países em desenvolvimento – IFC na sigla em inglês] em Cabo Verde, fomos o primeiro banco a trabalhar com os fundos do IFC. Uma instituição pertencente ao Banco Mundial não se sindicaliza com qualquer instituição. Em resumo, isto para nós é extremamente importante, este reconhecimento, não só local, porque só crescemos porque os clientes se sentem satisfeitos com o serviço que o BCN está a prestar. Esta é a matriz de tudo, porque também estamos numa fase de consolidação do reconhecimento nacional.

Segundo o Banco de Cabo Verde, o BCN é o terceiro banco cabo-verdiano em termos de importância sistémica.

Já no ano passado o BCN era o terceiro e consolidamos a nossa posição, isto é, crescemos relativamente ao quarto e relativamente ao segundo. Aumentamos a distância para quem estava em quarto lugar e diminuímos a distância para quem está no segundo lugar. Obviamente há um percurso a fazer, os dois que estão nos primeiros lugares são bancos históricos, instituições que já tinham todo um caminho consolidado, e têm todo um caminho consolidado, e não se chega a esta indústria bancária e cresce-se de forma desmesurada, cresce-se de forma sustentada. Não temos pressa em ser os primeiros, o que queremos é ser os melhores e percebidos como os melhores pelo mercado. Este é o nosso foco. Não abdicamos dos princípios sagrados da actividade bancária para crescer. Agora, temos sempre uma perspectiva diferente, uma perspectiva local, uma perspectiva sobre o papel que os bancos devem desempenhar. Posso afirmar com orgulho que já conseguimos contribuir para a economia nacional com um stock de crédito extremamente interessante, acima dos 32 milhões de contos, e todos eles aplicados na economia cabo-verdiana. E também desempenhamos o papel fundamental de um banco, o papel de intermediário do sistema financeiro: a arrecadação de depósitos e a sua transformação em crédito. Somos o banco que, proporcionalmente, mais transforma os seus depósitos em crédito, contribuindo assim para a criação de riqueza nacional de uma forma impactante.

Falou de princípios, quais são fundamentais?

Esta é uma indústria em que a reputação e a credibilidade são os ativos mais preciosos que temos e quando essa reputação e credibilidade vêm dos teus pares é porque são efetivamente merecidos. Aliás, esta é a matriz do Grupo Ímpar, a nossa génese tem a ver com a actividade seguradora, a actividade seguradora é especialista em gestão de riscos que, automaticamente, transferimos para o BCN. A própria legislação começou a reconhecer o que são chamadas funções-chave. Uma das funções-chave, agora de nomeação obrigatória e de validação por parte do Banco Central, é a função do Chief Risk Officer, do gestor de risco do banco. E esta matriz já fazia parte de nós. Se há algo que nos pode distinguir é o nosso cuidado e a qualidade que pomos na gestão do risco. Temos um princípio que é: aquilo que não podemos fazer, ou aquilo que está fora da nossa matriz de risco, assumimos de forma objectiva e damos um não. E mesmo o não tem que ser dito de forma rápida, para que as pessoas ou possam reposicionar o seu projeto de forma a mitigar o risco, ou encontrar outras alternativas. Enquanto banco tradicional, temos uma responsabilidade perante os nossos depositantes, para além daquilo que também é o risco que os próprios accionistas correm. Quando comprámos o banco, os capitais próprios do banco, isto é, o capital dos accionistas, era de 1.7 milhões de contos. Hoje, já temos capitais próprios acima dos 5 milhões de contos. Isto é o que os próprios accionistas estão a pôr à disposição do banco, a correr riscos com o seu próprio capital. Isto dá-nos uma almofada de liquidez significativa e também demonstra um firme compromisso por parte dos investidores naquilo que é a missão do banco e aquilo que é a predisposição para continuarmos a crescer e ajudarmos a economia cabo-verdiana a crescer.

Por falar em crescer, esta terça foram apresentados os resultados financeiros e operacionais, quais considera serem as grandes novidades?

Foram os melhores resultados de sempre, ultrapassamos os 700 mil contos de resultados líquidos, o que era uma realidade impensável em 2016, e isto muito fruto do forte crescimento. Em depósitos passámos de 12,4 milhões de contos para 32 milhões de contos. Praticamente triplicamos a captação dos depósitos. E depósitos têm a ver com uma coisa, confiança. E passámos de 8 milhões de contos de crédito concedido à economia para os 28 milhões de contos. A importância sistémica diz de forma clara que somos o terceiro banco do sistema, mas os factores principais da actividade bancária são depósitos e crédito. Porquê? Porque a actividade principal do banco é a intermediação. Para intermediar é preciso receber depósitos e conceder crédito. Estes são os dois principais pilares para fazer a avaliação do banco e é assim que os bancos são avaliados em toda a parte do mundo em termos de dimensão.

E qual é a dimensão do BCN?

O BCN fecha 2024 como o terceiro maior banco em termos de depósitos, o terceiro maior banco em termos de stock de crédito concedido à economia cabo-verdiana, o terceiro maior banco em termos de distribuição de balcões. Estamos a crescer. Inauguramos o escritório de Sucupira, que gostaria aqui de fazer uma referência, porque tem sido um escritório com um crescimento enorme. Estamos no pulmão daquilo que é a actividade empresarial da Praia, abrindo aos sábados aquela agência exatamente para poder prestar um serviço de maior qualidade e proporcionar aos nossos clientes as respostas para as suas necessidades específicas. Estamos a crescer forte na imigração, vamos todos os anos aos Estados Unidos e à Europa. Estivemos nos EUA no mês de Maio, estamos neste momento com uma missão no Luxemburgo e na Holanda, a que se vai seguir outra em França e em Portugal. Porque o nosso foco está também em crescer no segmento com o maior potencial de crescimento da economia cabo-verdiana. Temos um caminho a percorrer, mas posso dizer que a nossa estratégia está a surtir efeito.

Diáspora significa aposta no digital, digital também significa novas formas de interação.

Estamos neste momento naquilo que é o desenvolvimento de soluções para a diáspora, mas com essas novas soluções também vamos responder à nova geração. A minha geração é um tipo de cliente, mas a minha filha, os meus sobrinhos, a geração que está agora a começar a ganhar dinheiro vai ter uma forma de abordagem e de interação e vai exigir outro tipo de soluções, que já existem nos outros países e que imediatamente os bancos cabo-verdianos vão ter que entrar por essa onda. Fizemos uma forte aposta na nossa parte digital, fomos buscar um especialista da área que já tem experiência no desenvolvimento, não só de sistemas de pagamento, mas também do próprio desenvolvimento de aplicações bancárias, demos-lhe a responsabilidade de Chief IT Officer e estamos a procurar desenvolvimento de soluções que se adequam à realidade.

Por exemplo?

Um exemplo concreto. A actividade bancária tem uma supervisão extremamente apertada, e tem que ser assim, e uma das questões mais importantes – que quer os supervisores quer os auditores dão muita atenção – é a questão das imparidades, isto é, a probabilidade de ter perdas sobre os empréstimos que concedo. E sobre o novo modelo de imparidade que era para ser implementado, os bancos tiveram um desafio, o desenvolvimento de plataformas. Enquanto os outros bancos foram para grandes consultoras internacionais, nós fizemos um desenvolvimento in-house e a instituição internacional que estava a dar assessoria ao Banco de Cabo Verde para poder, digamos, validar os modelos de imparidade, elegeu o modelo feito in-house por técnicos cabo-verdianos como o melhor modelo de imparidade apresentado para a supervisão bancária cabo-verdiana. Por outro lado, deixa-me aproveitar para deixar algumas mensagens. A supervisão é necessária, estamos perfeitamente lúcidos do seu papel, mas a supervisão não pode ser apenas copiada, a supervisão europeia, que normalmente é o nosso referencial, e bem, terá que ter alguma adaptação à realidade nacional.

Algum caso concreto?

Vou dar o exemplo específico do ESG [Environmental, Social, and Governance, a sigla que, em português, se traduz por "Ambiental, Social e Governança". Um conceito que se refere à avaliação do desempenho de uma empresa ou organização em relação aos seus impactos ambientais, sociais e de governança] que introduz a responsabilidade sobre os riscos ambientais, sociais e de governação. Num mercado que a clientela não está preparada para dar informação suficiente sobre esta matriz, onde internamente também os sistemas não estão preparados para produzir a informação, estamos a exigir para empresas muito mais pequenas responsabilidades que na Europa são exigidas para os capitais muito maiores. Temos tido a oportunidade de dar os nossos pareceres nos anteprojetos, mas a experiência mostra-nos que, muitas vezes, as contribuições não são tidas em conta. O diálogo é um instrumento que falta.

Estamos ainda em tempos de incerteza, e basta olhar para Washington. Como é que conseguem planear neste contexto?

Em primeiro lugar, planear com este tipo de incerteza é um exercício que beira o impossível. O que se pode fazer é mitigar. Vou dar um exemplo concreto, desde que o Trump tomou o poder isso impactou directamente o balanço do BCN, sabe em que rubrica? Perdas e ganhos cambiais. Porquê? Desde Dezembro do ano passado, o dólar tem levado trambolhões atrás de trambolhões. Isso exige uma gestão muito cuidada da nossa exposição em dólares. Estamos no mundo do absurdo e o absurdo provoca efeitos. No nosso caso, o que fizemos foi limitar a exposição aos dólares ao mínimo dos mínimos. As pessoas dizem: isto não afecta Cabo Verde. Afecta! Só para terem uma noção, o nosso balanço, este ano, está afectado em 40 mil contos a menos, prejuízos em consequência da desvalorização do dólar.

O contexto fez mudar a estratégia que tinham para o curto/médio prazo?

Claro que nos obrigou relativamente à abordagem ao mercado norte-americano. Trump já anunciou – mas como ele já fez vários anúncios e depois não aplica – que vai taxar em 3,5% as remessas de imigrantes. E isso tem um impacto enorme, de forma directa, aqui em Cabo Verde. Já estamos à procura de soluções que têm a ver com a Europa.

Para o BCN, quais serão prioridades ou estratégias para os próximos tempos?

Digitalização. Digitalização dos processos, digitalização da abertura de conta, digitalização das operações. Digitalização é o principal pilar de tudo. Precisamos de antecipar. O nosso foco vai ser esse. Obviamente, não vamos deixar de continuar com aquilo que é a razão da nossa existência: dar soluções às demandas dos nossos clientes.

E para o próprio sector, que inovações podemos esperar? Que resposta os bancos tradicionais, por assim dizer, vão dar a estes novos serviços digitais que estão a aparecer e que vão aparecer cada vez mais?

A resposta é fazer igual ou melhor, com a segurança acrescida que uma instituição bancária dá.

A banca tradicional é ainda mais transparente que os serviços online?

Nos bancos, as pessoas sabem quem eles são, quem está por trás e quem são os supervisores. Por exemplo, alguém, neste momento, apostaria em pôr todo o seu dinheiro em criptomoedas? Quando não se sabe quem está por trás. Temos de nos preocupar onde a actividade dessas fintechs trazem desafios e podem roubar clientes. Mas há uma matriz fundamental, é a matriz de quem está por trás, o suporte, a credibilidade e a solvabilidade, que é importantíssima. Há uma pressão enorme por parte de vários projectos fintechs para que lhes sejam dadas licenças, etc., mas é preciso perceber o papel de uma licença e a responsabilidade acrescida de estar a gerir fundos de terceiros. Neste momento, como disse, estou a gerir mais de 30 milhões de contos de depósitos, tenho uma responsabilidade acrescida sobre isso. Os meus capitais próprios vão crescendo, mas eu estou a gerir essencialmente dinheiro de terceiros e imponho-me responsabilidades. Daí esta supervisão enorme que temos, justificada. Posso dizer que provavelmente 40% do meu tempo é passado a tratar de assuntos de supervisão, compliance, regulação, etc.

Para onde e como é que o BCN pretende crescer?

Em primeiro lugar, queremos crescer com o enriquecimento natural dos nossos clientes. Os clientes que trabalham connosco, que se tornam fiéis, que vão crescendo com a sua actividade, que vão gerando riqueza e automaticamente vão aumentando o nível de actividade connosco. Um cliente satisfeito traz-nos dois, três clientes, Um cliente insatisfeito leva-nos sete ou oito.

E riscos? O que é que neste momento os faz estar mais alerta?

A incerteza internacional é o maior risco de todos, é o risco maior que temos enquanto economia de Cabo Verde. Automaticamente, impacta sobre os operadores económicos e, imediatamente, impacta sobre aquilo que é a indústria bancária. Esta incerteza internacional é a pior questão. Normalmente a indústria bancária vive de uma coisa que é previsibilidade, tenho que ter previsibilidade e, digamos, a minha política de crédito tem em perspectiva qual vai ser a evolução económica. E neste momento tenho, essencialmente, uma grande incerteza.

Estes tempos de incerteza alteram, de alguma maneira, a vossa responsabilidade social? Muda o foco?

Sem dúvida, sem dúvida. O BCN tem tido um papel fundamental na cultura, naquilo que tem sido a afirmação também da cabo-verdianidade em toda a sua extensão. Mas vou dar um exemplo concreto de mudança de perspectiva. O BCN fez entrega, a semana passada, à Câmara Municipal da Praia, de um edifício situado no bairro do Brasil, numa zona de forte impacto, e que demos a cedência à Câmara Municipal para poder fazer um Centro Social de Intervenção Comunitária. Os tempos são diferentes, as necessidades são outras, e a tua responsabilidade social também deve adequar-se a esta circunstância. Este é um exemplo claro e concreto que estou a dar da mudança de rumo daquilo que é a nossa responsabilidade social. Temos outros exemplos que também vão, ao longo dos próximos meses, demonstrar que o nosso foco passou a ter uma dimensão e um cariz social diferente.

Ou seja, mais solidariedade e menos entretenimento.

Resumidamente, não diria melhor.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1228 de 11 de Junho de 2025.

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Autoria:Jorge Montezinho,15 jun 2025 8:18

Editado porJorge Montezinho  em  15 jun 2025 17:16

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