“São necessários mais esforços” para reduzir a dívida – FMI

PorNuno Andrade Ferreira,19 mai 2019 9:28

O director-adjunto do Fundo Monetário Internacional (FMI), Tao Zhang, chega hoje (15) a Cabo Verde para uma visita de dois dias. Da agenda constam encontros com autoridades e empresários nacionais. Numa entrevista exclusiva, por email, ao Expresso das Ilhas, o responsável aplaude o progresso social e económico registado “nas últimas décadas” e pede a “implementação firme” de reformas.

Está em Cabo Verde para uma visita de dois dias. Que mensagem deseja transmitir?

Permita-me começar por lhe agradecer esta entrevista ao Expresso das Ilhas. Trata-se da minha primeira visita a Cabo Verde e congratulo-me com a oportunidade de ver em primeira mão os progressos alcançados pelo país e a forma como as autoridades se estão a centrar nos desafios futuros. Aguardo com expectativa o meu encontro com o Presidente Jorge Carlos Fonseca, com o governo, legisladores e o sector privado. Irei também partilhar a perspectiva do Fundo Monetário Internacional (FMI) e, mais importante, ouvir os pontos de vista dos cabo-verdianos. Espero poder discutir as oportunidades e desafios económicos do país, que incluem a estratégia de desenvolvimento das autoridades, no sentido de fomentar a impressionante ascensão de Cabo Verde para um país de rendimento médio. E, por exemplo, como aperfeiçoar a prestação de serviços sociais essenciais, melhorar as infra-estruturas, aumentar a resistência aos desastres naturais, reforçar a ligação entre as ilhas e diversificar a economia – continuando, simultaneamente, a reduzir a dívida pública. A minha mensagem para Cabo Verde é de encorajamento e apoio. Nas últimas décadas, Cabo Verde tem vivido um período de progresso social e económico impressionante. Por conseguinte, alcançou o estatuto de país de rendimento médio. Após um período difícil, a seguir à crise financeira mundial de 2008, o país está agora firmemente no caminho da recuperação. Graças, em grande medida, à implementação de reformas abrangentes, a economia tem usufruído de um crescimento robusto (na ordem dos 4% a 5,5% nos últimos três anos), de inflação baixa, de uma posição externa forte e de melhores finanças públicas. Espero, além disso, assistir à prossecução da implementação das reformas. As prioridades incluem promover o crescimento inclusivo, abordar as dificuldades financeiras de longa data nas empresas públicas, diversificar a economia e criar resistência. As autoridades demonstraram o seu empenho em abordar estes desafios. E o FMI está empenhado em apoiar os seus esforços, através de aconselhamento em matéria de política e de desenvolvimento de capacidades. Estou confiante de que com a implementação firme das reformas, Cabo Verde pode continuar a beneficiar do crescimento forte e sustentável que fomentará significativamente os padrões de vida de todos os cabo-verdianos.


Nas suas mais recentes perspectivas económicas, o FMI prevê um crescimento de 5% do PIB em 2019 e coloca a dívida pública em 120,9% do PIB. Estas perspectivas permitem que o FMI esteja confiante relativamente ao desempenho da economia de Cabo Verde?

A economia cabo-verdiana tem apresentado um bom desempenho ao longo das últimas décadas. Um crescimento económico forte, impulsionado sobretudo pelo turismo e o investimento em infra-estruturas, ajudou o país a alcançar o estatuto de país de rendimento médio. No processo, a pobreza diminuiu consideravelmente e os padrões de vida melhoraram. Os recentes desenvolvimentos macroeconómicos apoiam a nossa confiança na economia cabo-verdiana. A crise financeira mundial de 2008 afectou a economia, com a queda do turismo e do investimento directo estrangeiro. Contudo, nos últimos anos, o dinamismo do crescimento retomou, alcançando 5,5% no último ano; a inflação tem sido baixa, as finanças públicas melhoraram e o Banco de Cabo Verde conseguiu que as reservas cambiais alcançassem um nível confortável. A nossa projecção de crescimento económico, de 5% para 2019, presume que o governo prosseguirá as reformas em curso, com vista a melhorar o ambiente de negócios e a aumentar o potencial de crescimento do país. A implementação firme e efectiva do Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável (PEDS) desempenhará um papel importante no estabelecimento dos fundamentos de um crescimento económico maior e mais inclusivo no médio prazo.

A dívida pública constitui uma preocupação antiga e continua a ser referida no último relatório do FMI. A redução esperada – de 123,9% do PIB, em 2018, para 116% em 2020 – é suficientemente positiva ou o FMI recomenda esforços adicionais?

A redução da dívida pública tem sido um desafio de longa data para Cabo Verde. A dívida pública elevada actual reflecte uma variedade de factores: a diminuição do crescimento económico durante a crise financeira mundial, défices orçamentais elevados decorrentes do aumento ambicioso do investimento público, o apoio às empresas públicas com prejuízos e as flutuações das taxas de câmbio. As finanças públicas melhoraram nos últimos anos, conforme observado pela diminuição do défice orçamental de um valor superior a 4% do PIB, em 2015, para um valor inferior a 3% do PIB, em 2018. Isto ajudou a reduzir a dívida pública do seu valor máximo de 128% do PIB em 2016 para cerca de 124% do PIB em 2018. Embora isto seja louvável, são necessários mais esforços.
Estes esforços podem basear-se em três pilares. O primeiro pilar é a implementação sustentada de medidas para continuar a melhorar as finanças públicas, inclusive através do fomento da arrecadação de receitas e do reforço da gestão da despesa. O segundo pilar é avançar com a reestruturação das empresas públicas. Uma série destas empresas tem estado a lutar com situações financeiras deficientes há muitos anos, o que leva à utilização de recursos orçamentais, já limitados, para as apoiar. A reestruturação destas empresas, por exemplo, através da privatização, como foi recentemente o caso da companhia aérea nacional, TACV, tem a vantagem de eliminar a carga financeira do orçamento público, aumentando a participação do sector privado em actividades produtivas e fomentando o crescimento económico à medida que a situação financeira das empresas melhora. O terceiro pilar é melhorar o crescimento através de reformas estruturais. Estas reformas incluem medidas para diversificar a economia, melhorar o ambiente de negócios, facilitar o acesso a financiamento, nomeadamente para pequenas e médias empresas, aumentar a formação profissional, melhorar as ligações económicas entre as ilhas e criar resistência a choques relacionados com o clima e outros choques exógenos.

O governo está a implementar um programa de privatizações, a melhorar o financiamento das empresas e a alterar a administração tributária. Na sua missão mais recente, o FMI apoiou estas políticas. Num país que necessita de atrair investimento, qual deverá ser a prioridade a nível económico?

Cabo Verde tem sido capaz de atrair investimento, em particular, na indústria do turismo. Sustentar esta tendência requererá melhorias continuadas no ambiente de negócios. Isto significa, por exemplo, assegurar um ambiente macroeconómico estável através de políticas económicas sólidas e dos progressos em reformas estruturais que fomentem o crescimento. Requer igualmente infra-estruturas de qualidade e o investimento continuado em capital humano. No tocante ao capital humano, não se trata apenas de aumentar a despesa na educação, mas também de gastar melhor, alinhando os sistemas de educação e de formação com a procura no mercado de trabalho.

A economia azul, as energias renováveis e a economia circular estão a ser debatidas em Cabo Verde. As alterações climáticas estão no topo da agenda em todo o mundo, o que pode um pequeno país arquipelágico fazer para preparar a sua economia para o que está a mudar no mundo?

Trata-se de uma questão importante que salienta como as alterações climáticas têm implicações económicas abrangentes. As alterações climáticas podem, por exemplo, prejudicar a agricultura ou diminuir o turismo, dois sectores críticos para os meios de subsistência em Cabo Verde. As alterações climáticas são, assim, uma das maiores ameaças existenciais do nosso tempo. É, por conseguinte, fundamental que os países cumpram os compromissos assumidos no Acordo de Paris e avancem no sentido de uma economia mundial totalmente descarbonizada nas próximas décadas. Por isso, Cabo Verde não está sozinho nesta matéria. No FMI, e como parte do nosso trabalho, estamos a prestar orientação sobre a concepção e a implementação prática de políticas orçamentais para mitigar as alterações climáticas, assim como outros custos ambientais da energia. Em conjunto com o Banco Mundial, lançámos também as Avaliações das Políticas relativas às Alterações Climáticas, para avaliar a preparação dos países e identificar as reformas necessárias.

O FMI reviu em baixa as perspectivas de crescimento da economia mundial em 2019 (de 3,6% em 2018, para 3,3% em 2019 - antes 3,5% - e 3,6% em 2020). Deverão as incertezas em algumas das principais economias e as tensões comerciais China-EUA ser encaradas como sinais de uma nova crise?

Nas nossas recentes Reuniões de Primavera, que decorreram em Abril, em Washington, os nossos países membros concordaram que a economia mundial se encontra num “momento delicado”. A expansão mundial prossegue, mas a um ritmo mais lento do que o anteriormente previsto. Embora esperemos que o crescimento retome ligeiramente no próximo ano, as perspectivas de médio prazo continuam a ser moderadas. No entanto, precisamos de fazer mais. Um crescimento mais forte no médio prazo será também fundamental para as economias em desenvolvimento e de rendimento médio, dado que procuram alcançar objectivos de desenvolvimento sustentável. De facto, as perspectivas mais fracas nas economias avançadas reflectem, em grande medida, o abrandamento da actividade económica em algumas das principais economias. Os países emergentes e em desenvolvimento enfrentam condições de financiamento externo mais restritivas e fluxos de capital menores na sequência do aumento das taxas de juro nos EUA e de maiores depreciações da taxa de câmbio. Essencialmente, necessitamos de abordar as restantes vulnerabilidades e estar preparados para o caso de se materializar um abrandamento grave.
O nosso trabalho no FMI está orientado para a forma como a economia mundial pode melhorar o seu desempenho. No seu centro encontra-se a necessidade de acção política em três áreas complementares e que se reforçam: políticas nacionais que criem resistência e promovam a inclusão, uma maior cooperação internacional e um compromisso de trabalhar em conjunto para enfrentar os desafios mundiais mais abrangentes. Uma das questões que se destaca no tocante a estes esforços é o comércio. Temos de cooperar para solucionar as tensões comerciais e modernizar o sistema de comércio multilateral baseado em regras. O comércio livre, justo e mutuamente benéfico de bens e serviços e o investimento são impulsionadores fundamentais do crescimento e da criação de emprego – não apenas para os EUA ou a China, mas para todos, incluindo o povo de Cabo Verde.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 911 de 15 de Maio de 2019. 

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,19 mai 2019 9:28

Editado porAndre Amaral  em  20 mai 2019 7:48

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