Ao analisar o actual momento do sector turístico, realça que os destinos vão competir entre si a partir da segurança sanitária que consigam oferecer. Alector antecipa uma mudança de hábitos de consumo na indústria das viagens, com uma maior procura por destinos não massificados.
O sector turístico colapsou em Março. Em que ponto estamos agora, quase meio ano depois?
Depende do destino. Se olharmos para Cabo Verde, ainda estamos no momento de ruptura, com os voos internacionais encerrados, sem turismo interno. Isto quer dizer que o turismo em Cabo Verde está morto ou moribundo. O que vejo é que não se ficou de braços cruzados, nem os empresários, nem o governo. Acho que se estão a preparar para uma reabertura o mais cedo possível. Vi que algumas unidades hoteleiras estão a receber o selo de certificação sanitária, o que é importante. Há uma clara mudança de paradigma. Assim que o país conseguir diminuir um pouco as infecções, principalmente nas ilhas turísticas, mais no Sal, o país reabre as fronteiras. O turismo é um sector estratégico, tem um peso muito grande na nossa economia. Governo, responsáveis sanitários e população têm que se mentalizar que têm que trabalhar bem para quando as fronteiras forem abertas não terem que fechar novamente, porque seria um retrocesso muito grande, com um impacto ainda maior na nossa economia.
Perante a incerteza actual, até que ponto é possível planear alguma coisa?
Neste momento, a prioridade é garantir que podemos abrir o destino, que as empresas possam abrir as suas portas e que possamos garantir – e isso não é só papel do governo – segurança sanitária. O planeamento vai muito ao encontro de como os responsáveis sanitários, os governos, conseguem conter o vírus. Os empresários estão sempre a olhar para o número de casos e criam expectativas à volta disso. Não há muita margem para previsão, é tudo muito imprevisível. Por exemplo, um destino não fecha mas se as pessoas não vão...
A questão dos cuidados médicos disponíveis nos destinos turísticos também será relevante?
Esse é um outro problema que sempre tivemos, mesmo antes da pandemia. Nas ilhas turísticas do Sal e Boa Vista não temos a prestação de serviços de saúde que se espera do destino que queremos construir ou que pensamos que temos. Este é também um problema muito sério. Não só a questão de saber se o risco de contágio é baixo, mas o que é que acontece em caso de contágio, quais são as condições de saúde. São questões que as pessoas levantam na hora de comprar o bilhete. Sabemos que temos problemas sérios ao nível de prestação de cuidados de saúde, mas com esta questão da covid-19, ainda mais.
O que será fundamental para que um determinado destino seja capaz de competir pelos poucos turistas internacionais que existirão nos próximos meses?
A questão competitiva é muito importante. Quando o governo inglês cria corredores aéreos, automaticamente, está a criar competitividade porque eles é que dizem para onde vão os turistas. O mais importante, a nível dos destinos, é a segurança sanitária que o destino pode garantir aos visitantes. Antes falávamos da imagem, da satisfação, da morabeza, mas isso tornou-se secundário.
Que importância terá a marca Cabo Verde?
Um dos problemas de Cabo Verde é que temos alguma marca, mas ela não é trabalhada, não temos um plano estratégico de marketing. Há um concurso agora para contratar uma empresa para fazer um estudo de consultoria para criar um plano de marketing.
É uma pena, porque um destino como Cabo Verde deveria apostar, primeiro, na criação de uma marca, para promover o destino. O nosso principal mercado emissor é o europeu. Eu moro em Inglaterra há sete anos e nunca vi publicidade de Cabo Verde. Quem é que leva as pessoas para Cabo Verde? Não são os responsáveis pelo turismo do país. São os grandes operadores turísticos, os grandes grupos hoteleiros. São eles que criam a competitividade do nosso destino, são eles que dizem que destinos competem com Cabo Verde. Cabo Verde não tem uma marca, Cabo Verde tem um logótipo e uma assinatura – “Cabo Verde is something else”. O turismo começou em Cabo Verde há muitos anos, mas o boom começou a partir dos anos 2000. Nunca tivemos um plano estratégico, nunca tivemos uma política de turismo, andámos sempre às escuras. Nunca houve um plano estratégico, ou houve um e nunca foi implementado. Agora já se fala, principalmente nas últimas semanas, da Agenda 2030. Já se começa a falar de um plano estratégico para cada ilha, ancorado num plano estratégico nacional. É assim que se faz política de turismo.
Quando refere a dependência face aos operadores turísticos, até que ponto é que isso é uma vantagem ou uma desvantagem?
Esses tour operators têm todo o interesse em trazer turistas para rentabilizar os seus negócios, mas se ficarmos por aí, estamos dependentes. Como destino turístico, não temos uma marca. Vejo todos os outros destinos a trabalhar e acho que Cabo Verde está a fazer a mesma coisa, mas não temos uma marca para trabalhar. O que vamos fazer é ter, talvez, uma ‘marca zero’, criar uma campanha de promoção a partir do zero. Como não temos nada disso, ficamos dependentes dos tour operators, mas os tour operators estão todos em terra, porque não há procura suficiente. Se Cabo Verde abrir fronteiras amanhã, a TUI não voa amanhã para Cabo Verde.
Em termos de ligações aéreas comerciais regulares, que podem ser uma alternativa para a criação de fluxos turísticos, o país não tem uma grande oferta.
É aí que eu queria chegar. Países como Portugal, Espanha ou outro país europeu têm sempre voos que não são dos tour operators. As pessoas já não usam tour operators para viagens curtas. Usam as low cost, reservam os hotéis directamente.
O Alector publicou recentemente um paper sobre a fidelização dos turistas aos destinos, no caso, religiosos. Generalizando, estas ligações emocionais, no actual contexto, são particularmente importantes.
Por acaso, um dos primeiros estudos que publiquei, como aluno de doutoramento, foi sobre a lealdade dos turistas europeus a Cabo Verde. A questão da fidelização é muito importante, neste momento. Porque é que os ingleses ficaram muito contentes quando o governo abriu o corredor aéreo para Portugal? É que para um inglês o destino está no seu imaginário. Os britânicos visitam Portugal todos os anos, porque há uma fidelização. Isso é uma coisa que se constrói com o tempo e com muito trabalho, porque a fidelização, hoje em dia, é muito difícil. Não é só revisitar, é recomendar, passar a palavra, dizer coisas positivas. A morabeza pode ser muito bem trabalhada, mas não é uma coisa que aconteça de um dia para outro, é preciso uma política, uma estratégia.
Nas duas últimas décadas, tivemos vários eventos disruptivos. O 11 de Setembro, em 2001, a crise económica de 2008, a Primavera Árabe, a pandemia. Tal como no passado, teremos uma corrida para ver quem chega primeiro à nova realidade ou isto é algo circunstancial?
Depende de muitos factores e um desses factores é a vacina. Se houver uma vacina até Dezembro, esta crise vai ser mais ou menos igual a outras crises que tivemos. A diferença aqui é que esta crise não é só num espaço geográfico, é global. Estamos todos na mesma posição. Os destinos que mostrarem melhor capacidade de contenção do vírus vão beneficiar, num curto prazo. Acho que não voltaremos ao turismo que tínhamos antes, porque há uma mudança no comportamento do turista. Acho que a distribuição geográfica do turismo vai voltar, mas não como era antes. Não vamos voltar a ter um turismo massificado e descontrolado.
Que turismo teremos, então?
Temos destinos completamente descaracterizados. Quando olhamos para Barcelona, Veneza, Amsterdão, Dubrovnik, Lisboa, temos um turismo que não traz muitos benefícios às populações locais, que cria desequilíbrios enormes a nível social, económico e ambiental. As pessoas que viviam nesses centros urbanos já não podem viver neles, porque o custo de vida aumentou de tal forma que não conseguem manter-se lá. Também há o fenómeno do alojamento local. As casas são arrendadas aos turistas e uma pessoa quer arrendar casa e não consegue. No outro dia, no debate da Agenda 2030, ouvi uma pessoa dizer que a ambição de Cabo Verde é triplicar o número de turistas em 2030. Em Cabo Verde sempre falamos em números, mas o mais importante é a qualidade e não a quantidade de turistas que recebemos. Temos que criar um destino inclusivo, tanto para os turistas, como para as pessoas que vivem no destino, que trabalham no destino. Só assim poderemos ter um turismo sustentável a longo prazo. Há uma consciencialização dos consumidores para evitar lugares massificados. Estamos no auge da pandemia, mas há uma procura por espaços que não eram explorados. Há uma tendência para o turismo rural. Então, há uma mudança no comportamento do consumidor. Em Cabo Verde, isto é uma coisa que poderíamos explorar muito bem, mas não temos condições para isso. Temos ilhas fantásticas, que não são tão turísticas, como Santo Antão, Fogo, São Nicolau, Santiago, que têm muito potencial, principalmente na componente de turismo rural, mas temos o calcanhar de Aquiles, que são os transportes. Há uma oportunidade, mas isso depende da politica e da estratégia que o país quer seguir para aproveitar esta mudança de paradigma no comportamento do consumidor.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 979 de 2 de Setembro de 2020.