“Quando falamos de actualização tarifária apenas cometemos um erro. E este erro foi de usar a mesma grelha de tarifário do tempo do PAICV. Acreditávamos que essa grelha tarifária serviria para os novos tempos. Não serviu. E o Governo foi humilde o suficiente para recuar e rever toda essa alternativa”, afirmou Abraão Vicente, no parlamento.
Antes desta intervenção, o PAICV, na sua declaração política, durante a segunda sessão parlamentar ordinária, que decorre na Assembleia Nacional, na Praia, através do deputado Démis Almeida acusou o Governo de manter “uma postura omissa quanto ao seu dever de acompanhar e avaliar o desempenho” da concessionária dos transportes marítimos, a CV Interilhas, e que “nunca aplicou” qualquer sanção contratual relevante.
“Nunca teve a coragem de sequestrar a concessão e assumir a exploração do serviço, ou de, por fim, resolver, o contrato de concessão por manifesto incumprimento da concessionária”, afirmou Almeida, criticando ainda a adenda ao contrato de concessão do serviço público de transporte marítimo interilhas de passageiros e carga com a CV Interilhas, assinado em 21 de abril, um dia após a entrada em vigor dos novos tarifários, com aumentos até 80%.
“A forma amadora, atabalhoada e incompetente como este dossiê vem sendo conduzido demonstra que o Governo do MpD do senhor Ulisses Correia e Silva não vem defendendo os interesses do Estado e do povo cabo-verdiano, preferindo, antes, sacrificá-los no altar de interesses privados, escusos e ilegítimos”, apontou.
O deputado considerou Olavo Correia e Abraão Vicente “não têm condições políticas para continuar a dirigir, respectivamente, as tutelas Financeira e Sectorial do serviço público de transportes marítimos interilhas, o que, em qualquer democracia consolidada do mundo, levaria à demissão destes titulares”.
“O PAICV pediu a demissão da senhora Sara Lopes [ministra das Infraestruturas e Transportes no Governo do PAICV] quando nove navios afundaram e vidas humanas foram perdidas? Não. Tenhamos coerência, senhores deputados”, reagiu, no parlamento, Abraão Vicente.
O ministro do Mar garantiu que o Governo aplicou sanções à concessionária por incumprimentos antes da assinatura da adenda ao contrato de concessão.
“Nós penalizamos, sim, a concessionária pelo não cumprimento do contrato anterior. Há mais de 600 milhões de escudos e sanções em cálculo do período entre 03 de Janeiro a 20 de Abril, exactamente porque nós tencionamos cumprir e fiscalizar integralmente o novo contrato. Desde que o novo contrato entrou em vigor há uma semana não tem havido atrasos e tem havido o comprimento total do novo contrato”, assegurou.
Abraão Vicente acrescentou ainda que será feito um investimento público de 15 a 20 milhões de dólares, com sete anos de carência, para comprar novos navios para os transportes marítimos.
“É um facto. E dentro de semanas adicionaremos esse novo contrato para a construção de dois navios novos para Cabo Verde”, anunciou ainda.
O Presidente da República, José Maria Neves, afirmou na quarta-feira ter sido “absolutamente apanhado de surpresa” com a decisão do Governo de aumentar até 80% as tarifas dos transportes marítimos, contrariamente ao que prevê a Constituição.
José Maria Neves fez uma declaração ao país, a partir do Palácio Presidencial, na Praia, durante a qual criticou o Governo pelo “retrocesso em sectores vitais” do país e por decisões cuja lógica e propósito “não se entendem”.
O executivo anunciou na segunda-feira a suspensão das novas tarifas de cargas no transporte marítimo interilhas, embora mantendo as de passageiros, após muita contestação à medida.
Conforme actualização decidida pela Direcção Nacional de Política do Mar, que entrou em vigor em 20 de Abril, as tarifas dos transportes marítimos interilhas em Cabo Verde subiram 80% para cidadãos não residentes e 20% para residentes.
Nesta actualização verificam-se igualmente aumentos na tarifa base da carga geral, na ordem dos 17%, bem como de 20% no transporte de mercadorias em câmaras frigoríficas e no transporte de animais vivos. Segundo o executivo, cujos ministros responsáveis pelo sector estiveram reunidos no domingo com o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, a suspensão das tarifas de cargas resultou de uma “apreciação e análise” sobre os impactos imediatos desta actualização, principalmente nas ilhas de Santo Antão e São Vicente, Fogo e Santiago, “pela forte ligação histórica e pela forte dinâmica de carga rolada em ambos os sentidos”.
A concessão do serviço público de transporte marítimo interilhas de passageiros e carga foi entregue, após concurso público internacional, à CV Interilhas, detida em 51% pela portuguesa Transinsular (Grupo ETE), por um período de 20 anos.
As novas tarifas entraram em vigor um dia antes de o Governo e a Cabo Verde Interilhas terem assinado uma revisão da concessão dos transportes marítimos de passageiros e carga, pouco mais de três anos depois do primeiro documento.
De acordo com a minuta da revisão, o Estado cabo-verdiano vai pagar anualmente 6,6 milhões de euros à CV Interilhas, montante que será actualizado no início de cada ano, no âmbito da concessão.
A revisão do contrato estava em curso há vários meses, após críticas de parte a parte ao modelo vigente e serviço prestado.