A única questão reside na capacidade do partido Servidor do Povo (Sluha Narodum, SN) de Zelensky garantir uma maioria que lhe permita governar sozinho, ou ser forçado a uma coligação com outra formação.
Ao prometer “quebrar o sistema”, Zelensky esmagou o seu antecessor, Petro Poroshenko – no poder entre 2014 e 2019 – com 73% de votos na segunda volta das presidenciais em Abril.
Na sua campanha, prometeu mudanças radicais nesta ex-república soviética de 42 milhões de habitantes, um dos países mais pobres da Europa, minado pela corrupção e envolvido num penoso conflito com os separatistas pró-russos do leste do país.
O ex-comediante e empresário de espectáculos, 43 anos e sem experiência política, dissolveu um parlamento que se revelou hostil e convocou legislativas antecipadas para beneficiar da vaga de popularidade e sem esperar pelo escrutínio previsto para Outubro.
Em Junho, e apesar de ainda não ter adoptado medidas fracturantes, um estudo referia que 67% dos ucranianos aprovavam a sua acção.
Uma sondagem divulgada na terça-feira pelo ‘think tank’ (fórum de discussão de ideias) não-governamental Centro Razumkov fornecia ao SN 41,5% das intenções de votos, seguido da Plataforma Opositora-Pela Vida dos pró-russos Yury Boyko e Viktor Medvedchuk, um aliado próximo do Presidente russo Vladimir Putin, com 12,5%.
Na terceira posição, com 8,8% surge o Golos (Voz) de Svyatoslav Vakarchuk, líder da banda rock Okean Elzy (Oceano Elzy), que ultrapassa o Solidariedade Europeia (YS), o partido de Poroshenko (8,3%). No entanto, um outro estudo credita o Golos com 4% das intenções de voto, insuficiente para entrar no parlamento.
No quinto lugar surge o Batkivschina (União pan-ucraniana ‘Pátria’), da ex-primeira-ministra Yulia Tymoshenko, com 7% dos votos, segundo a sondagem do Centro Razumkov.
As restantes formações não alcançam o mínimo exigido de 5% para obter representação parlamentar.
De acordo com a lei eleitoral, metade dos 450 deputados do parlamento unicameral (Verkhovna Rada, Rada Suprema) são eleitos durante cinco anos por escrutínio proporcional e os restantes por escrutínio maioritário a uma volta.
No entanto, 26 deputados não poderão ser designados na Crimeia, península anexada pela Rússia em 2014, e nos territórios do leste controlados pelos separatistas, onde o conflito já provocou mais de 13.000 nos últimos cinco anos.
O Servidor do Povo e o Golos optaram por privilegiar nas suas listas deputados mais jovens e sem experiência política, uma alteração sem precedentes num país onde o palco do poder foi sempre dominado, desde a independência em 1991, por políticos que se formaram na ex-URSS.
Especialistas admitem que até 75% dos deputados eleitos sejam estreantes nas lides parlamentares.
No início da semana, e ao perspectivar possíveis alianças pós-eleitorais, a ex-primeira-ministra Tymoshenko propôs ao partido de Zelensky a formação de uma coligação de forças pró-ucranianas e pró-europeias na Rada Suprema, mas sem representantes do anterior governo.
“Propomos, com independência e caso o Presidente tenha uma maioria, ou não, unir todos os partidos democráticos pró-europeus no parlamento”, assinalou a dirigente do Batkivschina em declarações num programa televisivo.
“Não considero o poder anterior como tal, porque existiam frases patrióticas e pró-europeias mas a política era corrupta e de empobrecimento”, referiu, numa alusão ao Bloco Petro Poroshenko, que controlava 144 lugares no parlamento.
Na anterior legislatura, iniciada em 2014 na sequência da revolta pró-europeia do Maidan, foi formada uma coligação com cinco partidos pró-europeus – onde se incluíam as formações de Poroshenko, de Timoshenko, ou a nacionalista Frente Popular, do ex-primeiro-ministro Arseniy Yatsenyuk –, mas que se desintegrou a partir de 2016.
O fim desta aliança permitiu a Zelensky justificar a convocação de legislativas antecipadas, uma decisão associada ao que definiu como uma crescente falta de confiança da população na Rada Suprema, hostil ao novo chefe de Estado.
De acordo com a Constituição ucraniana, o primeiro-ministro é designado pelo parlamento, sendo admissível uma coabitação no poder, e que seria um revés para Zelensky.
Perante este ameaça, o Presidente desencadeou diversas iniciativas, em particular a resolução do conflito no leste do país – manteve em 11 de Julho e pela primeira vez uma conversa telefónica com Putin –, que podem influir nos resultados eleitorais.
O Presidente ucraniano propôs previamente a ampliação do formato negociador do grupo da Normandia (Ucrânia, Rússia, Alemanha e França) com a entrada dos Estados Unidos e Reino Unido. E Putin já referiu que não se opõe à proposta.
Uma importante troca de prisioneiros entre as duas partes, incluindo os 24 marinheiros ucranianos detidos no Mar de Azov em Dezembro, está também a ser discutida entre as duas partes.
Em paralelo, Zelensky lançou uma ofensiva contra Poroshenko e membros do seu governo, para que sejam impedidos de exercer cargos públicos, ao alegar um “diagnóstico desolador”.
Um novo projecto-lei prevê o afastamento de altas funções de todos os que exerceram cargos de responsabilidade entre 23 de Fevereiro de 2014 e 19 de Maio de 2019 (o período presidencial de Poroshenko), e que não apresentaram a sua demissão.
O ex-Presidente referiu-se a uma proposta “inspirada por forças anti-ucranianas” e considerou que a lista de pessoas que se pretendem inabilitar é semelhante “aos que foram submetidos a sanções pelo Estado agressor por defender a Ucrânia”, numa referência à Rússia.
Na opinião de Poroshenko, o projecto-lei de Zelensky “é uma prova da vingança pró-russa, porque pretende substituir políticos patriotas por marionetas que cumprem as ordens do Kremlin”.
Perante estas divergências insanáveis, o controlo do parlamento será decisivo para o novo Presidente, e mesmo que a inexperiência de muitos candidatos esteja a suscitar dúvidas sobre a sua eficácia para lidar com os inúmeros problemas políticos, económicos e sociais do país.