Como avalia as estratégias de contenção da pandemia adoptadas pela generalidade dos países africanos?
É importante conter a pandemia, especialmente sabendo que os serviços de saúde africanos não poderão lidar com a crise se forem sobrecarregados. É por isso que a maioria dos governos adoptou medidas globais, como distanciamento social e lockdowns. Isso é bom, mas não há como negar que as condições sociais, económicas e políticas do continente tornam a implementação uma tarefa intimidadora. Pessoalmente, recomendo que as medidas globais sejam adaptadas às condições locais, para uma implementação bem-sucedida. Por exemplo, o uso de agentes para sensibilizar as pessoas, como líderes comunitários, voluntários ou líderes religiosos. Igualmente, os governos também devem incentivar o conhecimento e o recurso às tecnologias locais. As universidades do Gana lançaram no mercado desinfectantes para as mãos, o Institute Pasteur do Senegal desenvolveu um kit de teste a um dólar e na Nigéria os empresários estão a fabricar equipamentos de protecção individual. Estas estratégias devem ser replicadas, para benefício do continente.
Em muitos países africanos, a economia informal é predominante. As pessoas garantem o seu rendimento numa base diária. Se se são impedidas de o fazer, o que é que isso pode significar?
Esse facto acabará por distorcer os esforços de implementação de medidas. Como já observámos, as pessoas estão a negligenciar as regras para poderem gerir os seus negócios, para encontrarem meios de subsistência e isso é compreensível, pois a maioria das pessoas vive do ‘mão para a boca’. Em países como a Nigéria, por exemplo, observamos um aumento das actividades criminosas, as pessoas ignoraram as regras de distanciamento social para lutarem pelos alimentos distribuídos pelo governo. Não temos um sistema de protecção social adequado para atender às necessidades. Infelizmente, não há confiança no governo. Isto significa que os desempregados e outros grupos vulneráveis são deixados à sua própria sorte. Os governos devem elaborar políticas fiscais, programas de alimentação, saúde e outros benefícios sociais.
Com as medidas que têm sido tomadas, os governos estão a proteger as pessoas ou protegem-se a si próprios?
As medidas têm como objectivo proteger as pessoas da pandemia e evitar que as unidades de saúde sejam sobrecarregadas. No entanto, o que posso dizer é que os africanos estão a desempenhar papéis mais activos nas eleições e aquilo que os líderes políticos fizerem nesta ocasião não será esquecido.
Como é que se explica, então, um certo mimetismo nas medidas, nomeadamente copiando o que está a ser feito na Europa?
Não há nada de errado em aprender com outras regiões. Isso só se torna problemático quando se copia e cola, desconsiderando a estrutura da sociedade. É aí que o mimetismo se torna totalmente inútil.
Deixe-me retomar uma ideia que referiu há pouco. Em muitos países, assistimos a um aumento na violência e repressão policial. Era inevitável que acontecesse?
Violência e repressão nunca devem ser uma opção. Em alguns casos, em que houve violações das medidas adoptadas, a polícia foi chamada a manter a lei e a ordem. Isso aconteceu mesmo na Alemanha, quando alguns clubes e bares de Berlim continuaram abertos. No caso africano, o meu medo é que estas possam ser as condições ideais para corrupção e violações dos direitos humanos. Estas situações nunca devem exigir violência ou repressão e os governos devem ser denunciados e responsabilizados.
Parece-lhe que algumas democracias mais frágeis poderão estar em risco?
Todos os estados estão em risco, neste momento. A pandemia traz consigo muitas implicações políticas, sociais e económicas que afectarão os estados em diferentes graus. Eu e um colega, o Dr. Boateng, propusemos já a definição de uma estratégia de emergência para mitigar os choques que o continente africano enfrentará como resultado da pandemia.
Que lições devemos retirar de toda esta crise?
O vírus não criou novos desafios económicos e políticos ao continente africano, apenas exacerbou desafios antigos. Esta crise serve como parte de uma série de alertas para que os governos abordem os desafios de governança e coordenem com as organizações regionais e continentais a maneira de os enfrentar.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 962 de 6 de Maio de 2020.