Triliões de dólares em estímulos, por causa da pandemia, alimentaram um aumento da procura nos consumidores, o que levou as empresas a acumular stocks difíceis de obter.
“Quando converso com alguns empresários noto um certo pânico de que as suas cadeias de abastecimento serão afectadas”, disse a diretora-geral da Organização Mundial do Comércio, numa entrevista concedida esta terça-feira, durante o Financial Times Africa Summit.
O que aconteceu, como conta Okonjo-Iweala, foi que as companhias de navegação não previram a força da recuperação. “Reduziram a disponibilidade de contentores, que foram deixados nos lugares errados, agora, faltam contentores”.
Com a temporada de férias a aproximar-se em muitas zonas do mundo, essas dificuldades devem persistir, sublinhou a diretora-geral da OMC.
Além disso, as diferentes taxas de vacinação estão a agravar os problemas, disse Okonjo-Iweala, criando uma recuperação global a dois níveis: enquanto algumas economias voltaram à vida, outras vacilaram.
Os países ricos que “vacinaram mais de 50 por cento de sua população e implementaram um estímulo fiscal muito forte de biliões de dólares estão num caminho de recuperação melhor do que os países mais pobres que não têm espaço fiscal e que também têm muito pouco acesso às vacinas”, referiu a economista nigeriana.
“O facto de 60% ou mais das pessoas em muitos países ricos terem sido vacinadas, em comparação com pouco menos de 2% nos países pobres, já nos mostra a taxa de afastamento.”
Para Okonjo-Iweala, a liderança global falhou ao não conseguir garantir uma distribuição mais equitativa de vacinas em todo o mundo.
“Temos a tecnologia para salvar vidas, mas parece que não conseguimos chegar onde é necessário”, disse. Os países ricos tinham prometido centenas de milhões de doses para os mais pobres, mas “[estas palavras] simplesmente não estão a ser traduzidas em distribuição” para onde são necessárias.
Okonjo-Iweala aproveitou para minimizar as preocupações de que o comércio entre a China e os EUA pudesse levar a uma desagregação do comércio mundial, o que prejudicaria o crescimento. “Quando ouvimos a retórica entre os dois países, podemos ter essa desunião, mas as evidências que vemos no terreno em relação ao comércio não apoiam essa teoria da separação”, acrescentou.
Já o comércio entre a UE e a China é robusto. “As estatísticas sobre o comércio de mercadorias entre as grandes potências são muito fortes.” Mesmo que quisessem, os países não poderiam separar-se tanto quanto desejam. “Não é assim tão fácil desfazer cadeias de abastecimentos”.
O continente africano não foi esquecido por Okonjo-Iweala, com a diretora-geral da OMC a considerar que a Área de Livre Comércio Africano, que compreende 54 países e entrou em vigor este ano, tem o poder de transformar o potencial comercial e industrial do continente, apesar de África ser responsável por apenas cerca de 4% do comércio mundial.
“Embora a área de livre comércio precise de melhorias significativas nos quadros regulatórios, bem como na infra-estrutura física entre os países, a criação de um mercado único de 1,3 bilião de pessoas tem um enorme potencial para reverter décadas de desindustrialização”, concluiu.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1038 de 20 de Outubro de 2021.