Pela primeira vez desde a sua fundação, em 1995, a Organização Mundial do Comércio deverá ser liderada por uma mulher. Aos 66 anos, a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala é a única candidata ao cargo de director-geral, depois da desistência da sul-coreana Yoo Myung-hee, na passada sexta-feira. Assim que a escolha for oficializada, o que deverá acontecer no próximo dia 15, Ngozi será também a primeira pessoa de origem africana a ocupar o cargo.
Desde Outubro passado, quando foi anunciada, com Myung-hee, como uma das finalistas, Ngozi já era considerada a candidata com maior apoio, como declarou a própria OMC na altura.
No entanto, para que alguém possa ser escolhido director-geral da organização, é preciso que a escolha seja unânime pelos 164 membros. Na altura, o presidente norte-americano Donald Trump apoiava a candidata sul-coreana, o que atrasou a escolha.
O cenário só se alterou depois da eleição de Joe Biden. Na sexta-feira, assim que Myung-hee se retirou da corrida, o Escritório do Representante do Comércio dos Estados Unidos emitiu um comunicado onde expressava o apoio a Ngozi.
“[Ngozi] é amplamente respeitada pela sua liderança eficaz e tem experiência comprovada na gestão de uma organização internacional com diversos membros”, lia-se no documento.
Já o ministério de Myung-hee, também em comunicado, garantia que “a Coreia do Sul continuará a dar várias contribuições para restaurar e reforçar o multilateralismo. Esforçar-se-á especialmente para desempenhar um papel de liderança em questões globais, incluindo a reforma da OMC, bem como a economia digital e as alterações climáticas”.
Myung-hee e Ngozi eram as duas últimas concorrentes ao lugar cimeiro do organismo que tem sede em Genebra, depois de candidatos de seis outros estados membros se retirarem da corrida.
Quem é Ngozi Okonjo-Iweala?
Nascida em 1954, em Ogwashi-Uku, no Sul da Nigéria, Ngozi cresceu numa aldeia, educada pela avó até aos 9 anos, porque os pais tinham ido estudar para fora do país. Professor renomado, o pai era um brigadeiro da região do Biafra, que perdeu tudo durante a guerra civil se instaurou no país, entre 1967 e 1970.
Apesar das dificuldades, em 1973 Ngozi consegue mudar-se para os Estados Unidos, onde estudou economia em Harvard. Oito anos depois, em 1981, tornou-se PhD pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT).
Durante 25 anos, a economista trabalhou no Banco Mundial, onde ocupou, durante quatro anos, o segundo cargo mais alto da hierarquia da instituição financeira. No Banco Mundial, Ngozi liderou iniciativas para auxiliar os países mais pobres, conseguindo mais de 50 mil milhões de dólares para essas nações.
Foi, por duas vezes, ministra das Finanças da Nigéria, onde conseguiu negociar uma redução da dívida externa, implementar reformas económicas bem sucedidas e conter esquemas de corrupção no sector do petróleo.
Esta luta contra a corrupção atraiu a raiva dos que eram beneficiados por estes esquemas, o que levou ao sequestro da mãe de Ngozi, em 2012. Em troca da libertação da idosa de 82 anos, os raptores exigiram, para além de um resgate, que a ministra renunciasse ao cargo.
“Eu sabia que o maior interesse que eu tinha atacado com o meu trabalho anticorrupção era o de um grupo inescrupuloso de comerciantes de petróleo”, disse à BBC. Ngozi recusou aceitar as exigências dos sequestradores. Cinco dias depois a mãe era libertada.
Se a candidatura à OMC for aprovada, como tudo indica que sim, a nigeriana vai substituir o brasileiro Roberto Azevêdo, que deixou a OMC em Agosto do ano passado. Ngozi já prometeu que vai “sacudir” as estruturas da instituição e fazer reformas sob a sua liderança. Outra das ideias da antiga ministra é aumentar a participação das mulheres no comércio internacional, principalmente nos países em desenvolvimento.
O que é a OMC?
OMC é a única organização internacional que lida com as regras do comércio, entendida como um fórum de negociação multilateral para a redução de barreiras aduaneiras e não-aduaneiras ao comércio internacional e, simultaneamente, como um mecanismo de resolução dos diferendos comerciais entre os países membros. Conta atualmente com 164 membros, responsáveis por mais de 95% do comércio mundial.
A OMC tem como grande objetivo a liberalização progressiva do comércio internacional, tornando-o mais transparente e previsível, mais competitivo, não discriminatório e mais favorável aos países menos desenvolvidos.
A sua atuação é norteada por dois princípios basilares: o da Nação Mais Favorecida e o do Tratamento Nacional. O primeiro obriga a que qualquer parte estenda às demais as condições mais vantajosas que tenha atribuído a um dos membros da OMC. O segundo obriga a um tratamento dos produtos importados equivalente aos produtos nacionais, após a entrada num dado país.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1002 de 10 de Fevereiro de 2021.