"O Presidente [Donald] Trump apoiou autocratas, populistas e demagogos em todo o mundo [nos últimos quatro anos]. Esses indivíduos devem, certamente, ficar preocupados com o facto de tanto os EUA, como os seus aliados, voltarem a defender princípios como os direitos humanos, a boa governação e a luta contra a corrupção", referiu em entrevista à Lusa Anthony Gardner, embaixador dos Estados Unidos da América (EUA) para a União Europeia (UE) entre 2014 e 2017.
Contrastando o estilo de Biden, Presidente eleito dos EUA, que sempre foi "muito claro na importância que esses princípios têm para ele", com o de Trump, o Presidente cessante, que "raramente os mencionou nos últimos quatro anos", Gardner realçou, no entanto, que os Estados Unidos terão de ser "humildes" na abordagem ao resto do mundo.
"Testemunhámos, nos últimos quatro anos, que o nosso sistema, a nossa democracia, também é vulnerável. Por isso, não nos vamos tornar em pregadores desses princípios, vamos simplesmente sublinhar a sua importância, em conjunto com os nossos aliados", sublinhou o ex-embaixador.
Após quatro anos de uma administração Trump que classificou a UE de "inimiga" no comércio e se mostrou próxima ideologicamente de países como a Hungria e a Polónia, Susi Dennison, diretora do programa 'European Power' do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), considera que permanecerão "questões de fundo sobre a maneira como se deve desenvolver essa aliança dentro da UE".
Isto, referiu em declarações à Lusa, embora "a necessidade da relação transatlântica" seja visível para todos os Estados membros da UE.
"Países como a Hungria ou a Polónia - que têm resistido cada vez mais à linha europeia que defende o Estado de direito, a democracia e os direitos humanos - sentiam-se muito mais próximos de Trump do que de Biden e, por isso, as dificuldades derivadas da diversidade no seio da UE não irão desaparecer milagrosamente [com a eleição de Biden]", sublinhou Susi Dennison.
A "história dos populismos" está assim "longe de acabar", referiu a investigadora, que considera que os líderes europeus e o novo Presidente norte-americano terão de "utilizar a relação transatlântica para responder a algumas das preocupações do eleitorado" para que, a longo prazo, a eleição de Biden seja vista como "um passo positivo" na luta contra o populismo.
"Não nos podemos esquecer de que estamos agora a entrar no que se espera ser uma grande recessão económica, derivada da segunda vaga de confinamentos em muitos países europeus, e acho que podemos esperar que muitas forças populistas utilizem essa incerteza económica, essa frustração da população europeia, para o seu próprio proveito", sublinhou Susi Dennison.
Os próximos quatro anos são também vistos por Anthony Gardner como uma "janela de oportunidade aberta" pela derrota de Donald Trump, referindo que terão de ser feitos esforços para impedir que forças populistas voltem a ganhar um novo ímpeto e que um "novo Trump possa ser reeleito" tanto nos EUA como na UE.
"Os próximos quatro anos são muito importantes, teremos de dar um passo substancial para minimizar os riscos. Trump pode regressar, ou alguém como ele, ou outro tipo qualquer de populista pode regressar, tanto nos EUA como na Europa", alertou o antigo embaixador americano.
Também Urmas Paet, vice-presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros do Parlamento Europeu, realçou a necessidade de "uma cooperação profunda" entre os EUA e a UE para "equilibrar as derivas autoritárias globais, da China, da Rússia, mas também de outros poderes que não são democracias".
"O que há de mais importante para a Europa e para a segurança e bem-estar dos europeus é equilibrar, no cenário global, as derivas autoritárias. Por isso acho que os países que partilham os mesmos valores, que são democracias, têm de se manter juntos, para contrabalançar as pressões de regimes autoritários em termos de segurança, de economia e de negócios", frisou o eurodeputado estoniano.