Foram cerca de 5 horas de incerteza. Por volta da hora do almoço, um grupo de militares entrou a tiros no Palácio do Governo de Bissau. Lá dentro decorria o conselho de ministro onde estava presente o Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, e o primeiro-ministro, Nuno Gomes Nabiam. As imagens que chegavam da capital bissau-guineense mostravam corpos deitados, sob o som de tiros de bazuca e rajadas de metralhadora.
Há também relatos de que militares fortemente armados tinham-se posicionados em diferentes locais de Bissau.
Alguns membros do governo, entre os quais o ministro do Comércio e o vice-primeiro-ministro conseguiram sair do local, mas durante horas nada se soube do PR e do PM, que permaneceram no interior do edifício, cercado por soldados.
Ao fim da tarde, era já anunciado que a tentativa de golpe, levada a cabo por um grupo de soldados, fracassou. “A calma voltou a Bissau”, anunciou o Presidente Embaló no Facebook, num post onde publicou também uma fotografia sua no palácio presidencial.
Pouco depois, Umaro Sissoco Embaló fez uma declaração ao país, ao lado do primeiro-ministro, do vice-primeiro-ministro e da ministra da Justiça, agradecendo às forças de defesa e segurança por terem impedido um golpe de Estado, que constituiu um “atentado à democracia”.
Foi um “acto bem preparado e organizado e que poderá também estar relacionado com gente relacionada com o tráfico de droga”, acrescentou, lamentando toda a situação.
Entretanto, a tentativa de golpe de Estado já foi condenada pela União Africana, pela CEDEA), pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, entre outros.
Burkina Faso
Cerca de uma semana antes, um outro golpe aconteceu na África Ocidental. No Burkina Faso, um golpe militar depôs o Presidente democraticamente eleito Roch Kaboré. Esta segunda-feira, os militares anunciaram ter restabelecido a Constituição que se encontrava suspensa e nomearam o líder golpista Paul-Henri Sandaogo Damiba como presidente interino.
Esta decisão surgiu logo após a União Africana ter suspendido a participação do Burkina Faso na organização até que a ordem constitucional fosse reposta.
A constituição, composta por 37 artigos, garante a independência do poder judicial e a presunção de inocência, bem como liberdades básicas enunciadas na constituição, tais como a liberdade de movimento e a liberdade de expressão, de acordo com a declaração dos militares.
Assim, o governo militar – oficialmente nomeado Movimento Patriótico de Preservação e Restauração (MPSR) – “assegura a continuidade do Estado enquanto se aguarda a criação de organismos de transição”.
Não foi porém dada uma data para o período de transição.
A declaração não deu uma linha temporal para o período de transição, sendo que até novas eleições, o Tenente-Coronel Damiba, formalizado como presidente do MPSR será também o presidente do país.
Recorde-se que a 24 de Janeiro, soldados amotinados derrubaram o Presidente Roch Marc Kaboré para, segundo disseram, “voltar ao caminho certo”.
O golpe acontece num momento em que há um crescente descontentamento público devido ao fracasso do governo em conter a violência por parte de grupos armados. Assim, este golpe segue o mesmo padrão do que aconteceu no Mali, há 18 meses, e é alimentado pelo avance do yihadismo e incapacidade dos exércitos nacionais e da operação Barkhane liderada pela França. O desespero da população leva a que esta, como escreve o El país, “se congratule com a chegada dos militares ao poder – com revoltas de baixa intensidade – na esperança de mudança e crescente sentimento anti-francês”.
Mali
“As pessoas vêem as coisas a dar para o torto e culpam disso o governo ou culpam a França”, afirma Ibrahim Yahaya Ibrahim, analista da África Ocidental no International Crisis Group no Níger, citado no Público.
Entretanto, recorde-se em Agosto de 2020 os militares assumiram o controlo do Mali. Pouco depois do golpe de 2020, o chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, anunciou uma retirada da África Ocidental que se espera reduzirá a sua força mais ou menos para metade.
A seguir, no final do ano passado, chegaram as notícias de que o Mali ia assinar acordos com empresa de segurança russas – um desenvolvimento que os líderes do país negam – e Macron garantiu que os soldados franceses não combateriam ao lado de mercenários russos.
À instabilidade junta-se o facto de os militares pretenderem estar mais cinco anos no poder para completar a transição – algo que já levou a um regime de sanções severas por parte da Cedeao. Quando o Mali adiou essas eleições que iriam restaurar a democracia para 2026, as 15 nações da Comunidade decidiram fechar as fronteiras e interromper as transacções comerciais com o país. A junta da Guiné, também sob regime militar, recusou-se a alinhar, abrindo uma via de salvação essencial para Bamako. Ou seja, o facto de haver cada vez mais governos militares poderá por em causa toda a ordem garantida em função da democracia.
“As reacções da CEDEAO vão ser cada vez mais desafiadas por países que sentem que abordar as questões de segurança é muito mais importante que restabelecer a ordem constitucional”, explica Ousmane Diallo, investigador da Amnistia Internacional em Dakar, no Senegal.
Guiné-Conacri
Como referido, também a Guiné-Conacri sofreu um golpe de estado militar. Foi em Setembro passado. Contudo, há diferenças em relação aos golpes do Mali e Burkina Faso, uma vez que o principal motivo foi a intenção do Presidente Alpha Condé de permanecer no poder para além dos dois termos previstos na constituição. Essa decisão levou a numerosos protestos de cidadãos que foram duramente reprimidos.
Mas ao contrário do que aconteceu agora no Burkina Faso, nem o Coronel Assimi Goïta no Mali, nem Tenente Coronel Doumbouya, líder da junta militar na Guiné, cumpriram ainda a sua promessa de regressar à ordem constitucional, nem dão sinais de pretender abandonar rapidamente o poder.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1053 de 2 de Fevereiro de 2022.