Deportação de migrantes para o Ruanda avança no Reino Unido

PorExpresso das Ilhas,15 jun 2022 17:45

O plano do governo britânico para deter o fluxo de “migrantes ilegais” conhece uma nova etapa com o primeiro voo de deportados para o Ruanda, apesar das críticas da ONU e de grupos de direitos humanos.

A Justiça britânica indeferiu, esta segunda-feira, o recurso interposto por grupos de defesa dos direitos humanos contra os planos do governo de deportar para o Ruanda os migrantes que entram no país de forma ilegal. O juiz Rabinder Singh disse que não podia interferir com uma decisão judicial anterior.

As últimas horas de terça foram de uma luta feroz, quase migrante a migrante, entre o governo britânico e as ONG ligadas aos direitos humanos. Ao final da tarde, a Care4Calais, uma das ONG, dizia no Twitter que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tinha parado a deportação de um dos sete homens que deviam sair da Inglaterra.

Também esta terça-feira, a ministra dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, Liz Truss, confirmou que o primeiro voo com migrantes ilegais deportados devia partir para Kigali, capital do Ruanda, sublinhando que qualquer pessoa que evitasse esse voo devido a procedimentos legais seria metida num voo posterior.

O acordo entre o Reino Unido e o Ruanda

O Ruanda assinou, em Abril, um acordo com Londres para acolher migrantes e requerentes de asilo de várias nacionalidades provenientes do Reino Unido. O anúncio foi feito em Kigali, durante uma visita da ministra britânica do Interior, Priti Patel, ao país.

“O Ruanda congratula-se com esta parceria com o Reino Unido para acolher os requerentes de asilo e migrantes, e oferecer-lhes formas legais de viver no país”, afirmou na altura o ministro ruandês dos Negócios Estrangeiros, Vincent Biruta, numa declaração divulgada pela agência France Presse.

O plano do Governo britânico é reenviar homens solteiros que chegam ao Reino Unido provenientes do outro lado do Canal da Mancha em pequenas embarcações, fazendo-os voar 6.400 quilómetros até ao Ruanda, enquanto os seus pedidos de asilo são processados.

Simon Hart, ministro do Governo do País de Gales, indicou que o acordo custará ao Reino Unido cerca de 120 milhões de libras (144,5 milhões de euros) e tem como um dos objetivos “quebrar” o modelo de negócio dos bandos criminosos de tráfico de pessoas.

“Se tivermos um acordo com o Governo ruandês para um tratamento adequado e humano destas pessoas, então os bandos criminosos aperceber-se-ão de que a sua potencial fonte de rendimento irá secar”, explicou Hart.

As críticas

De acordo com o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), esta lei, a ser aprovada, violará a Convenção de Genebra sobre os Refugiados, que o Reino Unido assinou.

Steve Valdez-Symonds, diretor da Amnistia Internacional do Reino Unido para os refugiados, citado pela AP, considerou a “ideia do Governo (britânico) chocantemente mal concebida irá muito mais longe, infligindo sofrimento enquanto desperdiça enormes quantidades de dinheiro público”.

Valdez-Symonds sublinhou que o registo “sombrio” do Ruanda em termos de direitos humanos torna a ideia ainda pior.

Enver Solomon, director executivo do Conselho para os Refugiados, uma organização não governamental sedeada no Reino Unido, considerou que este acordo representa “uma decisão cruel e desagradável” e que não irá deter os bandos de tráfico de pessoas.

No total, mais de 160 organizações não-governamentais classificaram a medida como “cruel e mesquinha”, tendo sido também criticada por alguns deputados conservadores, enquanto o líder da oposição trabalhista, Keir Starmer, a apelidou de “impraticável” e com custos “exorbitantes”.

De acordo com o plano, os migrantes e refugiados que entram no Reino Unido de forma ilegal são enviados para o país africano, onde permanecem em acampamentos administrados pelas autoridades ruandesas enquanto os seus processos de entrada no país europeu são apreciados.

Filippo Grandi, da ACNUR, alertou que o Ruanda não tem capacidade nem infra-estruturas para lidar com este processo, havendo o risco de que alguns migrantes e refugiados sejam deportados para os países de origem.

“O precedente que isto cria é catastrófico para um conceito que precisa de ser partilhado como é o asilo”, disse, citado pela PressTV.

“Exportar essa responsabilidade para outro país é o contrário de qualquer noção de partilha de responsabilidade internacional”, acrescentou, lembrando que há muitos países em África e noutras partes do mundo que são bastante mais pobres do que o Reino Unido e que acolhem milhares e até milhões de refugiados.

Segundo a Care4Calais, cerca de 35 sudaneses, 18 sírios, 14 iranianos, 11 egípcios e 9 afegãos que fugiram dos talibãs estavam entre os mais de 130 notificados para expulsão no dia 14. Mais de 90 migrantes afetados apresentaram recursos judiciais para permanecer no Reino Unido.

O papel do Ruanda

Os críticos dizem que o Presidente ruandês Paul Kagame está a tentar apresentar o país como um aliado do Ocidente. O líder de 64 anos, há muito tempo acusado de várias violações dos direitos humanos e de silenciar a sua oposição política, tem um historial de tomar medidas que agradam aos Governos estrangeiros.

O acordo de asilo do Reino Unido pode ser visto, segundo analistas, como uma extensão da abordagem pró-ocidental de Kagame. O Presidente, contudo, defendeu o acordo, dizendo que não se tratava de “comercializar pessoas”, mas que ofereceria uma oportunidade aos requerentes de asilo de começarem uma nova vida.

“O facto é que o Ruanda tem um historial abismal de direitos humanos. É um país onde a liberdade de expressão não é respeitada”, disse Lewis Mudge, diretor da Human Rights Watch para a África Central, à DW. Em 2021, o Ruanda foi classificado em 156º lugar entre 180 países no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF). 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1072 de 15 de Junho de 2022. 

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Autoria:Expresso das Ilhas,15 jun 2022 17:45

Editado porA Redacção  em  3 mar 2023 23:27

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