“A inserção internacional da Argentina passa necessariamente pela aliança estratégica com o Brasil. Com Lula, o Brasil terá um protagonismo internacional do mais alto nível, ao contrário dos quatro anos de Bolsonaro, durante os quais o Brasil ficou praticamente isolado. Para a Argentina, significa uma projecção internacional associada ao Brasil”, explica à agência Lusa o analista internacional Jorge Castro, uma referência.
Durante uma conferência de imprensa em Brasília, horas antes da visita de Lula a Buenos Aires, o secretário das Américas da Diplomacia brasileira, Michel Arslanian Neto, afirmou: “Não se pode dizer que a relação entre Brasil e Argentina, tão densa e tão forte, esteve paralisada nos últimos três anos, mas claramente foi uma relação subaproveitada e agora há um espírito de urgência para colocar essa relação em marcha forçada nos vários campos estratégicos que nos une.”
Paralelamente, o Ministério das Relações Exteriores argentino emitiu uma nota a anunciar que, na segunda-feira, os Presidentes Lula e Alberto Fernández “assinarão acordos para cooperação em Soberania Energética e Integração Financeira, Defesa, Saúde, Ciência, Tecnologia e Inovação, além de um acordo de cooperação Antárctico”.
“Na verdade, acordo mesmo será apenas o da Antárctida para logística e pesquisa científica. Os demais serão entendimentos interinstitucionais que estabelecem uma moldura e parâmetros para o relançamento de variados temas”, esclareceu Arslanian Neto.
De todos, os dois acordos mais estratégicos e urgentes para a Argentina são os da soberania energética e integração financeira.
Na reserva patagónica de Vaca Muerta, a segunda maior jazida de gás de xisto e a quarta de petróleo não-convencional do mundo, há suficiente gás para abastecer toda a Europa, mas falta à Argentina recursos financeiros para construir um gasoduto e uma planta que permita exportar essa energia.
Por outro lado, há um enorme mercado brasileiro com interesse de diminuir a sua dependência do gás boliviano e que possui o que a Argentina requer: dinheiro para financiar um gasoduto que chegue até o Sul do Brasil.
“Há um propósito muito claro dos dois países, com um impulso no mais alto nível, de avançar em temas como integração energética. A integração gasífera tem um grande potencial para ser um dos eixos estratégicos da nossa relação. O sector privado argentino e o Governo têm muito interesse em avançar no gasoduto. É um tema que merece toda a atenção do Brasil”, apontou o secretário Michel Arslanian Neto.
“A Argentina tenta avançar de forma acelerada com a extensão dos gasodutos provenientes de Vaca Muerta ao Sul do Brasil. O BNDES (Banco Nacional brasileiro de Desenvolvimento Económico e Social) financiaria os canos fabricados no Brasil pela empresa Techint (argentina)”, indica o analista internacional Jorge Castro.
Quanto à integração financeira, o Banco Central argentino tem urgência por conter a saída de dólares das suas escassas reservas internacionais.
O objectivo é levar, paulatinamente, o comércio bilateral com o Brasil, seu principal mercado, ao uso de uma moeda comum entre os dois países, evitando o uso de dólares. O projecto contempla ainda ser o embrião de uma moeda comum a outros países da região.
“A ideia é estabelecer uma moeda comum para operações comerciais. Não se trata de uma moeda única que substitua as moedas nacionais (real e peso), mas uma moeda comum para fazer a compensação no comércio”, antecipou o subsecretário para América Latina da Diplomacia argentina e assessor de integração regional do ministro da Economia, Sergio Massa.
A visita oficial de Lula à Argentina na segunda-feira antecede a participação de Lula, no dia seguinte, na Cimeira da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), na qual participam os 33 países da região, inclusive o Brasil que regressa ao fórum regional do qual Bolsonaro retirou o Brasil em Janeiro de 2020, alinhado com os interesses de Donald Trump de esvaziar a voz de Cuba, Venezuela e Nicarágua, regimes autoritários da região.
Depois da Argentina, Lula visita o Uruguai, na quarta-feira, para uma reunião com o presidente Luis Lacalle Pou.
“A ideia força desta primeira missão é que, passadas apenas três semanas da posse (de Lula), o Brasil volta ao mundo com uma primeira escala obrigatória na região, começando pela Argentina. Isso marca um contraste com o período que precede e uma visão da dinâmica de integração estratégica”, concluiu o secretário Michel Arslanian Neto.