Brasil e a prioridade à África lusófona

PorExpresso das Ilhas,14 mai 2023 13:45

No início do mês, Lula da Silva recebeu o primeiro-ministro de Cabo Verde
No início do mês, Lula da Silva recebeu o primeiro-ministro de Cabo Verde

Presidente Lula da Silva vai intensificar agenda com países africanos em viagens ao continente. Mas especialistas vêem repetição de estratégia e colocam resultados em dúvida

Depois das viagens por países como Argentina, Uruguai, Estados Unidos, China, Portugal, Espanha e Reino Unido e de participar do G7 no Japão no próximo dia 20, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dará continuidade à agenda internacional. Dessa vez, o chefe do Executivo deverá visitar África pelo menos em duas ocasiões com o objectivo de estreitar as relações Sul-Sul.

Em Julho, participará na reunião da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em São Tomé e Príncipe, e em Agosto o encontro dos Brics, grupo de países que junta Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Lula deve ainda visitar outros países africanos, como Angola e Moçambique, mas o itinerário ainda não está fechado, segundo fontes de Brasília que falaram com o jornal Estado de Minas.

No início do mês, ao receber a visita do primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, o chefe do Executivo destacou que África, com 1,2 biliões de habitantes, voltará a ser uma prioridade para o país. No governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a região foi desprezada e chegou a fechar postos de embaixadas. Nos dois primeiros mandatos, Lula foi ao continente africano em 12 ocasiões e passou por 21 países.

“Em meus dois primeiros mandatos, promovemos o reencontro do Brasil com o continente africano. Visitei a África 12 vezes, fui a 21 países e visitei Cabo Verde em duas ocasiões. Agora a África voltará a ser uma prioridade para o Brasil, sobretudo o relacionamento com os países africanos lusófonos”, declarou durante a visita de Correia e Silva ao Brasil. Em Fevereiro, em Washington, o presidente brasileiro disse que a visita ao continente é uma “reparação histórica e obrigação humanitária”. O Brasil coopera com África em áreas como educação, agropecuária e saúde.

“O Brasil deve muito da sua cultura ao continente africano. É uma dívida que não pode ser paga em dinheiro, ela tem que ser paga em troca de ciência e tecnologia”. Na última semana, em declaração semelhante, disse que “o Brasil deve muito para a África, não em dinheiro. O Brasil deve 300 anos de escravidão. A gente não pode pagar em dinheiro, a gente paga em gratidão, com transferência de tecnologia”.

Segundo a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia, o saldo de comércio entre Brasil e o continente africano foi de 15,911 mil milhões de dólares, em 2021. De Janeiro a Outubro de 2022, o saldo foi de 17,254 mil milhões de dólares, uma subida de 36,9%. Açúcares e melaços lideraram a pauta exportadora para o continente africano, além de milho, combustíveis, soja, carnes de aves, veículos rodoviários e máquinas agrícolas.

Mariana Cofferri, analista de Relações Internacionais, destaca que entre as principais vantagens da retoma de Lula à agenda de relações Sul-Sul está a de atrair um maior investimento económico do continente. Outro ponto vantajoso, relata, é o regresso do protagonismo brasileiro à mesa das decisões.

“Lula deverá estar atento em manter o histórico do pragmatismo político e diplomático brasileiro, sem excluir a possibilidade de realização de acordos multilaterais e bilaterais, independente dos alinhamentos políticos assegurando a pluralidade da agenda comercial e económica, principalmente ao que se refere à retomada dos debates e negociações de Acordos ainda pendentes, como o Mercosul-União Europeia”.

Wagner Parente, consultor em relações internacionais e colunista do Estado de Minas, reforça que, nas antigas gestões de Lula, a parceria Sul-Sul contribuiu para o Brasil ganhar relevo em influência no continente africano e em foros internacionais. Porém, destaca, a conjuntura internacional é diferente.

“No passado, essa aproximação foi muito baseada no financiamento das exportações de serviços, ou seja, ao financiamento das construtoras no continente africano principalmente da Odebrecht. Agora não. Nós não temos mais esse instrumento, pode ser que volte. Principalmente em países como Moçambique e Angola que falam português também, mas a gente precisa ver exactamente como será essa aproximação. Porque pode ser só discursiva. Mas pode ser também que tenha algumas implicações mais práticas, por exemplo, como o retorno ao financiamento dessa exportação de serviços e aí, evidentemente, isso tem um impacto muito maior do que só o discurso”.

Ricardo Mendes, sócio da Prospectiva e responsável pelas operações internacionais da consultoria, analisa que a agenda faz parte da estratégia do assessor especial internacional de Lula, Celso Amorim, em recriar um movimento de países não alinhados. “Desde a Dilma, o Brasil deixou qualquer tipo de liderança internacional em segundo plano. Lula tenta resgatar isso procurando fóruns onde o país possa efectivamente ter voz, como na CPLP. Amorim gostaria de ampliar o grupo dos Brics e transformá-lo em um novo G7. Mas precisa alinhar com os chineses que têm outros planos para o bloco, até porque conseguem projectar poder unilateralmente. Em comparação, o Brics tem uma importância geopolítica e económica grande. Já com a CPLP é mais uma agenda diplomática. O Brasil tem pouco a oferecer a esses países. Não vão conseguir fazer muita coisa. Não estamos mais em 2002”, critica.

O cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, corrobora que a viagem é uma continuidade das gestões anteriores do chefe do Executivo, com foco na América Latina e nos países de África. Mas alerta que o presidente enfrenta crises internas ainda não resolvidas, como a falta de uma base sólida no Congresso.

“Temos ligações históricas com África por causa dos povos que foram escravizados. Mesmo que São Tomé e Príncipe não seja um país tão relevante economicamente, há que se levar em consideração as dimensões culturais e de parcerias no campo da ciência, tecnologia e educação. Além disso, Lula, ao viajar, sai do foco de um governo com dificuldades no plano interno, no Congresso. A crítica é que ele pode estar viajando muito e, ainda, sem uma base sólida que garanta governabilidade interna”, disse.

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Autoria:Expresso das Ilhas,14 mai 2023 13:45

Editado porJorge Montezinho  em  7 fev 2024 23:28

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