A posição foi tomada pela nova secretária-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM), Amy Pope, e pelo alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Filippo Grandi, no dia em que se assinala o 10.º aniversário de um trágico naufrágio que matou, em 2013, mais de três centenas de migrantes (homens, mulheres e crianças) ao largo da ilha italiana de Lampedusa.
"Há 10 anos, o mundo disse 'nunca mais'. Hoje, no décimo aniversário daquele naufrágio, admitimos que não cumprimos esse compromisso", lamentaram os dois responsáveis numa declaração conjunta.
O primeiro trimestre deste ano foi o mais mortífero desde 2017 e, até segunda-feira (02 de Outubro), foram contabilizadas 2.517 pessoas mortas ou desaparecidas em 2023 na rota do Mediterrâneo Central.
Esta rota, considerada como uma das mais mortíferas, sai da Argélia, Tunísia e Líbia em direção à Europa, nomeadamente para as costas italianas e maltesas.
"Raramente passa uma semana sem histórias de tragédias e incidentes dramáticos, tornou-se normal", referem a OIM e o ACNUR, sublinhando que a obrigação de "fornecer uma resposta significativa já não pode ser adiada".
"Salvar vidas não é uma opção. É uma obrigação legal. É um imperativo moral", frisaram.
O caso assinalado aconteceu na noite de 02 para 03 de Outubro de 2013, quando uma traineira de pesca com mais de 500 pessoas a bordo, muitas das quais crianças, ficou imobilizada no mar, a poucos metros de terra. A maior parte tinha embarcado na perigosa travessia para escapar da Líbia.
Sob um céu sem lua, um homem acendeu uma tocha improvisada para atrair a atenção de quem os pudesse resgatar, incendiando acidentalmente um pouco de combustível que tinha vazado do barco.
Em pânico, os passageiros correram para o outro lado da embarcação para evitar as chamas, fazendo-o virar.
Naquela noite, pelo menos 368 pessoas morreram em frente à ilha italiana de Lampedusa.
Quando a equipa de resgate chegou, encontrou um mar de cadáveres, e as imagens dos caixões -- muitos brancos e pequenos -- alinhados no aeroporto de Lampedusa chocaram o mundo e abalaram a consciência da Europa. Num dos caixões estava uma mulher com o seu bebé recém-nascido, com o cordão umbilical ainda preso.
Perante os caixões, o então presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, proferiu as palavras "Nunca mais".
Oito dias depois, 268 pessoas, incluindo 100 crianças, morreram num outro naufrágio entre Lampedusa e Malta e muitos outros desastres se seguiram.
"A nossa responsabilidade, como comunidade global, é ajudar aqueles que embarcam em viagens perigosas em busca de uma vida mais segura e digna", afirmaram hoje os líderes da OIM e do ACNUR, prometendo mais ações.
"Apelamos a mais esforços para reforçar a cooperação em operações coordenadas de busca e salvamento, garantir que os migrantes e refugiados recebem assistência vital, acabar com a criminalização, obstrução ou dissuasão daqueles que prestam assistência humanitária, estabelecer percursos regulares eficazes que satisfaçam as necessidades e defendam os direitos humanos de todos os envolvidos, combater o tráfico e a exploração, e recolher dados para prevenir e resolver casos de migrantes e refugiados desaparecidos e disponibilizá-los publicamente", declararam.
Os pactos e acordos já assinados -- como o Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular e o Pacto Global sobre Refugiados, em 2018 -- "têm de ser implementados de forma complementar", referiram os representantes das duas agências do sistema da ONU, defendendo que é preciso "transformar estes apelos em soluções".
Para isso, os dois responsáveis comprometeram-se a desenvolver "recomendações concretas e viáveis sobre estas questões para consideração dos Estados-membros da ONU no próximo ano" e garantiram que o segundo Fórum Global sobre Refugiados, organizado pelo ACNUR em dezembro, vai "facilitar o anúncio de acordos concretos e formas de alcançar a partilha de encargos e responsabilidades".