Num dos bairros de maior concentração de afro-americanos no sul do estado da Florida, Miami Gardens, Robert tem a difícil missão de treinar voluntários da comunidade para a chamada "última milha" eleitoral - ligar a eleitores para convencê-los a votar antecipadamente em candidatos democratas - sobretudo, Kamala Harris - ou a bater às portas para distribuir propaganda. O alvo são eleitores democratas e indecisos, que podem fazer pender a eleição para qualquer um dos partidos.
Mas, a poucos dias das eleições, recebe a Lusa sem qualquer voluntário na sala.
Desde que Barack Obama alcançou, em 2008, 96 por cento dos votos dos afro-americanos, foi sempre a descer para os democratas. Joe Biden alcançou 90 por cento em 2020, mas os níveis de apoio de Kamala Harris entre a comunidade, à volta de 80 por cento segundo diversas sondagens, são um dos elementos mais preocupantes na atual corrida.
E o problema está concentrado em eleitores do sexo masculino, como Ronny, de 45 anos, que votou em Kamala Harris antecipadamente, mas quase por obrigação, como confessa ao passar no exterior do centro de formação de voluntários, que ignora.
"Entusiasmado é uma palavra demasiado forte", responde à Lusa quando perguntado sobre a sua expectativa de contribuir para eleger a primeira mulher Presidente do país.
"No voto afro-americano, são sobretudo as mulheres que estão a favor de Kamala", confessa.
No escritório de campanha democrata em Miami Gardens começam entretanto a chegar alguns voluntários. Em conversa com a Lusa, Robert denota incompreensão com o apoio a Donald Trump entre a comunidade afro-americana.
Chega entretanto um casal de idosos, também afro-americanos, a quem Robert vai explicar como seguir o guião dos telefonemas, recomendando que comecem por ligar a familiares e amigos. Algumas mulheres entram e são também introduzidas ao protocolo, mas as dezenas de cadeiras permanecem quase todas vazias e pilhas de guiões permanecem acumulados nas mesas.
Ronny, que cresceu em Miami Gardens, relata que muitos dos seus amigos rejeitam Kamala Harris sobretudo pelo seu passado enquanto procuradora, no estado da Califórnia, por um sentimento de perseguição antigo, entre a comunidade, face a autoridades policiais e judiciárias.
"É logo a primeira coisa que muitos referem, ela enquanto procuradora. E não o que ela fez nos últimos anos como vice-presidente", critica Ronny.
"Fez o trabalho dela, a decidir enquanto procuradora, que era conseguir acusações, ter um elevado nível de condenações e não se pode culpá-la por isso. E parece que a comunidade negra está a fazer isso, a culpá-la por algo que é o trabalho para que foi eleita", afirma.
Apesar de o crescimento económico e a criação de emprego nos Estados Unidos estar em níveis elevados, muitos homens mostram maior afinidade com a mensagem de Donald Trump de que é o candidato que vai impulsionar a economia e os salários.
"Toda a gente sabe que o Trump é racista, é um dado adquirido", afirma Ronny entre risos. "Mas muita gente não dá importância a isso" entre a comunidade afro-americana, adianta.
Para Ronny, o fator decisivo foi mesmo a idade dos dois candidatos, e em particular o facto de Trump se aproximar dos 80 anos: "é preciso deixar gente mais jovem, nos 40 e 50 anos de idade, tentar conduzir o país".
Sean Johnson, de 29 anos, também votou antecipadamente em Kamala Harris, mas afirma que o fez sobretudo por "não ser fã de Donald Trump".
"Sinto que ele é uma ameaça para a própria democracia", diz à Lusa.
Johnson critica mesmo propostas de Kamala e a maneira como quase exige o voto afro-americano, por ela própria ter ascendência negra. Na hora de colocar a cruz no boletim, a escolha foi a possível.
"Como é votar por ela ou por Trump, foi o menor de dois males", afirma num encolher de ombros.