Numa altura em que o início destas negociações "históricas", que estão previstas decorrer até 2027, suscita esperança dos países em desenvolvimento, da Organização das Nações Unidas (ONU) e das organizações não-governamentais (ONG) que lutam por um sistema fiscal internacional "mais justos, os Estados Unidos puseram um travão, ao anunciar hoje a sua retirada no processo.
Os objectivos "estão em contradição com os interesses americanos", declarou o representante dos EUA, Jonathan Shrier, citado pela agência francesa AFP.
O futuro texto poderia "dificultar de forma inaceitável a capacidade das nações de implementar políticas fiscais que sirvam os interesses dos seus cidadãos, empresas e trabalhadores", acrescentou, poucos dias depois de a administração liderada por Donald Trump ter retirado os EUA do acordo mundial do IRC mínimo de 15% sobre os lucros das multinacionais.
Na abertura da sessão, o recém-nomeado presidente do comité de negociação, o egípcio Ramy Youssef, sublinhou o "imperativo moral" desta revisão fiscal.
Os "milhares de milhões de dólares perdidos todos os anos através da transferência de lucros, da concorrência fiscal prejudicial e dos fluxos financeiros ilegais" privam "os países mais vulneráveis de recursos críticos", sublinhou.
Por outro lado, Shari Spiegel, do departamento de Assuntos Económicos e Sociais da ONU, defendeu que "as regras fiscais internacionais devem evoluir com um mundo em mudança", para serem úteis "a todos os Estados e a todos os povos".
Sob a pressão dos países africanos que querem um lugar à mesa das negociações sobre as regras fiscais internacionais - tal como pedem a reforma da arquitectura financeira internacional - a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou em 2023 a ideia de uma "convenção-quadro" para tornar a cooperação fiscal "totalmente inclusiva e mais eficaz".
O mandato de negociação foi finalmente adoptado no final de 2024. Os princípios de referência incluem "assegurar uma repartição equitativa dos direitos de tributação, nomeadamente através da tributação equitativa das empresas multinacionais" e "lutar contra a fraude e a evasão fiscais dos particulares ricos".
Actualmente, as questões fiscais internacionais estão, sobretudo, nas mãos da OCDE, "um clube de ricos" que impõe as suas regras aos países em desenvolvimento, que são mais afectados por perdas fiscais "proporcionalmente aos seus rendimentos", denunciou à AFP Ryad Selmani, da ONG francesa CCFD-Terre Solidaire.
Tove Maria Ryding, da Rede Europeia sobre Dívida e Desenvolvimento (Eurodad), acrescentou que as actuais regras fiscais internacionais "não são eficazes".
De acordo com a ONG Tax Justice Network, os governos perdem 492 mil milhões de dólares em impostos todos os anos devido à utilização de paraísos fiscais.
E quase metade (43%) dessas perdas são possíveis graças às políticas fiscais de oito países (Austrália, Canadá, Israel, Japão, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Reino Unido e Estados Unidos) que votaram contra os termos de referência da futura convenção.
A União Europeia defendeu hoje um consenso, alegando, que, caso contrários, os 27 poderiam não participar na futura convenção.
Embora seja obviamente impossível prever o nível de ambição da futura convenção e o número de países que a irão subscrever, há quem espere que as negociações permitam pôr em cima da mesa a questão dos novos recursos fiscais.
"Alguns países, como França, estão a pressionar para que sejam criados impostos globais sobre os transportes marítimos e aéreos" para financiar a acção climática, disse à AFP Sergio Chaparro-Hernandez, da Tax Justice Network.
"A Convenção da ONU poderia ser um veículo para implementar algumas dessas soluções", sublinhou. "Mas isso terá de ser discutido com todos os países", rematou.