O estudo da Unesco, os herdeiros da Cesária… e de como voltam à actualidade artigos abandonados (1)

PorExpresso das Ilhas,19 out 2014 0:00

 

“O número de trabalhadores envolvidos nas actividades culturais em Cabo Verde aproxima-se aos 19 mil e 200 - diz um relatório do Ministério da Cultura que será apresentado hoje. Isso inclui os trabalhadores a tempo inteiro e a tempo parcial, bem como os formais e informais.” Este foi um «post» que coloquei no FB no passado dia 1 de Outubro e que intencionalmente terminei assim: “Estou a ler o relatório... e...” para ver se despertava a reacção dos meus amigos. Assuntos quentes como este e que metem mesmo que indirectamente «política», eu, já sabia que não merecem comentários. Cada um lê, mas não se expressa! E assim aconteceu, e a questão (que é de muita actualidade e importância) mereceu apenas um “Estou stupefaktu” do amigo Guto e um “E…?!” do meu amigo Brito Semedo. Não poderiam eles imaginar que eu já tinha escrito no passado mês de Março, três artigos, sobre esta problemática! E que apenas um foi publicado! Todos a propósito da internacionalização da música de Cabo Verde, da realização do AME, e sobre a nova vaga de artistas que algumas vozes apelidam, “Filhos de Cesária”. Eu diria «herdeiros», mas serão? …. Continuando, eu nem imaginava que este assunto e esta problemática viriam a estar de novo na actualidade, sobretudo quando dias depois, leio no Blog “Esquina do Tempo” o artigo “O Big Bang e a conta Satélite da Cultura” de Brito Semedo. Não resisti em fazer um comentário “ácido”, que surgiu rápido e espontâneo fruto das reflexões que já tinha feito sobre o assunto. E ficou-me a pulga atrás da orelha: Publico ou não os dois artigos que tenho guardado? Depois de alguma reflexão, decido pela publicação pois julgo têm interesse para uma reflexão e debate. O primeiro, que os leitores vão ver mais à frente, mais não foi do que um primeiro desabafo (escrito) sobre este assunto, achei por bem não continuar nessa linha nua e crua dos acontecimentos (autocensura? Prudência talvez). Resolvi então basear-me nele para escrever um segundo, numa linha mais «correcta» e mais documentada, para mim mais amarrada e com defesas contra os mal-intencionados. Ah! Não escondo que os referidos artigos surgiram de uma encomenda, até porque, tenho andado um pouco “out” da actualidade cultural, só tenho escrito quando me solicitam ou me fazem uma encomenda! E já agora mais um dado que acho de interesse, é que quando me fazem a encomenda, estou em Mindelo, o tema é tão excitante e controverso que faço uma visita ao meu velho amigo Vasco Martins, para debater o assunto. Discutimos e trocamos ideias longamente, eu e ele, juntamente com o meu irmão José Luis (Pinúria). Atenção: não tomei notas! Nestes casos gosto de digerir o assunto… E logo que cheguei a Praia, assento-me junto do computador e comecei a escrever o texto que segue:

 

Os filhos (herdeiros) de Cesária Évora

Logo após a morte da diva (ou antes?) surgiu imediatamente a questão da sua sucessão. Quem será a nova Cesária? Muitos nomes foram logo apontados, muitas histórias rocambolescas aconteceram envolvendo pretensas herdeiras, e curiosamente mesmo antes da morte da diva já muitas vozes apontavam esta ou aquela, como a possível sucessora.

Mas, sendo muito franco, curto e grosso, a Cesária é um caso único e ela não vai ter sucessora. A nossa malta pode muito bem aspirar a carreiras no estrangeiro, mas vender 10 milhões de discos e ter o percurso mundial de digressões que teve a Cize? Eu não acredito que haja alguém neste momento que repita esta proeza! Para se compreender a dimensão da Cesária há que fazer uma reflexão sobre o que aconteceu e desmitificar uma série de ideias/conceitos/e baboseiras que muitos por aí tentam impingir, e que não passam de “bazofaria de crioulo” citando o oportuno desabafo um amigo e antigo colega do liceu… Que a AME traga a Cabo Verde grandes produtores internacionais e que se realize aqui um grande mercado de música e produtos conexos, é uma coisa. Que se utilize a porta aberta pela Cesária ou seja o prestígio que deu ao país, muito bem. Que se utilize a AME para trazer mais-valias e ganhar com o “turismo” gerado por este acontecimento, muito bem. A AME é pois uma consequência do efeito Cesária. Que a AME sirva para abrir algumas portas aos nossos artistas, muito bem. Mas, pensar que a AME será fundamentalmente, uma rampa de lançamento para substitutas (os) de Cesária Évora, aí não estou de acordo, melhor não acredito! Pode ser que eu esteja errado… Mas há aí inúmeros exemplos disso, lembro-me do caso do Ilo Ferreira que foi produzido por um americano se não estou em erro… Mas? E há muitos outros casos… e há os portugueses com vontade tirar benefícios de promissores artistas cabo-verdianos, mas isso não tem dado resultados. Veja-se por exemplo a Sofia, uma grande voz e outras belas e grandes vozes de crioulos em Portugal. Que até o Ramiro Mendes procurou lançar e explorar. Talvez tenha faltado o investimento? A única artista cuja carreira está agora a decorrer na Europa, com prudência, para se consolidar e poder levantar voo, é a Mayra Andrade. E neste caso, o conceito é outro porque o tempo da diva Cize já passou! Vive-se uma outra época… Pelo que tenho notado, esta carreira da Mayra tem-se adaptado ao exigente público europeu, recorde-se a Cesária teve um efeito exótico aliado a um predicado essencial: uma extraordinária voz! As comparações da Cize com outras grandes divas mundiais, não se fez esperar, e o rumo que o sucesso tomou, até espantou o nosso Djô da Silva, cf. disse numa entrevista, há muitos anos…

No período pós Cesária Évora em que vivemos, o seu sucesso e alto nível que a sua carreira atingiu, devem pois servir de estímulo, mas devemos ser realistas. Costuma-se dizer que talentos extraordinários só nascem de 100 em cem 100 anos… Note-se, o trabalho de compositores como B.Léza, Manuel de Novas e outros, sem dúvida extraordinários, precisaram de um veículo para que se tornassem internacionais. E esse veículo foi a voz da Cesária Évora. Temos sem dúvida muitos e bons músicos, excelentes até… Por exemplo para um punhado deles, o simples facto de acompanharem a Cesária, não lhes deu um passaporte para a celebridade a nível internacional. E as vozes que se projectaram, aproveitando os caminhos abertos pela Cesária, ainda estão longe de atingir o nível do percurso da diva. Eis porque, a meu ver, falar de “filhos” ou de “herdeiros” da Cesária Évora não faz sentido. Cada artista é único e deve criar o seu estilo, mas, só se tiver um dom especial, um predicado que o isola da maioria e o destaca dos demais, é que poderá ter condições para abrir as portas do sucesso, no sentido do que aconteceu com a Cize. Dito isto, só lhe faltará o “clic” de um produtor com visão necessitando então de uma campanha de “marketing” em que se investirá dinheiro, e haverá lucro garantido, como aconteceu com a Cesária.

Será que há mais Cesárias à espera desse “clic”? Cantoras com predicados vocais existem e que começaram a trilhar uma carreira quando ainda a diva estava viva. Muitos olhares se viraram então com esperança para cantoras como Lura, Nancy ou Mayra, como “continuadoras” desse legado. E há outras vozes com potencialidades, e até há quem já aposte em vozes desconhecidas, na esperança de um novo milagre (conto de fadas?) que foi a carreira da Cize. Na verdade cada grande voz, é uma grande voz, e em cada momento existem predisposições e ambientes propícios para uma carreira de sucesso. Quanto a outros artistas, a originalidade poderá ser a chave de ouro para uma carreira internacional, mas é claro aliada ao talento… Nunca se deve esquecer que a caminhada para a internacionalização foi longa, e mais longa ainda recorde-se, foi a caminhada da Cesária que só conseguiu iniciar uma carreira discográfica aos 50 anos de idade! Facto muito raro, e obter o sucesso que conhecemos.

E aqui parei para continuar o texto no dia seguinte, afinal pediram-me uns 3 mil caracteres, deveria agora passar à fase de documentação e outros raciocínios. Coloquei então o ponto final, a data 22 de Março de 2014 e assinei. Como disse anteriormente não gostei da forma tão directa, poderia ferir «susceptilidades». Classifiquei-o «estudo não publicado». Serviu-me de base para um segundo artigo, também não publicado, mas que mantém toda a actualidade. Prometo publicá-lo, se o Sr. Director do jornal permitir, poderá ser no próximo numero deste jornal.

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Autoria:Expresso das Ilhas,19 out 2014 0:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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