De entre as disposições fundamentais fixadas na lei, destaca-se a enunciação dos direitos e deveres da educação, dos objetivos do sistema e da política educativa, a clarificação do conceito de “escola cabo-verdiana” e a organização do sistema compreendendo a educação pré-escolar, a educação escolar e da educação extraescolar.
A educação pré-escolar visava uma formação complementar ou supletiva das responsabilidades educativas da família, sendo a rede deste subsistema essencialmente da iniciativa das autarquias, de instituições oficiais e de entidades de direito privado, cabendo ao Estado fomentar e apoiar tais iniciativas.
A educação escolar abrangia os níveis do ensino básico, secundário, médio e superior e modalidades especiais de ensino. O ensino básico com um total de seis anos foi considerado escolaridade obrigatória. O ensino secundário destinava-se a possibilitar a aquisição das bases científico-tecnológicas e culturais necessárias ao prosseguimento de estudos e ao ingresso na vida ativa. O ensino médio tinha natureza profissionalizante (circunscrito ao Instituto Pedagógico). O ensino superior deveria assegurar uma preparação científica, cultural e técnica, que habilitasse para o exercício de atividades profissionais e culturais e para o desenvolvimento das capacidades de conceção, inovação e análise crítica.
A educação extraescolar desenvolvia-se nos níveis da educação básica de adultos, da aprendizagem e de ações de formação profissional orientadas para a capacitação e para o exercício de uma profissão.
A Lei de Bases consubstancia os resultados das transformações do sistema de ensino herdado da época colonial e da sua renovação em sintonia com as metas estabelecidas nos primeiros planos nacionais de desenvolvimento. As medidas fragmentadas de reforma foram sistematizadas e incorporadas num quadro geral do sistema educativo, referencial normativo das políticas educativas centradas na universalização do ensino básico e no desenvolvimento da educação como um todo, alinhado com os objetivos internacionais da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien (Tailândia) em 1990.
Antes de 1990
Para se encontrar anterior ordenamento global do ensino, temos de recuar à época da administração colonial. Há precisamente 100 anos, dada a necessidade de se “reformar a instrução na província de Cabo Verde, por forma a satisfazer as aspirações da sua população” e conferir “a unidade e a concordância de esforços indispensáveis ao seu progressivo desenvolvimento”, foi aprovado o Plano Orgânico da Instrução Pública de Cabo Verde (Decreto n.º 3.435, de 8 de outubro de 1917). O sistema escolar compreendia o ensino primário e normal, o ensino secundário (Liceu Nacional) e o ensino profissional. O ensino primário abrangia “três graus, compreendendo as matérias dos programas do ensino primário elementar, complementar e superior adoptado na metrópole”.
As expectativas de adaptação do ensino às aspirações dos cabo-verdianos encontraram eco nessa “lei de bases” que, além de prever a “necessária adaptação do ensino agrícola e cívico”, consagrava um “maior desenvolvimento do ensino da língua portuguesa e da história e geografia caboverdeanas”.
O primeiro ordenamento da instrução pública cabo-verdiana teve existência fugaz. Durou pouco mais de um ano, devido às tentativas de extinção do recém-criado Liceu em São Vicente e da revitalização do ensino secundário confessional na ilha de S. Nicolau.
Com o advento da política repressiva do Estado Novo terminaram as veleidades de um ensino cabo-verdiano. O sistema escolar em Cabo Verde passou a ser uma reprodução mimética do sistema educativo português.
Depois de 1990
1999
“A não regulamentação da Lei de Bases do Sistema Educativo, de 29 de dezembro de 1990 e a inexistência de disposições sobre os objetivos e as condições de acesso ao ensino superior, conduziu à persistência de diversas anomalias, como o desenvolvimento de cursos e projectos de formação superior sem a necessária coordenação”1.
Para se colmatarem estas insuficiências, procedeu-se à revisão da Lei de Bases, que incorporou novas disposições sobre o ensino superior, em conformidade com a Lei nº 113, de 18 de outubro de 1999. O ensino superior foi regulamentado, configurando-se com uma estrutura binária (universitário e politécnico) e aditados artigos sobre o acesso e os graus e diplomas que confere.
2010
Face à intenção do Governo de “introduzir um novo quadro de reforma no sistema educativo, tendo em vista dar respostas adequadas aos desafios globais da sociedade cabo-verdiana”, a Lei de Bases do Sistema Educativo foi novamente revista e republicada, por força do Decreto-Legislativo nº 2/2010 de 7 de maio.
Em minha opinião, as inovações introduzidas centraram-se no alargamento da escolaridade obrigatória para oito anos, na criação de referências normativos para o ensino superior (desapareceu o nível de bacharelato) e na permissão da convergência normativa com os sistemas internacionais de ensino superior. O diploma é explicito nesta matéria, ao preconizar “a harmonização do novo regime do ensino superior em Cabo Verde com o chamado ‘modelo de Bolonha’ “, bem como ao “aproximar o sistema educativo cabo-verdiano aos patamares almejados e em experimentação a nível internacional, designadamente na Europa, por forma a, designadamente, assegurar as vantagens da mobilidade e do sistema de créditos para efeito das equivalências de formação e qualificação a nível internacional, de modo mais abrangente possível”.
Conclusão
Uma lei de bases, geralmente, é o corolário de reformas esparsas e conjunturais, que ditam a necessidade de um quadro regulador e holístico, que conduza a mudanças estruturais em sintonia com os desafios da contemporaneidade e as perspetivas do futuro. Assim aconteceu com a Lei de Bases do Sistema Educativo. Não se imobilizou no tempo, flexibiliza-se e adapta-se às tendências do desenvolvimento.
Obs: Nos textos citados respeitou-se a grafia da época. [1]
In documento Ensino Superior em Cabo Verde – Subsídios para a implementação da Universidade de Cabo Verde (2002), coordenado por Maria Luísa Ferro Ribeiro, publicado pelo Ministério da Educação, Cultura e Desporto.
[1] In documento Ensino Superior em Cabo Verde – Subsídios para a implementação da Universidade de Cabo Verde (2002), coordenado por Maria Luísa Ferro Ribeiro, publicado pelo Ministério da Educação, Cultura e Desporto.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 837 de 13 de Dezembro de 2017.