Nesta última linha de raciocínio, a minha posição assentava-se sobretudo na crença de que numa abordagem de planeamento regional do desenvolvimento, o investimento público no aeroporto de São Vicente iria ser complementado 1) com investimentos nas ligações marítimas entre esta ilha e Santo Antão, 2) com investimentos no porto de Porto Novo, projetados sobre a visão de posicionar TAMBÉM esta ilha como um destino de turismo de cruzeiros e 3) com investimentos estruturais em infraestruturas, acessos, educação, saúde, saneamento – em Santo Antão. Parecia-me a mim que esta perspetiva integrada de desenvolvimento das duas ilhas era a abordagem mais correta do ponto de vista de otimização de recursos e de eficiência económica, capaz de projetar a região como um segundo pólo do turismo no arquipélago, como um pólo da economia marítima e industrial e como um pólo agropecuário. E que nesta base, os recursos necessários para a construção de um aeroporto poderiam ser alocados a outros investimentos de maior impacto e com maior retorno económico e social na ilha.
Passados 6 anos, é mister reconhecer que esta abordagem integrada do desenvolvimento não se concretizou. A nível das ligações marítimas entre as duas ilhas não houve grandes evoluções – sobretudo em termos de serviços (preço, qualidade, conforto, frequência, intermodalidade). O investimento no porto de Porto Novo não se assentou numa perspetiva de complementaridade com São Vicente no que se refere ao posicionamento de Santo Antão também como um destino de turismo de cruzeiros, não obstante esta ilha ter um elevado potencial em termos de produto turístico para este segmento. Optou-se por investir 37 milhões de Euros num terminal de cruzeiros em São Vicente – que já tem as condições mínimas para receber qualquer navio do cruzeiro – em vez de se investir na adequação do cais de Porto Novo para receber nem que seja os navios cruzeiros de média dimensão. A ilha carece ainda de infraestruturas básicas adequadas nos domínios de acessos, educação, saúde e saneamento. A questão do ensino superior na/para a ilha tem ficado pelos discursos bonitinhos – quer no Governo anterior, quer no atual. As iniciativas públicas visando o crescimento económico de Santo Antão têm se limitado a abordagens demasiadamente micro e destinadas sobretudo ao combate à pobreza (como o POSER, o projeto da Rota das Aldeias Rurais, o agora anunciado projeto financiado pela União Europeia – só para citar alguns…), para constituírem-se como resposta estrutural efetiva ao principal problema que Santo Antão enfrenta – a perda de população jovem e, em particular, de quadros qualificados, pela incapacidade de a sua economia gerar empregos locais qualificados.
Neste quadro, e porque a ilha não pode ser sacrificada pela inexistência de uma abordagem regional integrada do desenvolvimento, é imperioso assumir que Santo Antão precisa de uma visão ousada, ambiciosa, inspiradora, planeada do desenvolvimento. Uma visão cuja materialização será capaz de (i) gerar empregos QUALIFICADOS na ilha como forma de reter/atrair massa crítica, (ii) promover o crescimento económico sustentável e a melhoria das condições de vida de toda a sua população e (iii) assegurar a integração da ilha numa estratégia nacional de desenvolvimento, assumida por todos. Um dos eixos possíveis para este desiderato é posicionar a ilha como um destino de turismo de luxo / de alto valor acrescentado, tendo como um dos vértices a construção de um aeroporto – entre outros investimentos.
Assumo, portanto, com a mesma frontalidade de antes que, neste contexto, o aeroporto de Santo Antão é, sim senhor, um investimento estruturante e necessário para uma visão ambiciosa de posicionamento da ilha, pese embora acreditar também – e aqui mantenho o que sempre disse – que APENAS o aeroporto não vai resolver todos os problemas da ilha, como muitos tradicionais defensores do mesmo têm erradamente argumentado.
Dito isto, colocam-se 03 desafios à construção do aeroporto em Santo Antão: 1) desafios de ordem técnica e de localização, 2) desafios de ordem de financiamento do investimento e 3) desafios de ordem operacional/comercial associados à exploração. Relativamente aos primeiros, levantam-se questões relacionadas com sistemas de vento, possíveis obstáculos naturais entre outros. Mas aqui, estou em crer que os testes, que já começaram a ser feitos, deverão trazer respostas que permitirão satisfazer os exigentes requisitos da aviação internacional e definir uma localização ótima e inteligente. A questão do financiamento prende-se ao facto de o nível de endividamento público estar já num patamar que impede (ou limita) que seja o próprio Estado a financiar a construção com recursos públicos ou via empréstimos. No que tange à exploração, um aeroporto em Santo Antão será por muitos anos ainda deficitário – assim como quase todos os aeroportos de Cabo Verde à exceção do Sal e da Boavista – pelo que se deve pensar desde já soluções para a sua sustentabilidade operacional.
Em janeiro de 2017, numa reunião com o Sr. Primeiro Ministro, O Sr. Ministro das Finanças e do Planeamento e o Sr. Ministro da Economia e Emprego, para apresentar a nossa proposta de Sociedade de Desenvolvimento de Santo Antão (SODESA), tive a oportunidade apresentar 03 possíveis soluções capazes de responder aos desafios 2) e 3) acima referidos, para viabilizar o aeroporto de Santo Antão.
Uma primeira solução seria a mera troca de ativos (como terrenos e outros) pela construção do aeroporto. Isto é, negoceia-se com investidor(es) a concessão de terrenos na ilha ou em outras, em troca da construção do aeroporto, cujo investimento é estimado em 20 milhões de Euros (2,2 milhões de contos). Uma segunda solução seria introduzir nos termos de referência do futuro concurso para a concessão da exploração dos aeroportos de Cabo Verde a obrigação de o(s) vencedor(es) TAMBÉM construírem e explorarem o aeroporto de Santo Antão. A terceira solução seria uma variação desta segunda: negociar com um investidor a construção e exploração do aeroporto na ilha, recebendo este, como contrapartida, a concessão da exploração de outros aeroportos do arquipélago. As soluções 2 e 3 poderiam (deveriam?) ser complementadas com um sistema de subsídios à exploração dos aeroportos deficitários, pagos com recursos advenientes da gestão do tráfego aéreo (FIR oceânica).
A primeira solução, porquanto seja uma opção, não é aconselhável. Isto porque poderia resolver o problema da construção, mas não o da exploração, além de obrigar ao Estado a abrir mão de ativos (terrenos) necessários a uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo. A segunda e a terceira solução são ambas boas e permitiriam resolver tanto a questão do financiamento da construção (sem endividamento público) quanto a da exploração. No entanto, considero a segunda a melhor, por ser mais competitiva e mais alinhada com o novo modelo de gestão dos aeroportos de Cabo Verde, já anunciada pelo Governo.
Aeroporto em Santo Antão? Sim senhor. É necessário, no quadro de uma visão ambiciosa para o desenvolvimento da ilha, pode ser materializado com soluções inteligentes, sem endividar o Estado – e é urgente. Muito urgente. Chega de promessas de campanha, discursos bonitinhos quando de visita à ilha para animar a malta, e de poesia no Facebook. Mãos à obra!
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 847 de 21 de Fevereiro de 2018.