O diploma explicita a razão da data e do patrono: “Na busca de uma data consensual, com elevado valor simbólico, humano, cívico e patriótico foi encontrada, através de um processo de consulta aos professores, a do dia 23 de Abril, data do nascimento do Mestre digno de várias gerações de cabo-verdianos, muitos dos quais servidores competentes da educação e do país – o Professor Dr. Baltasar Lopes da Silva, um símbolo da ideia do professor, votado ao Magistério, cujo exemplo merece ser seguido”.
Na próxima semana, os professores irão mais uma vez celebrar o seu dia. Haverá festa e confraternização. Inevitavelmente, discursos de exaltação dos docentes, promessas de uma maior dignificação da classe, mas também reflexões sobre a escola-hoje, as práticas docentes – que exigem dedicação e profissionalismo – num contexto social onde ainda se pensa que ensinar é fácil e que qualquer um pode ser professor.
Poderemos ainda refletir se se justifica celebrar Baltasar, se continua a ser o símbolo da “ideia do professor, cujo exemplo merece ser seguido”.
Quem foi o professor Baltasar?
Situemo-nos no tempo:
Baltasar Lopes foi docente e reitor do Liceu em Mindelo, na época colonial. Destacou-se por uma notável intervenção cívica (como professor, escritor e advogado), que lhe valeu a perseguição da PIDE1. Em 1969, a polícia política portuguesa “considerou de toda a conveniência o afastamento total do Dr. Baltasar Lopes da Silva” e “levando-se em conta as convicções políticas do epigrafado se considera conveniente o seu afastamento da juventude”2.
Formação e exercício profissional
Era habilitado com duas licenciaturas, a de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (1928) e a de Filologia Românica na Faculdade de Letras da mesma Universidade (1930). Nesse ano regressa a S. Vicente e integra o corpo docente do Liceu como professor interino, tal como a maioria dos professores dos liceus coloniais. Consciente da precaridade da sua situação profissional, por ser interino (provisório), voltou à “metrópole” onde fez o estágio pedagógico no Liceu de Leiria e o curso de Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1938/39), tendo requerido “o doutoramento para maio do ano seguinte, 1940”3. Porém, optou por continuar como advogado (pro bono) e professor efetivo do liceu. Sublinha-se que, apesar de ser detentor de dois cursos superiores, se profissionalizou como professor, adquirindo as competências pedagógico-didáticas inerentes à arte de ensinar.
Arte de ensinar
O perfil de Baltasar remete-nos ao conceito gramsciano de professor, “um intelectual orgânico da sociedade civil, seja da cultura hegemónica em que é amassada a cultura escolar, seja da cultura não hegemónica que, produzida no exterior da escola, exerce sobre a cultura escolar uma acção pressionante, acabando a prazo por contribuir para a sua transformação”4.
A última aula do professor Baltasar Lopes.5
O sentido do magistério liceal que exerceu durante 43 anos, está contido na ultima lição (aula de Latim) e no discurso da sua jubilação em 19736:
Quer-se lá maior estímulo no sentido de que ele põe à prova a nossa medida e cria a nossa melhor recompensa que consiste em termos sido dignos da responsabilidade de professor? Verdade, verdade, estou largamente beneficiado pondo de parte o pressuposto geral que acabei de anunciar, fazem lá ideia, de certo fazem, do que é isso de assistir diariamente ao desabrochar de uma jovem inteligência e à fundação de uma personalidade conhecendo o quinhão que nos cabe deste processo de, em cada dia que passa, ver criar-se e fortificar-se na pequena cidade do nosso magistério, laços que nos unem a todos e a tal ponto que a certa altura nos surpreendemos e que a nossa família nuclear seja um círculo restrito quando comparada com esta extensa família que se foi forjando ao sabor do tecido quotidiano dos momentos, mesmo daqueles que à primeira impressão nos foram menos reconfortantes.7
Passados 28 anos da criação do Dia do Professor, em nossa opinião, prevalece a inspiração do Professor Baltasar, “um caso de dedicação ao saber, em sentido integral, o intelectual erudito, o mestre e professor de muitas gerações e o «saibo»8”9.
1 Policia Internacional e de Defesa do Estado (1945-1969), instituição portuguesa responsável pela repressão de qualquer forma de oposição ao regime político vigente.
2 Lopes, Leão (2011). Baltasar Lopes, um homem arquipelágico na linha de todas as batalhas: itinerário biográfico até ao ano de 1940. Mindelo: Ponto & Vírgula Edições, pp. 435-436.
3 Ibidem, p. 411. A tese de doutoramento, em preparação, foi publicada com o título O dialecto crioulo de Cabo Verde.
4 Fernandes, Rogério (2004), “António Sérgio, Ministro da Educação Pública” in Felgueiras, Margarida Louro & Menezes, Maria Cristina, Rogério Fernandes: Questionar a sociedade, interrogar a história, (re)pensar a educação. Lisboa: Edições Afrontamento, p. 733.
5 Foto Djibla, de 23 de abril de 1972. In blog “A esquina do tempo”, de Manuel Brito Semedo.
6 Lopes, 2011, p. 374.
7 Ibidem, pp. 381-382.
8 Sábio.
9 Carvalho, Alberto Duarte de (1991). “Baltasar Lopes. A obra e o autor do seu tempo. Arquivos do Centro Cultural Português” in Belchior, Maria de Lourdes (dir.), Arquivos do Centro Cultural Português. Vol, XXIX. Lisboa-Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 21-22.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 855 de 18 de Abril de 2018.