Hermano Almeida: o percurso de uma vida marcada pela música (parte I)

PorCésar Monteiro,9 mai 2018 6:08

Há oito décadas, nascia na então pacata Vila da Ribeira Brava, localizada na ilha de São Nicolau, onde passou a infância e adolescência, Hermano Marciano Almeida Lopes da Silva, de nome completo, filho de D. Ana Almeida, Júnior e de João de Deus Lopes da Silva, mais conhecido por Joãozinho Lopes, irmão mais velho do escritor, advogado e cofundador da revista Claridade, Baltasar Lopes da Silva (1907-1989). Natural da ilha do Chiquinho, a mãe, nascida em 1912, emigra para a ilha de São Vicente, onde viveria a maior parte do tempo, e “devia eu ter os meus 7 anos, quando uma prima dela, Maria Roque, enfermeira, lhe arranjou um lugar de contínuo num escritório, onde trabalhou algum tempo”, dedicando-se, posteriormente, a pequenos negócios, vindo a falecer em 1992.

O pai Joãozinho, também ele de São Nicolau e nascido em 1899, oficial da Marinha Mercante Portuguesa, “andou muito tempo num barco por nome Ribeira Brava e, juntamente com Júlio Almada, teve um papel importantíssimo no tempo da fome, porque escapou muita gente, transportando, para S. Vicente, a bordo daquele navio, “crianças famintas”, que eram, depois, “distribuídas a várias famílias”. Mais tarde, na linha da actividade marítima, que abraçou cedo, o pai, após “alguns estudos preparatórios no antigo Liceu de S. Nicolau, fez o curso de pilotagem em S. Vicente, na Escola Elementar de pilotagem de Cabo Verde”, e, fugindo às viagens entre as ilhas e a costa africana, dedicou-se à navegação de longo curso, que estabelecia a ligação com a América do Sul (Brasil) e a Europa. A partir de Lisboa, onde viria, finalmente, a fixar residência, Joãozinho Lopes “comandou barcos da Sociedade Geral, pertencentes à CUF, e de outras Companhia internacionais que faziam carreira principalmente entre Europa, África e América” e, mais tarde, reformou-se nos Açores, falecendo em 1969, nessa cidade portuguesa, aos 70 anos.

Em fase de actividade escolar, Hermano Almeida, nome por que é mais conhecido, fez os seus estudos primários na Vila da Ribeira Brava e foi discípulo do Sr. Alexandre Tavares e da D. Irene Almada,esta última“filha de uma senhora que se chamava Nha Bia Januária, oriunda de uma família da Praia Branca e descendente dos Lopes da Silva”. Finda a instrução primária, Hermano não pôde prosseguir, de imediato, os estudos em São Vicente, por razões de índole familiar e financeira, razão por que, aos 12 anos, “para não ficar a deambular pela Vila, a minha avó materna, que era conhecida por Maria Fina, intercedeu junto do Secretário de Finanças, José Mascarenhas, e do Recebedor Evaristo Soares, para uma ocupação de auxiliar”.

Apoiado por pessoas amigas que se deslocavam à ilha, “consegui arranjar alguns livros, estudei o 2º ano liceal e fui um mês antes prestar provas em São Vicente, em 1957”. Concluído o 2º ano liceal como aluno externo, “aproveitava as férias dos alunos do liceu a S. Nicolau para receber algumas explicações gratuitas de Matemática e de Física do Silvino da Luz e do Armandinho Nelson Fernandes e, como ambos adoravam a música, compensava-os com boas serenatas”. Assim, pretendendo submeter-se a exames do 5º ano da secção de Letras, Hermano desloca-se a São Vicente, em Fevereiro de 1959, e “fiquei no quarto com o meu irmão João de Deus (Di Deus), já falecido”. Instalado com o irmão mais novo, Hermano recebia explicações de Leonildo Monteiro, na secção de Letras, e, entrementes, passou, igualmente, a assistir às explicações de Ciências do Silvino da Luz, também ele “explicador Di Deus”, que lhe permitiriam concluir as duas secções do 5º ano liceal, em Junho/Julho daquele ano.

Todavia, antes de conseguir aquele desiderato, habilitou-se para o exercício do cargo de radiotelegrafista, socorrendo-se de um Dicionário Prático Ilustrado do qual retirou o alfabeto Morse, utilizou as teclas do órgão da Igreja e, rapidamente, familiarizou-se com esse sistema moderno de comunicação. A princípio, “impressionou-me aquele emaranhado de sons, que ouvia – ponto, traço”, mas, depois, “comecei a separá-los e a decifrá-los, até dominá-los”. Na verdade, o Código de telegrafia Morse, sistema de representação de letras, algarismos e sinais de pontuação desenvolvido por Samuel Morse, em 1835, era, ao tempo, o único meio de comunicação que ligava a maior parte das ilhas do arquipélago.

Conhecedor autodidacta da radiotelegrafia, foi nomeado, em 1959, operador interino dos Correios, Telégrafos e Telefones (CTT), equiparado a aspirante, e colocado em S. Vicente. Contudo, o ingresso no quadro dos Correios exigia ao Hermano que frequentasse a Escola Prática dos CTT, na Praia, e, aceitando a regra do jogo daqueles serviços, “ eu perderia dois anos, forçosamente”. Entretanto, Hermano concorre, meses depois, como aspirante provisório das Finançase, “logo, fui nomeado e colocado em S. Nicolau para, em 1960, ser transferido para a Repartição Central na Praia”.

Encontrando-se já na Praia a trabalhar como aspirante de Finanças nomeado, aparece um concurso para radiotelegrafista de 3ª classe do quadro técnico dos CTT, correspondente a 3º oficial, em finais de 1961, no mesmo ano em que, por sinal, contrai casamento com D. Virgínia Almeida, em S. Nicolau, com quem viria, mais tarde, a ter dois filhos. Porque, na altura, já lidava com o Código Morse, de resto considerado “uma lança em África”, e com família constituída, “concorri, fiquei classificado”e colocado na Vila da Ribeira Brava como“chefe da estação telégrafo-postal de S. Nicolau”, precisamente em inícios do ano seguinte ao do seu casamento. Em S. Nicolau, é nomeado, em regime de acumulação, Subdelegado do Julgado Municipal da referida ilha, de Maio de 1964, até à sua transferência para S. Vicente, em 1966, com a incumbência de representar o então Delegado do Procurador da República, Dr. Raúl Varela, colocado em S. Vicente.

Por via de concurso, Hermano é promovido, em 1966, a radiotelegrafista de 2ª classe dos CTT e, de imediato, colocado na Estação radiotelegráfica-postal de S. Vicente até 1968, trabalhando na banca telegráfica e na contabilidade e substituindo, mais tarde, o Chefe da estação, António Macedo, quando se aposentou. Finda a permanência na ilha de Monte Cara, Almeida é colocado, no Sal, na chefia da estação, de Fevereiro de 1968 a 1973, mas, com a promoção a 1º oficial, é transferido para a Praia, assumindo a chefia da 3ª secção da Repartição Central, em 1973 e promovido, sucessivamente, a Chefe de Secção, Director de Exploração Postal (1977), Director de 1ª classe (1981) e Administrador dos Correios (1995).

O ambiente sinuoso em que se move Hermano Almeida, desde a sua infância, é um elemento impulsionador da sua vocação musical construída, particularmente, no interior de pequenos círculos de amigos, à volta da serenata e de tocatinas, e, depois, aprofundada e consolidada nos diversos pontos do território nacional onde esteve a prestar serviço na área da sua formação, ao longo do seu percurso profissional, marcado, de resto, pela mobilidade ascendente, até à sua aposentação, a partir de 01 de Junho de 2001.

Hermano Almeida
Hermano Almeida

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Autoria:César Monteiro,9 mai 2018 6:08

Editado porrendy santos  em  9 mai 2018 6:08

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