1. Nos tempos que correm nós temos que viver o tempo que é o nosso. Água de Gato é o local carregado de memória e de cicatrizes profundas, onde as mulheres encostam a cabeça aos ombros dos príncipes encantados a murmurarem uma voz felina dentro da voz d’outra alma ensimesmada. Há histórias d’amor com outros temperos e com atmosfera de prazeres não silenciados por uma sublime leveza de nuvens brancas. Lá, os olhos dormem aos pares apaixonados de costas voltadas. Mas, hoje, não podem voar como uma águia careca no Alasca; não podem suportar os ventos alísios d’outrora nas suas costas; nem como os ultramaratonistas do Sahara em Marrocos, porque as nádegas, os peitos, os seios – sobretudo – as bocas já não têm protecção dos dentes e nem a cana-cana dá para aquecer as gengivas, apesar dos rostos que salivam até que os lábios fiquem bruxuleantes. (Mas aos pares só peço para sorrirem com um bom dia ou boa noite através das janelas abertas aos céus). Ali, não há lágrimas de pares que nos prendem olhares e a sedução não vai morrer. Logo, pensei na história da “Beleza Banida” nos Camarões, onde mulheres são obrigadas a prender os seios de forma a fazê-los desaparecer. Pensei também na crueldade do hinduísmo dominante no Nepal onde nasceu a crença de que uma mulher menstruada é impura e transforma em impureza tudo aquilo em que toca. É a história da prática de “chhaupadi” (assim se chama). Bate, bate à porta de todas as jovens que crescem. E volta a bater, mês após mês, como angústia ou eterna predestinação, até à menopausa ou até que à morte antecipa o tempo. Tristemente, interroguei-me sobre a história da vida de jovens do Panje Project, que ensina às mulheres nas águas purpureu, em Zanzibar, a regra de desencorajá-las a aprenderem a nadar.
2. Ó água que nasce no ventre basáltico das rochas, mas onde não existe o Sagrado da Birmânia descendentes dos gatos que eram venerados como deuses nos templos budistas da Birmânia (Myanmar), no século XV. Lá, arvoram-se em conservar “a cana-cana ”em pipas de carvalho envelhecidas para contradizer (Mateus 9:14:17) de que “Não se põe vinho novo em odres velhos; rebentam os odres, derrama-se o vinho, e estragam-se os odres. Vinho novo é posto em odres novos, e ambos se conservam”. Ó! Custa-me sempre olhar para o passado dessa paisagem e senti-la tão presente. Parece-me que foi ontem. Qual magicada vida animal nas Galápagos!
1. Nas encostas d’Água de Gato onde as estrelas irrompem e serpenteiam numa atmosfera lívida, não encontramos “A múmia que grita” como expressão de agonia de um - acto hediondo cometido por um príncipe - que foi encontrada no vale Deir El Bahri, muito perto do histórico vale dos Reis no Egipto, nem tampouco se vislumbram telhados “The Town House” como opium palaces em Cabul ou plantações de ingrávidas papoilas vermelhas “coquelicot” em Laos como a coisa mais vermelha que se reproduz na natureza. Aí, fico-me contente ao ver gatos ao Sol e fumarolas de tímidos chaminés, e o encanto da vida que palpita nas mãos calejadas de homens à volta de alambiques calafetados.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 866 de 4 de Julho de 2018.
Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. ou partilhe este artigo.