A cobrança dos serviços colectivos: a insuficiência da óptica de utilizador - pagador

PorBenvindo dos Reis,11 set 2018 6:42

​A maneira como a gestão tenta encontrar meios para solucionar a questão de cobrança individualizada dos serviços colectivos, na óptica de utilizador-pagador, ganha formas cada vez mais criativas. Os serviços colectivos, tais como, a segurança pública, saneamento, iluminação pública, ensino público, autoestrada, radiodifusão, entre outros, que, derivados das suas características, requer uma abordagem sistémica do seu consumo e financiamento.

A implantação de portagens, radares, parquímetros, entre outras, são formas encontradas pelos poderes públicos na tentativa de imputação individual do consumo, mas que não capta todos os efeitos derivados deste consumo. Por exemplo, o serviço de ensino público que tem efeitos não apenas para os consumidores directos (alunos), mas também para as empresas e para a sociedade, nomeadamente através do aporte de civilidade, invenções, previdência, entre outros, que proporciona. Assim como uma autoestrada que pode melhorar a competitividade da economia nacional, criando mais competitividade nas fileiras de produção, para além do motorista que beneficia e paga pela portagem.

Noção de serviço público

O serviço público não é um conceito fácil de definir. A noção de serviço público relaciona-se com as funções colectivas, ou seja, as actividades derivadas das necessidades da vida em sociedade e levadas a cabo pelos poderes públicos (poder central e local). Os serviços públicos são normalmente definidos na Constituição da República, mas também podem vir especificados em outras leis e necessidades públicas, resultante não só do monopólio legal do Estado, mas também daquilo que o poder público determina como sua função.

Em termos da teoria económica, é comum distinguir para este efeito os serviços mercantis dos serviços não mercantis. Os serviços mercantis são aqueles que pagamos pelo seu consumo, pois podemos identificar e imputar ao seu usuário (neste caso falamos de cliente) mais facilmente, como, por exemplo, a água canalizada, corte de cabelo, etc. enquanto os serviços não mercantis são fornecidos gratuitamente pelo Estado, porque além de serem difíceis de identificar e imputar individualmente a cada indivíduo o seu consumo (neste caso falamos de usuário), tais como segurança, iluminação pública, radiodifusão, etc. possuem uma função social relevante.

Característica dos bens públicos: rivalidade e exclusão

Os serviços públicos podem ser fornecidos tanto pelas autoridades públicas como pelos privados, através da administração pública ou suas delegações (concessões, transferências, etc.), e têm normalmente as seguintes características: em primeiro lugar, a não-rivalidade e em seguida a não-exclusão. A ausência de rivalidade é entendida como a possibilidade de um consumo concomitante do mesmo bem. Um agente adicional pode consumir o produto sem diminuir a quantidade que consome os outros indivíduos e normalmente não provoca um aumento do custo adicional (custo marginal de produção nulo). Exemplo a televisão pública, iluminação pública, segurança, etc. mas também dos bens ambientais renováveis.

A ausência de exclusão refere-se à incapacidade técnica para excluir alguém de consumir este bem ou a utilização de um serviço, inclusive aqueles que não contribuíram para o seu financiamento. A exclusão resulta principalmente da capacidade e vontade dos agentes em não pagar, mas também vem da incapacidade do provedor de contabilizar os utilizadores e afastar o “passageiro clandestino” (free-rider), muito menos de determinar a quantidade consumida.

Imputação de serviços públicos

A evolução da tecnologia (radares, georefenciação, biometria, etc.) tem permitido um aumento cada vez maior da imputação individual de consumo de bens e serviços públicos, na ótica de utilizador-pagador, mas não ultrapassa ainda a questão das externalidades (efeitos externos positivos e negativos a sociedade) e do consumidor clandestino (caso do consumidor que podem ver a televisão no seu tablete, do comerciante no trailer que beneficia da iluminação pública, etc.) relativo ao consumo destes produtos.

Como alguns bens públicos tem custos de produção, estes devem ser pagos. Se for o caso de um bem livre (que não seja esgotável, caso da água do mar, força das ondas, etc.) não haveria a necessidade de cobrança, caso não apresente um custo ambiental ou externalidades negativas. Caso contrário, se o produto é resultante do trabalho de produção e é esgotável, isso significa que se deve encontrar uma forma de financiamento, que pode ser:

(a) Uma taxa: identificar os destinatários por via teórica qualquer (por exemplo, pode-se assumir que qualquer proprietário de um aparelho de rádio aproveita o serviço de radiodifusão);

(b) Um imposto: obrigar, por um sistema qualquer, os beneficiários à contribuir para a produção do bem (aumentar o imposto sobre o património para os proprietários que demandam maior policiamento);

(c) Criar uma ligação: associar um consumo com um terceiro, que, em seguida, poderá ter interesse a pagar (exemplo: saneamento financiado pelos importadores/produtores de sacos de plásticos);

d) Utilizar um recurso que pode não tem nenhuma ligação directa com o produto: (Por exemplo: cobrar um imposto sobre rendimentos para financiar a proteção do meio ambiente);

e) Utilizar várias fontes: Pode ainda combinar de forma proporcional ou não. (Por exemplo: a televisão pública que pode ser financiada através de uma taxa, e também dos recursos da publicidade e dos impostos).

Qualquer que seja a forma de financiamento, o custo de produção é o factor determinante. A forma como este valor será dividido entre as diferentes fontes de financiamento depende de considerações macroeconómicas, ideológicas e de cálculos não incontestáveis. A teoria económica defende que o preço justo seria sempre igual ao do custo marginal (custo da última unidade produzida), o que na realidade produz quase sempre um défice (dado que o custo marginal é menor que o custo médio sobretudo nas primeiras unidades produzidas).

Como o custo médio é muitas vezes utilizado para a fixação do preço, é preciso fazer com que o resto do custo seja coberto por algum meio. Portanto, como disse, Stephen Hawking, na Teoria do Todo, nada pode ser a consequência de um ato único, mas o resultado de vários fatores. Portanto, como o funcionamento destas estruturas tem custos fixos que não pode ser pago apenas pelo seu usuário directo, já que a sociedade também é beneficiária, é preciso o Estado comparticipar através de impostos nestes serviços.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 875 de 5 de Setembro de 2018.

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Autoria:Benvindo dos Reis,11 set 2018 6:42

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  11 set 2018 6:42

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