Chocaram o mundo aqueles comoventes atentados terroristas, com a consequente tragedia do desmoronamento das gigantescas Twin Towers, no coração de Manhanttan, o bairro da alta finança norte-americana. O choque foi ainda mais assustador com o alarmante sequestro do Voo 77 da American Airlines por terroristas e o seu subsequente embate contra o lado oeste de aquele que se vislumbrava como intransponível, o dito vigoroso Pentágono, em Arlington, na Virgínia, centro do poderio políticomilitar dos Estados Unidos da América. Também um carro bomba tinha explodido no Departamento de Estado, em Washington, D.C., provocando até evacuamento preventivo da Casa Branca e de alguns edifícios da estrutura federal.
Os poderes económico, político e militar dos EUA, para não falar na sua própria soberania, estavam todos à prova e o mundo inteiro boquiaberto. Se até os Estados Unidos foram abatidos dessa maneira, o que será de nós pobres cristãos? Essa era a pergunta em que todos nós pensávamos, em voz alta ou de modo um pouco mais silenciosamente para que não perdêssemos o chão que nos protegia da gravidade situacional.
Terrorismo, a palavra ressurgiu na ordem do dia e ocupou a atenção dos grandes meios de comunicação, marcando o espaço público global. Entre uma cortina de fumo e poeira e os escombros da cidade urbanizada, cosmopolita e luxuriante de Nova Iorque, o pânico corria, à solta, de lá para as avenidas e os arredores de Washington até às ruelas mais insignificantes das cidades menos vistosas deste planeta que partilhamos. A devastação. Explosões e tremores de terra no centro de Nova Iorque, sem paralelo desde a resistência do império britânico contra as forças independentistas de aclamava pela emancipação da então colónia norte-americana. Um pesadelo dessa nossa era. O desalento e a comoção global.
De um momento para outro, os atentados terroristas em Nova Iorque e em Washington mudaram o mundo em que vivemos de uma vez por todas. Dizer que até um simples mortal foi afectado pelo embate terrorista não é nem de longe nem de perto um exagero. No meu caso muito particular, imaginem, naquela época, eu tinha concluído o meu ano de caloira em Coimbra e, para celebrar os meus progressos e resultados nos estudos, fui dar uma volta pela Europa moderna e elegante e, com merecimento, havia realizado, à francesa, uma viagem de sonho à cidade de Paris e ao sul de France, com destino à Nice, sempre na companhia do meu normalíssimo visto de estudo e cartãozinho de estudante internacional. Nessa época já remora, até os elementos fardados das fronteiras abriam alas para cá e para lá aos estudantes universitários em trânsitos turísticos.
Depois dos ataques terroristas, que começaram em Nova Iorque, e das respostas de Washington, ambos como sinal de algo ainda mais complexo por descodificar, o mundo mudou e as nossas vidas também. Tudo mudou, de modo real. Com muito ou pouca ficção e megalomania, a partir daquela data em concreto, entrámos fatalisticamente numa era de absurdos, de estranhos e de retaliações infindáveis. Então, vincaram-se as fronteiras reais e imaginárias, elegeram-se os inimigos a abater e ergueram-se as fortalezas. O medo, o terror e as mortes entraram em cena ano a ano, de uma parte à outra do mundo.
Conheci a cidade de Nova Iorque muito depois do 11 de Setembro de 2001. Quando visitei a cidade pela primeira vez, um dos lugares que me levaram a conhecer foi o Memorial 11 de Setembro (9/11 Memorial & Museum), em Marco Zero, que homenageia principalmente as vítimas dos ataques ao World Trade Center, sobressaindo dos dois espelhos de água nomes gravados em bronze de cerca de três mil pessoas que perderam as suas vidas no fatídico dia que abalou o mundo. O espaço onde antes havia as duas torres gémeas deu lugar a duas enormes piscinas, cercadas por árvores sombrias, que ornamentam o memorial de modo comovente. Não obstante a tristeza e comoção global que se presencia no dia-a-dia da visita a esse memorial, fica-se com a sensação de que nos Estados Unidos da América sabem tão bem honrar os seus mortos e que isso, paradoxalmente, enobrece a nação que presta homenagem às suas vítimas, independentemente de tudo o mais.
Quando eu assisti pelo ecrã da televisão às atrocidades daquele dia de má memória, estava longe de imaginar que, um dia, a minha visita em Nova Iorque poderia começar por este sítio de triste história. Preferia antes a leveza de Times Square, o passeio de bote ou a pedalada de bicicleta no Central Park, a majestosa Statue of Liberty, a nostálgica South Street Seaport, a exuberância do Grand Central Terminal, o lobo de Wall Street, a ponte de Brooklyn e toda uma séria de coisas muito ou pouco relevantes. Mas, como não só as alegrias habitam os nossos universos e conformam circunstâncias das nossas vidas, lá tive eu que encarrar primeiramente esta representação do sofrimento americano e, em certa medida, nosso também, e só mais tarde as fantasias da cidade que nunca dorme, nem fecha o olho.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 876 de 12 de Setembro de 2018.