Comecemos por puxar o fio da memória, num retorno aos séculos XVI-XVII trazendo à luz dois escritores seiscentistas e a sua produção literária.
Comecemos, pois, por recordar Andre Alvares d’Almada (1555 – 1650), homem ilustrado, natural de Santiago, provavelmente o primeiro homem de cor a ser armado cavaleiro. Eleito em 1594 para impetrar de D. Filipe I uma audiência e convencê-lo da utilidade de se povoar a Serra Leoa. Publicou Tratado Breve dos Reinos de Guiné do Cabo Verde, 1594 (Porto, Typographia commercial portuense, 1841) – a primeira obra de autor cabo-verdiano a ser impressa.
Outro escritor a recordar é Andre Donelha, de quem pouco se sabe, mas presume-se que tenha nascido na ilha de Santiago, entre 1550 e 1560, onde estudou. Escreveu a obra Descrição da Serra Leoa e dos rios da Guiné do Cabo Verde, 1625 (Junta Investigação Científica do Ultramar, Lisboa, 1977).
Não esquecer que nos séculos XVI-XVII, o arquipélago, enquanto base comercial, encontrava-se económica e religiosamente associado à costa africana, sendo no âmbito desta interdependência que surgem o Tratado de Almada (1594) e a Descrição de Donelha (1625).
Tratado Breve dos Reinos de Guiné do Cabo Verde, 1594 – Livro publicado em 1841, só viria a ser reeditado em 1946, sendo a última edição de 1964.
Descrição da Serra Leoa e dos rios da Guiné do Cabo Verde, 1625 – Livro publicado pela primeira vez em 1977, em edição bilingue (francês e português), com introdução, notas e apêndices por Avelino Teixeira da Mota.
Obras raras, há muito esgotadas, não havendo nenhum exemplar nos arquivos nacionais1.
Foi necessário esperar por meados do século XIX para ver surgir obras mais precisas sobre as ilhas como a de José Carlos Conrado Chelmicki e de F. A. Varnhagen, em 1841 (Corografia Cabo-verdiana ou Descripção Geographico-Historica da Província das Ilhas de Cabo-Verde e Guiné), a de José Joaquim Lopes de Lima, em 1844 (Ensaios sobre a Statistica das Possessões Portuguesas no Ultramar) ou a de Francisco Travassos Valdez, em 1864 (África Occidental: noticias e considerações), que antecederam a primeira grande síntese sobre a totalidade da história de Cabo Verde, Subsídios para a Historia de Cabo Verde e Guiné, 1899/1913,de Christiano José de Senna Barcellos.
1 Contrariando uma tradição que vinha de 1871, com a criação da Biblioteca e Museu Nacional, na Praia – a única então em toda a África portuguesa – e da Biblioteca Municipal na ilha de São Vicente, em 1882, as bibliotecas públicas foram fechadas em 1974, só voltando a haver nos anos de 1990: em 1996 a Biblioteca Municipal de São Vicente e em 1999, a Biblioteca Nacional na Praia. De referir, contudo, que a partir de 1988 o Arquivo Histórico Nacional vem desenvolvendo um notável trabalho na inventariação e transferência do acervo existente em todo o território nacional.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 885 de 14 de Novembro de 2018.