O conhecimento da lei que, hoje, enquadra a educação a todos importa – alunos, professores, técnicos e dirigentes da educação, famílias e cidadãos em geral – porque potencia a transparência do sistema educativo, a eficácia das políticas públicas neste domínio, a participação e o escrutínio cívicos. Importa não cairmos na ideia-feita que as políticas educativas estão em constante mudança, feitas de reformas e contra-reformas, sendo, portanto, circunstanciais, precipitadas e mal-sucedidas.
A leitura analítica do diploma publicado há duas semanas desvenda, por um lado, um continuum coerente e estável dos princípios e objetivos que têm norteado a política educativa (desde 1990) e por outro, o surgimento de significativas mudanças que abrem novos horizontes para a educação. A assertividade das alterações nos domínios da educação pré-escolar e escolar, cujas ideias-chave se apresentam, permitiu-nos a liberdade de intitular o presente texto “A Nova Lei de Bases do Sistema Educativo”.
Universalização da educação pré-escolar
A educação pré-escolar tem sido enquadrada nos objetivos da proteção da infância em articulação com a família, sendo, portanto, de carácter facultativo.
Agora, inscreve-se nos objetivos da universalização do acesso à educação, visando o desenvolvimento da criança e a preparação para o ingresso na educação escolar. O Estado tem o dever de garantir as condições e medidas que permitam o acesso de todas as crianças à educação pré-escolar, a partir do ano em que atinjam 4 anos de idade.
Adicionou-se um objetivo a prosseguir: o de “possibilitar a familiarização das crianças com a língua portuguesa e o desenvolvimento de habilidades motoras, psicomotoras e normas de convivências positivas necessárias ao ingresso no 1.º ano do ensino básico”.
Gratuitidade do ensino básico universal, obrigatório, com a duração de oito anos
A primeira Lei de Bases, publicada em 1990, consagrou como universal, obrigatório e gratuito o ensino básico de seis anos. Na lei revista em 2010 preconizou-se o alargamento da escolaridade obrigatória ao ensino básico de oito anos, segmentado em três ciclos (o 1.º de quatro anos, o 2.º e 3.º de dois anos). As condições da gratuitidade foram remetidas para legislação futura. Na prática, o 3.º ciclo (7.º e 8.º anos) continuou inserido no ensino secundário e a escolaridade obrigatória não passou do 6.º ano.
A atual Lei proclama, igualmente, o ensino básico universal e obrigatório com a duração de oito anos, mas altera a organização e objetivos de aprendizagem para dois ciclos de quatro anos cada. O Estado assume a gratuitidade do ensino básico obrigatório, sob a modalidade de oferta de ensino público com isenção de propinas, taxas e emolumentos. Pretende-se, assim, que o rendimento familiar não seja um fator condicionante do acesso e da permanência no sistema.
Neste contexto, as famílias têm o direito e o dever de assegurar às crianças e jovens a frequência do ensino básico de oito anos.
Ensino secundário, um ciclo único de quatro anos com duas vias alternativas: a geral e a técnica
Em 2010 consagrou-se a configuração do ensino secundário com a duração de quatro anos (9º ao 12º anos), em dois ciclos sequenciais: o 1.º da via do ensino geral e o 2.º com uma via do ensino geral e outra do ensino técnico (opcionais).
Na presente organização, o ensino secundário, igualmente de quatro anos, estrutura-se desde o inicio (9.º ano) em duas vias opcionais, a geral e a técnica. A via técnica do ensino secundário – que se destina à aquisição de conhecimentos científicos e tecnológicos, competências sociais e profissionais para a obtenção de uma especialização adequada, visando a inserção no mundo laboral, sem prejuízo do prosseguimento de estudos superiores – passa a desenvolver-se em quatro anos (antes em dois anos), conferindo aos alunos dupla certificação, académica e profissional.
A estrutura e conteúdos curriculares do ensino secundário geral e técnico deverão permitir o reforço da área científica e tecnológica, o alargamento das competências linguísticas adquiridas nos ciclos precedentes e a integração de línguas estrangeiras facultativas.
Mantêm-se as diretivas para um ensino superior regulado e compatível com as exigências da internacionalização
A subsecção “Ensino Superior” não regista qualquer alteração ao texto revisto em 2010. De facto, parte do articulado permanece mais atual do que nunca, por não ter sido aplicado. Urge para desenvolvimento futuro, uma particular atenção à anunciada implementação de um sistema regulado e de qualidade e à intenção de se harmonizar o ensino superior com o chamado modelo de Bolonha, de modo a viabilizar a sua internacionalização.
Numa época propícia a formular votos, deseja-se que estas sucintas anotações suscitem o interesse de se conhecer a Lei de Bases e o sistema educativo que enquadra. O conhecimento crítico da nova lei fundamental da educação, publicada no Boletim Oficial n.º 80 de 7 de dezembro, é o mínimo que cada um de nós pode fazer para se abrir o sistema de ensino a novas ideias.
Como sugere António Nóvoa: “Em vez da homogeneidade e da rigidez, a diferença e a mudança; em vez do transbordamento, uma nova conceção da aprendizagem. Em vez do alheamento da sociedade, o reforço do espaço público da educação” [1].
Obs: O artigo observa as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 890 de 19 de Dezembro de 2018.
[1]Educação 2021: para uma história do futuro, Revista Iberoamericana de Educación (2009).